Blog HISTÓRIA DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO, de
autoria Álaze Gabriel.
Autoria:
Maria
Inês Assumpção Fernandes. Instituto de Psicologia – USP
RESUMO:
O presente trabalho
discute a proposta atual de reforma do ensino superior no país como decorrência
das transformações da Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Para tanto focaliza a
discussão a partir de três eixos principais, a saber: a história recente da
construção de políticas públicas na área de Educação e as implicações
decorrentes da não discriminação do que seja Ensino Superior e Universidade; a
definição das diretrizes para o ensino superior determinadas por organismos
internacionais interessados na participação do setor privado sobre a Formação
(profissional); e a identificação dos princípios que sustentam o modelo a
partir do qual a reforma se apóia, ou seja, a construção das Diretrizes
Curriculares para os cursos de Graduação e a consolidação de um Sistema de
Avaliação para o Ensino Superior.
Descritores: Universidade. Ensino
superior. Educação. Avaliação.
INTRODUÇÃO
Os estudos sociológicos têm
mostrado, como nos informa Santos (1995), o quanto as contradições no sistema
educativo podem encobrir articulações mais profundas entre os diversos
sub-sistemas sociais. Citando Bourdieu e Passeron demonstra que o sistema
educativo pode funcionar de tal forma que a contradição entre o princípio de
igualdade de oportunidades e mobilidade social pela escola e a consolidação e
aprofundamento das desigualdades sociais, não seja visível. Esse encobrimento
estará dessa forma, legitimando uma ordem social estruturalmente incoerente que
não se sustenta nas premissas igualitárias que o próprio sistema propõe.
Assim, entre os desafios que nos são colocados para
reflexão, está sempre presente a preocupação com as novas funções atribuídas às
instituições de ensino superior e particularmente à Universidade. O mal-estar
democrático no qual vivemos, para além da má distribuição de riquezas, deve se
à decadência e ao abandono das instituições públicas nas quais a desigualdade
social e civil é, muitas vezes, mascarada por uma legislação que facilita o
livre acesso às suas dependências, como se essa igualdade social e civil não
pressupusesse pelo menos uma grosseira aproximação do que seja igualdade
econômica.
A nova e contínua demanda pela formação superior e
as mudanças na relação entre formação e exercício profissional estabelecem um
outro lugar ao conhecimento supostamente entrelaçado ao cumprimento de uma
tarefa político-institucional.
No Brasil há uma equivocada identificação entre
Universidade e Ensino Superior. Este equívoco é mantido ora por quem
busca a autonomia universitária por razões
empresariais, ora defendida como princípio por quem só reconhece como ensino
superior aquele que se pratica em universidades plenas e dificulta entre nós a
compreensão da dimensão da questão da universidade pública e de sua destruição.
(Menezes, 1996, p. 10)
Devemos lembrar que por mais importante que seja a
formação profissional superior, a Universidade foi criada para cumprir múltiplas
funções dentre as quais o ensino superior, embora esta não seja sua finalidade
exclusiva nem a principal. Elas foram criadas para transcender essa dimensão.
São muito mais do que centros de formação superior ou de treinamento técnico.
"Além da educação superior se promove cultura, se faz ciência e se
desenvolve tecnologia" (Menezes, 1996, p. 9). Em qualquer análise sobre a
situação do ensino superior merece atenção a sua evolução até a estrutura atual
destacando "os processos de privatização, de modernização institucional e
de gestão das universidades" (Cunha, 1998, p. 1).
SOBRE A UNIVERSIDADE
No que diz respeito à Universidade a situação,
historicamente, tem sido complexa. A sociologia das universidades tem discutido
suas funções e tem mostrado a existência de colisões. A função de investigação
colide freqüentemente com a função de ensino. Neste domínio de ensino, os
objetivos da educação geral e da preparação cultural colidem, no interior da
mesma instituição, com os da formação profissional ou da educação
especializada.
São - lhe feitas exigências cada vez maiores por
parte da sociedade ao mesmo tempo em que se tornam cada vez mais restritas as
políticas de financiamento de suas atividades por parte do Estado. Duplamente
desafiada, pela sociedade e pelo Estado, a Universidade, de um lado, não parece
preparada para enfrentar tais desafios, tanto mais que estes apontam para
transformações profundas e não simples reformas parcelares. Tal despreparo,
mais do que conjuntural, parece ser estrutural, na medida em que a perenidade
da Instituição Universitária, sobretudo no mundo ocidental, está associada à
sua rigidez funcional e organizacional, à sua relativa impermeabilidade às
pressões externas, enfim àquilo que tem sido muitas vezes proclamado como a sua
aversão à mudança. (Santos, 1995, p. 187)
Essa "aversão," contudo, procura
resguardar a capacidade de discriminação em relação à preservação daquilo que é
necessário para o cumprimento de suas funções políticas e sociais. O objetivo
das reformas e das reestruturações curriculares tem sido freqüentemente o de
manter tais condições sob controle, através da gestão cuja natureza é a de não
intervir ao nível das causas profundas das contradições.
A educação está em crise e a universidade a segue.
E esta crise expressa o conjunto das contradições que ela enfrenta: a luta
entre uma produção de conhecimentos exemplares, da qual ela se ocupa desde a
Idade Média, e a produção de conhecimento úteis para a formação de força de
trabalho qualificada exigida pelo desenvolvimento industrial. Ela também
convive com a contradição entre as exigências socio-políticas de democratização
e de igualdade de oportunidades e a hierarquização dos saberes especializados,
garantida pela restrição de acesso e credencialização de competências; convive
com a luta entre a reinvindicação de autonomia quanto à definição de valores e
a submissão crescente a critérios de eficácia e de produtividade, herança do
poderio empresarial. Qual seu novo lugar? São contradições superáveis?
O momento atual no Brasil, nos convoca a averiguar
as múltiplas determinações que estão presentes nessas novas exigências
dirigidas à Universidade e a identificar as brechas possíveis para a superação
desses impasses. As principais linhas de questionamento quanto ao seu papel nos
novos tempos dizem respeito às crises de legitimidade, de hegemonia e
institucional e se referem, em primeiro lugar, à sua função social: no momento
em que uma cultura relativamente homogênea assumiu, no ocidente moderno, o
papel da religião e revelou-se como novo cimento social a Universidade teve um
grande momento. Esse sentido social foi ainda mais acentuado quando lhe coube
participar do esforço de construção do estado-nação (mesmo que no interior
desse estado, estivesse voltado para o fortalecimento de uma classe social em
detrimento das demais). Na contemporaneidade que tende para a mundialização a
universidade é secundária, na medida em que a cultura está despida desse seu
papel anterior de portadora de uma idéia de nação e de fonte geradora de
sentido para a vida e para o mundo
mostrando-se sobretudo como instrumento de lazer
descompromissado e como simples mercadoria entre tantas outras; não detém mais
o monopólio da produção do conhecimento e, nem sequer, da informação, e como a
cultura não é mais passível de definição precisa, porque tudo é cultura, ela
perdeu ao mesmo tempo parcela significativa de seu sentido social e educativo e
só lhe cabe resignar-se à forma menor de uma escola, voltada para a preparação
imediatista de mão de obra a ser burilada fora dela, mais tarde, pela empresa,
quer dizer, pelo mercado. (Teixeira Coelho, 1998, p. 15)
CENÁRIO NACIONAL E
ORGANISMOS INTERNACIONAIS
Tais questionamentos que vêm sendo veiculados em
diferentes espaços de debate no Brasil e no exterior têm sido objeto de exame
detalhado pelas grandes organismos internacionais. Estão nas discussões
realizadas nos Estados Unidos, através da OCDE - Organização de Cooperação e de
Desenvolvimento Econômicos e na Europa, através da ERT - Mesa Redonda Européia
dos Industriais. Estes organismos procuram definir o novo perfil da Universidade
do Século XXI voltado a privilegiar as demandas ou as necessidades de mercado.
Há dez anos já se publicava um documento intitulado
"Educação e Competência" na Europa onde se afirmava, de início, que
a educação e a formação são considerados
investimentos estratégicos vitais para a vitória futura da empresa. E onde se
deplora que o ensino e a formação sejam sempre considerados pelos governantes
como um "affaire" interior onde a indústria não tem senão uma fraca
influência sobre os programas de ensino. (Sélys, 1998, p. 14)
A conclusão do documento sugere que a industria e
os estabelecimentos de ensino - notadamente graças à aprendizagem à distância -
deveriam trabalhar em conjunto para o desenvolvimento de programas de ensino. O
conjunto dessas novas estratégias, preparado pelos empresários, deverá
desembocar em melhor adequação do ensino às exigências da indústria, numa
preparação ao teletrabalho, numa redução dos custos de formação na empresa e,
por fim, num processo de atomização dos estudantes e dos professores cujas
eventuais turbulências são sempre duvidosas.
Em documento de 1991 afirma-se que uma Universidade
Aberta é uma empresa industrial e o ensino superior à distância é uma indústria
nova. Esta empresa deve vender seus produtos sob a modalidade do ensino
continuado, que regem as leis de oferta e procura. Assim o alcance destes
objetivos exige que a estrutura de educação seja concebida em função das
necessidades dos clientes. Uma concorrência se instaurará entre as
"prestadoras de serviços de aprendizagem" à distância o que pode
segundo tais avaliações, desembocar em melhora da qualidade dos serviços
(Sélys, 1998, p. 14). Destaca-se claramente os fins dos industriais: criar, à
margem de serviço de ensino público reduzido a oferecer uma educação de base, um
vasto sistema privado e comercial.
No limitado cenário nacional, a aderência a esse
modelo é evidente.
Analisemos alguns pontos do capítulo "Da
Educação Superior," presentes na nova Lei de Diretrizes e Bases - LDB de
1996. Este capítulo foi alvo de intensos e polêmicos debates no processo de sua
elaboração. Assim, às concepções defendidas pelos professores e encontradas nos
projetos originados na Câmara Federal se apunham àquelas defendidas pela
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino e manifestas no projeto
Darcy Ribeiro. As primeiras explicitam os objetivos da educação superior, sua
abrangência, a duração de ano letivo, a oferta desse nível de ensino no período
noturno, a autorização de funcionamento de instituições de ensino, segundo o Plano
Nacional de Educação, a avaliação externa e, a cada cinco anos, o
credenciamento de universidades, entre outros pontos. A nova LDB embora
mantendo parte desses pontos alterou substancialmente outros, referentes
principalmente a objetivos e finalidades, abrangência e programas, condição
para autorização, credenciamento, processos de avaliação, etc (Muranaka &
Minto, 1998, p. 66).
Assim, ao determinar as finalidades, o artigo 43,
não reafirma o princípio da indissociabilidade entre as atividades de ensino,
pesquisa e extensão de serviços à comunidade. Tal tríade, a ser explicitada no
artigo 52, embora garantida às universidades não é mais extensiva à formação em
curso superior. Este ponto permite supor a distinção de qualidade entre cursos,
instalando e impondo à educação a lógica de mercado ou seja, diante de um
pressuposto aumento de pressão social por esse nível, planeja-se uma oferta
diversificada, através de instituições que oferecem ensino de qualidade
diferenciada, podendo redundar em cursos de 1ª, 2ª e 3ª categorias, de acordo
com a possibilidade financeira do consumidor. Cumpre-se, assim, o duplo
objetivo de atender à demanda e baratear os custos.
Tal proposta se articula num documento do Banco
Mundial onde são definidas quatro orientações-chave para a reforma do ensino
superior entre elas o desenvolvimento de instituições não universitárias cujos
"custos mais baixos são atrativos para os estudantes e mais fáceis de
serem estabelecidos por provedores privados (Banco Mundial, 1995, p. 5, citado
por Muranaka & Minto, 1998, p. 67). Assim, além da ênfase privativista,
percebe-se a inclinação para dar respostas mais de acordo com o mercado de
trabalho.
Os efeitos dessas determinações, a longo prazo,
poderão se refletir mesmo entre as Instituições de Ensino Superior consolidadas
como Universidade, na medida em que poderão se desmembrar em núcleos de
excelência partindo o conhecimento em especializações por campo de saber. A
perseguição de um ideal especializante e profissionalizante é próprio da
universidade deste período pós-moderno.
FATOS DA NOSSA HISTÓRIA
Muito do que se discute atualmente acerca da
universidade poderia ser mais bem focalizado se considerássemos determinadas
continuidades, por vezes deliberadamente ocultadas sob a capa das novidades ilusórias
e das emergências do presente. Desde que o Relatório Atcon diagnosticou o
estrangulamento no canal de acesso à universidade, a preocupação dos governos
que se sucederam durante a ditadura militar foi a ampliação de vagas sem que
isto representasse um investimento significativo. A partir daí é que se firmou
a argumentação de que o ensino privado superior cumpriria uma função
complementar, tendo em vista a impossibilidade de o poder público arcar
completamente com este ônus. (Silva, 2000, p. 1)
A mentalidade organizacional começa a encontrar
canais para se colocar no âmbito do sistema universitário e a ganhar o mesmo
espaço já alcançado nos âmbitos do ensino de primeiro e segundo graus. A idéia
era trazer a eficiência empresarial, já comprovada no ensino básico, para o
ensino universitário e marcar, também neste nível,superioridade organizacional
da empresa particular em relação à instituição pública. Lembremos que
originalmente, o surgimento da universidade "não decorreu da existência de
instituições de ensino fundamental ou básico mas constituiu sim, ao contrário,
uma pré-condição para o surgimento das demais escolas" (Menezes, 1996, p.
9).
A proliferação de escolas privadas de ensino
superior (o CFE deferiu 759 solicitações entre 1968 e 1972) permitiu o acesso
de vastas camadas da classe média ao ensino universitário, atendendo assim a
uma expectativa que se vinha tornando cada vez maior. Em segundo lugar, o
caráter próprio destas organizações empresariais supunha naturalmente um perfil
de curso superior significativamente distinto do que ocorria nas instituições
públicas. Os parâmetros de eficiência e lucratividade excluíam qualquer ideário
pedagógico mais consistente, o que foi substituído pelo senso de oportunidade
comercial na organização e venda de serviços segundo o critério da demanda.
Este tipo de atitude compunha-se muito bem com o
regime autoritário, que entendia a universidade como formadora de
"recursos humanos" de acordo com a ideologia do desenvolvimento e
segurança nacional. Desta forma a ditadura encontrou na expansão do ensino
privado tanto um meio de se desonerar da responsabilidade educativa quanto um
instrumento ideológico eficaz para a adaptação do alunado às regras de
comportamento político (ou apolitico) vigentes. (Silva, 2000, p. 1)
Devemos estar atentos aos parâmetros de
lucratividade, eficiência e suas decorrências quanto à qualidade de ensino. Do
ponto de vista empresarial a manutenção da clientela é fundamental e nessa
medida é fator decisivo para a definição de exigências acadêmicas. Tal situação
redundava num aumento visível do número de
graduados em nível superior e isto também vinha ao encontro das expectativas do
governo, na medida em que se constituía como uma maneira de alimentar com
ilusões e falsas esperanças os anseios de ascensão da classe média. (Silva,
2000, p. 1)
A Universidade assim encaminhada, sem sua função
transcendente torna-se uma "multiversidade," composta de partes que
perseguem fins isolados. Na procura pela sua dimensão plural fingidamente
aliada à perseguição do respeito à demanda diversa, deparamo-nos com sua
fragmentação. Desprovida de uma função simbólica relevante e impossibilitada
economicamente de assumir um papel de ponta na pesquisa científica, ela se
esfacela (Teixeira Coelho, 1998).
A formulação de políticas está diretamente ligada à
estrutura e natureza do Estado, e envolve em grande parte a representação de
interesses que são por elas implementados ou bloqueados. As questões referentes
a como os interesses são representados, de quem são esses interesses e qual a
justificativa para representá-los expressam grande parte da reflexão sobre
política.
O fato é que a noção de "interesse" ocupa
um lugar central na teoria social moderna, na época da expansão e consolidação
da sociedade burguesa. A noção aparece claramente vinculada a uma concepção
individualista, "materialista", da sociedade: "interesse" é
freqüentemente sinônimo de benefício material, algo que pode ser medido pela
razão calculadora. É curioso observar que, em várias línguas latinas... a
palavra interesse é sinônimo de juro ou de lucro, com o que fica marcada a
vinculação do interesse com o ganho material imediato. E , mais do que isso,
observa-se no pensamento moderno uma valorização do interesse (entendido como
sinônimo de racionalidade) em relação à paixão. (Coutinho, 1989, p. 48)
De outro lado, as teorias sobre a construção do
pensamento liberal mostram o Estado existindo com a finalidade de garantir
interesses externos à sua alçada e se expressando pela seguinte lógica:
o Estado em si não representa interesses concretos;ele
assegura que os interesses se explicitem em sua esfera própria, que é a esfera
privada. Não é por acaso, portanto, que o pensamento liberal se centra no
postulado da limitação do poder, em contraste com o pensamento democrático, que
tem como eixo central a distribuição (ou socialização) do poder. A preocupação
do liberalismo é limitar o poder; daí a exigência do Estado mínimo, do Estado
que só intervém quando estritamente necessário. (Coutinho, 1989, p. 48)
"A solução não é suficiente para debelar o
problema" (Paulo Leminski). A proposta de um novo caminho deve se voltar
para a construção de uma ordem social mais justa e procurar delinear novas
estratégias para a inserção social dos indivíduos. No entanto, a resposta que
temos ouvido em relação à produção dessa cultura crítica, é aquela "que
nos apresenta uma nação em plena fase de melhoramento técnico e de progresso
social, onde há lugar para todos desde que trabalhem e cumpram assiduamente
seus deveres na ocupação a que se destinam" (Bosi, 1992, p. 19). A
mensagem é clara: uma exigência de produtividade na qual o trabalho, como um
direito do cidadão, é colocado como mediador de identidades.
A discussão sobre as transformações do sistema
educativo têm estabelecido um diálogo com a Sociedade a partir de um discurso
apoiado na competência tecnológica, na urgência de renovação diante da
imobilidade das instituições e no enxugamento da formação visando uma rápida
aprendizagem para uma imediata aplicação na esfera do trabalho. Toda
argumentação contrária tem recebido franca oposição, assentada na atribuição de
retrocesso e falta de visão de futuro.
PROPOSTA ATUAL DE
TRANSFORMAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
A transformação do Ensino Superior proposta pelo
atual governo através dessa nova legislação apóia-se em princípios educacionais
que se traduzem por um modelo sustentado em dois pontos: Diretrizes
Curriculares e Avaliação. De posse de um discurso que defende o livre acesso às
instituições de ensino superior, a atenção à comunidade e a oferta diversificada
de cursos para atingir diferentes demandas, esse modelo revela interesses
voltados para a criação de ofertas de aprendizagens, como se esta não tivesse
como pressuposto um modelo educacional. Encobertos os significados ficamos à
mercê da retórica, do uso esvaziado das palavras.
Expressa, através desses pontos, um modelo
assentado em princípios regulados por uma lógica (de mercado/de capital) onde à
flexibilidade e autonomia conferidas às instituições corresponde uma avaliação
estabelecida sobre padrões definidos e fixados previamente. À abertura que o
conceito de flexibilidade parece oferecer corresponde um fechamento ou controle
pela avaliação. O modelo atual supõe uma adaptação dos currículos às
necessidades sociais das diferentes regiões do país. A flexibilidade deveria
atender a essa exigência. Deparamo-nos, no entanto, com um certo deslizamento
semântico por onde demanda social se identifica à demanda empresarial.
Conceitos mal definidos como habilidade e competência começam a fazer parte do
vocabulário acadêmico propondo, na verdade, uma profunda alteração da relação
Educação/Trabalho supostamente a serviço de um ajuste necessário ao mundo
globalizado. Em realidade, há uma verdadeira importação de conceitos e uma
tradução de noções segundo significações estranhas à sua extração original.
Assim sustentado, o modelo atende aos princípios que ancoram a política de
ensino superior, voltada para a representação de interesses traduzidos pelo
enxugamento do Estado, pela expansão ou acesso facilitado etc.
Todo o debate pela "ampliação das
oportunidades educacionais e outros valores democráticos, da década de setenta,
foram substituídos pelas idéias da nova direita, que traz para a educação os
valores e as exigências do mercado" (Dias Sobrinho, 1996, p. 145): o estabelecimento
das instituições privadas, a competição, a produtividade, a excelência, os
interesses do consumidor, enfim, "a cultura da empresa."
Estas mudanças manifestam a presença de duas
lógicas institucionais. Desvaloriza-se a lógica universitária naquilo que ela
não coincide com a lógica empresarial. O problema então diz respeito à
definição do produto da Universidade e do processo de produção, se quisermos
usar uma metáfora economicista. O perigo do quantitativismo (o que se produz,
em quanto tempo e quanto custa) nos conduz a confundir uma organização de
trabalho intensiva como é a universidade a uma organização de capital-intensiva
como tendem a ser as empresas (Santos, 1995, p. 218). A presença da lógica
empresarial pode ser sentida também na criação das fundações nas universidades.
"Como verdadeiras organizações paralelas, essas fundações de direito
privado passaram a usar os recursos humanos, instalações, os laboratórios e os
campos de cultivo para vender serviços e produtos no mercado, como se fossem
empresas privadas" (Cunha, 1998, p. 12). Essas fundações mantém o controle
de departamentos, instalações e não contribuem para a formação. Funcionam com
um modus operandi das empresas defendido por aqueles que desejam
a privatização das instituições públicas.
O cenário atual evidencia,portanto, mudanças
radicais. Estas se manifestam, da preocupação com o ensino à distância à
redefinição do sentido de Universidade; dos problemas ligados à privatização x
globalização, à preocupação com a determinação dos currículos voltados para as
necessidades de formação de mão de obra a ser utilizada pelo mercado. Os
estabelecimentos de ensino são convocados a se converter em empresas. Os
estudantes tornam-se clientes.
Observa-se, no cenário contemporâneo, uma preocupação
com os processos avaliativos referentes à formação em nível superior. Neste
contexto a avaliação tem sido utilizada como referência para classificar as
instituições, como indicador para a concessão de benefícios e como parâmetro
para a manutenção do funcionamento das instituições de ensino superior. Assim,
a implantação de políticas públicas para o ensino superior supõe, como
estratégia fundamental, a instalação de um sistema de avaliação.
Avaliação é necessária e faz parte do processo
formativo. Ela se produz e se efetiva num espaço social de valores. Não é
neutra.
Por ser valorativa todos os questionamentos que ela
suscita não dizem respeito a aspectos técnicos embora assim o pareça, mas se
referem a concepções sobre Sociedade e Educação Superior. Como decorrência, não
há uma concepção única de Avaliação Institucional porque são muitas e
contraditórias as concepções sobre Educação, Sociedade e Universidade ... Os
principais equívocos do sistema de avaliação são principalmente de ordem
política e pedagógica e, sendo pedagógica é também por isso mesmo, política e
ética. (Dias Sobrinho, 1996, p. 185)
Qualquer reflexão sobre Avaliação, no entanto,
supõe uma distinção inicial entre o que é medir e o que é avaliar. Medir é uma
parte de um processo muito mais amplo. Um procedimento isolado não é um
programa formativo e portanto o Exame Nacional de Cursos, um dos procedimentos
do Sistema de Avaliação do Ensino Superior, não o é também. Ele se sustenta em
algumas suposições assentadas numa proposta mecanicista de ensino. Simplifica
os currículos quando os retira da complexidade da prática de ensino/aprendizado
na relação professor-aluno. Estes passam a ser definidos por conteúdos
pretensamente neutros. O que importa é o Resultado. Não há avaliação do
conhecimento.Reduz-se a formação à aquisição de elementos simples, próprios a
serem medidos. Do ponto de vista técnico; estabelece uma relação causal entre o
bom desempenho numa prova e o futuro desempenho profissional. O que pode haver,
unicamente, é a relação estatística. No que se refere à cidadania ativa e
crítica, a tecnificação da formação abafa a consciência de nacionalidade e
contribui para a desintegração da sociedade.
O que se pretende? O que se mede então? Produtos da
Aprendizagem. Quais? Aqueles escolhidos como padrão de qualidade. Atrelado a um
pensamento tecnológico, o discurso sobre avaliação, embora procure se sustentar
a partir de argumentos apoiados na melhoria do ensino, que se revelaria como
melhoria nos "futuros serviços," adere a uma alta rigidez, oposta à
flexibilização anunciada: os fins são fixados (o que é bom e o que é mau);
procura-se desenvolver um aprimoramento dos meios para atingi-los.
Numa sociedade com valores estreitamente expressos
pela modernização como diretamente decorrente de progresso técnico, cabe à
Avaliação medir o desempenho/êxito ou fracasso nos resultados obtidos. Há
flexibilização dos meios, mas com posterior controle ou uma nova regulação dos
resultados por parte do Estado, com todos os riscos de burocratização que isso
acarreta (Dias Sobrinho, 1996).
Supõe-se então que a Educação deva ser definida por
políticas apoiadas num aparato técnico supostamente neutro e acima da política,
e que expresse sua fidedignidade na operação de instrumentos, único critério
para sua credibilidade. Prescinde de um programa com princípios, objetivos e
ações que, de forma articulada e combinando distintos procedimentos, pudesse
vir a contribuir para a melhoria da qualidade do ensino e a transformação da
Educação no país. O modelo proposto sugere uma neutralidade que elimina o
agente da avaliação. Dessa forma, "O avaliador já não será o docente. O
professor perde a imagem integrada de sua profissão para converter-se em um
operário a mais na linha de produção educativa" (Dias Sobrinho, 1996, p.
163).
Neutraliza-se o sujeito da ação. Assim a avaliação
é um instrumento a serviço do reforçamento de valores, atrelados a políticas
encadeadas por grandes organismos internacionais, cujas propostas para a
Educação têm, portanto, na Avaliação uma estratégia privilegiada para a sua
implantação.
Perguntemo-nos: Qual avaliação? Que Universidade?
Para quem? Para qual sociedade? Para que? Que tipo de profissional e para qual
mundo?
Os grandes problemas estão no campo dos valores
políticos e filosóficos. Não dizem respeito a questões formais sobre
organização e gerenciamento das Instituições Educativas.
Assim colocado, reconhecemos no sistema atual a
contradição sobre a qual nos referimos anteriormente, entre o princípio de
igualdade de oportunidades e de mobilidade social através da escola e a
continuação, a consolidação e até o aprofundamento das desigualdades sociais.
Neste cenário e considerando a implementação das
novas diretrizes curriculares para os cursos, estabelece-se um ambiente
propício para que, extrapolando a esfera governamental de avaliação, se defina
ou venha a se construir um outro caminho, numa perspectiva que seja processual,
contínua e que tenha como meta principal a melhoria da qualidade da formação.
Para que este objetivo seja alcançado, torna-se indispensável o aperfeiçoamento
e a construção de indicadores de avaliação que reflitam o processo de formação
dos graduandos e que, ao mesmo tempo, subsidiem o aperfeiçoamento deste
processo formativo. Cumpre desenvolver um modelo de avaliação que tenha o foco
não apenas nos resultados aferidos a partir dos egressos dos cursos mas que
considere, sobretudo, o processo de formação, que supõe apoio noutros
princípios.
Temos clareza que a discussão sobre construção de
modelos requer a atenção sobre a dicotomia Educação-Trabalho. Trabalho e
Mercado estão neste período pós-moderno intrinsecamente envolvidos. Neste cenário,
a questão mais urgente nos remete à complexidade das relações estabelecidas
entre os problemas políticos, éticos, culturais e psicológicos que estão na
base da sustentação de programas em Educação e envolvem o eixo fundamental da
formulação das políticas públicas nessa área. Com base nas conexões
estabelecidas entre esses fatores pode-se pensar nas questões específicas
envolvidas na produção desse novo modelo.
Temos visto neste século que o trabalho assentou-se
sobre a universalização das relações de troca e sobre a sua própria
transformação em força de trabalho. Reconhecemos o abismo entre o que se
descreve como valor de uso e valor de troca. O trabalho ocupa um lugar especial
na vida mental dos indivíduos. Nossa atenção se volta para a compreensão deste
tema no conjunto das reflexões deste trabalho, na medida em que uma análise
sobre as transformações no âmbito do trabalho no mundo atual exibe, por um
lado, as novas exigências que estão sendo feitas aos sujeitos em suas relações
cotidianas e, como conseqüência, evidencia, por outro lado, os efeitos de
subjetivação decorrentes.
Fazendo triunfar a Razão Instrumental o futuro
trabalhador não pode se expressar a não ser sob duas "modalidades:
enquanto indivíduo competitivo ..., ou enquanto pessoa manipulável e sujeita a
trabalho forçado" (Enriquez, 1995, p. 10). Essa estranha articulação
carrega como efeito, a emergência da quantificação/matematização como regulador
social e dessa forma a "economia" inicia seu reinado.
Esse ideário racional ocidental constitui-se na
realidade como o efeito perverso do esforço pela matematização, como se dela
pudesse advir um maior controle sobre o meio, com a conseqüente possibilidade
de um maior grau de certeza nas decisões a se tomar.
Ilusão de controle ou erro dos homens, esse esforço
instala valores que privilegiam a racionalidade dos meios em relação aos fins
pretendidos e que se traduzem pelo cálculo custo x benefício. Dessa forma, os
valores democráticos são aqui rapidamente esfacelados.
Os efeitos dessa equação custo x benefício,
portanto, podem ser aberrantes: ocultando-se a referência social e ética, um
meio técnica e economicamente válido, pode ser moral ou socialmente inaceitável
(Enriquez, 1995, p. 11).
Razão ensandecida e violenta a cultivar o
"progresso econômico," produz um imaginário social de
competitividade, de luta individual para acesso aos bens produzidos, em que o
indivíduo "livre" jamais põe em discussão a lógica do desenvolvimento
capitalista.
Nossa constelação ideológico-cultural de fim de
século exige uma nova luta: o reconhecimento dos lugares em que as tecnologias
dissimulam os senhores perversos aos quais elas servem. Em nome do progresso e
do crescimento social, essas tecnologias referendam valores que se contradizem.
Assim, aquilo que serve aos interesses é incorporado ao discurso e à prática. A
"importação" entre os modelos não respeita fronteiras. Ela define os
"raptos ideológicos" (Patto, 1987, p. 92), que introduzem uma falsa
história no lugar da verdadeira e instalam assim obstáculos ao conhecimento do
campo teórico-prático e ao reconhecimento dos sujeitos nas suas relações
cotidianas. (Fernandes, 1999, p. 46)
Segundo Fernandes (1996) "A luta é contra essa
cultura da violência que surrupia o quanto pode da sensibilidade e imaginação e
nos deixa atrelados à coisa, à posse do benefício, à prevalência do
imediato" (p. 75). Só assim, nesta luta, a Universidade poderá garantir as
mais preciosas funções que pode exercer enquanto diagnóstico social e discussão
sobre a proposição de políticas públicas. Cabe a ela resistir à submissão a um
regime de ajuste a políticas pré-fabricadas.
Devemos operar uma contínua vigilância sobre essas
ações para assegurar a ampliação do político, a capacidade de discriminação
entre as várias formas de poder e uma contínua reflexão centrada na promoção da
criatividade da ação individual e coletiva.
Fernandes,
M. I. A. (2001). Abandonment of the Institutions: the Development of Public
Policies and the University. Psicologia USP, 12 (2), 11-28.
This
paper discuss the on-going proposal to restructure the Brazilian Higher
Education System as a consequence of the modification of the law (LDB) in 1996.
It focuses on three basic issues, as follows: the recent history concerning the
formulation of public policies in the educational area and the implications of
a lack of discrimination between Higher Education and University; the
definition of the guidelines for Higher Education determined by international
organisms which have private interests over the current formation of
professionals; and the identification of the principles that sustain the model
which supports this change, meaning the Curricular General Orientations for the
undergraduate courses and the consolidation of a evaluation system for Higher
Education.
REFERÊNCIAS
Arendt, H. (1973). Da violência. In Crises da
república. São Paulo: Perspectiva.
Bosi, A. (1992). Dialética da colonização.
São Paulo: Companhia das Letras.
Coutinho, C. N. (1989). Representação de
interesses, formulação de políticas e hegemonia. In S. F. Teixeira, Reforma
sanitária - Em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez.
Cunha, L. A. (1998). Ensino superior e universidade
no Brasil. Uma história de crises? In Publicação (n.4/98). s.l.:
NESUB/CEAM.
Dias Sobrinho, J. (1996). Avaliação do ensino
superior. São Paulo.
Enriquez, E. (1995). Prefácio. In E. Davel & T.
Vasconcelos (Orgs.), Recursos humanos e subjetividade. Rio de Janeiro:
Vozes.
Fernandes, M. I. A. (1996). A população diante da
implantação de programas políticos: Efeitos da violência. In L. Camino & P.
R. Menandro, A sociedade na perspectiva da Psicologia: Questões teóricas e
metapsicológicas (Coletâneas da ANPEPP, vol. 1, no. 13, pp. 70-75). Rio de
Janeiro: Associação Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Psicologia.
Fernandes, M. I. A. (1999). Uma nova ordem:
Narcisismo expandido e interioridade confiscada. In M. I. A. Fernandes, I. R.
Scarcelli, & E. S. Costa (Orgs.), Fim de século: Ainda manicômios?
(pp. 39-46). São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Menezes, L. C. (1996). Universidade sitiada.
São Paulo: Ed. Perseu Abramo.
Muranaka, M., & Minto, C. (1998, fevereiro). Da
educação superior. Universidade e Sociedade, São Paulo (15).
Santos, B. S. (1995). Pela mão de Alice. São
Paulo: Cortez.
Sélys, G. (1998, junho). Educação e competência. Le
Monde Diplomatique.
Silva, F. L. (2000, março). Reflexões sobre o
conceito e a função da universidade pública. In Estudos avançados
(Coleção Documentos, no. 17). São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo.
Teixeira Coelho (1998). Jornal da USP, São
Paulo.