Blog História do Ensino Superior Brasileiro, de autoria de Álaze
Gabriel.
Autoria:
Helena
Altmann. Doutoranda em Educação na PUC-Rio. Mestre em Educação pela UFMG, com a
dissertação Rompendo fronteiras de gênero: marias (e) homens na Educação
Física, 1998, éautora, entre outros trabalhos, de “Orientação Sexual nos PCNs”, Revista de Estudos Feministas, 2001, e
“Marias (e) homens nas quadras: sobre a ocupação do espaço físico escolar”, Educação
e Realidade, 1999.
RESUMO
A forte influência exercida pelo Banco
Mundial (BIRD) na política macroeconômica brasileira irradia-se sobre diversos
setores, entre eles, a educação. Dada a forte ascendência dessa instituição no
Brasil, este artigo tem como objetivo analisar as propostas marcadas por tal
influxo no setor educativo.
São inicialmente apresentadas as
características gerais do plano de reforma educativa defendido pelo BIRD e, num
segundo momento, as convergências entre as propostas do BIRD e o projeto
educacional implementado no país pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Para o
mapeamento desse projeto, são adotadas como referências a proposta de governo apresentada
em 1994, informações coletadas na página da internet do Ministério da Educação,
bem como declarações e artigos do ministro Paulo Renato de Souza. A terceira
parte refere-se ao Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB) e às
estratégias educacionais apresentadas pelo ministro em face dos resultados das
provas aplicadas em 1999.
Desse modo, conclui-se que o projeto
educacional brasileiro não pode ser analisado somente a partir dos dados
quantitativos apresentados pelo governo, pois, vistos por si mesmos, eles não
são suficientes para uma análise sobre os efeitos da expansão do ensino. Tal
expansão precisa ser analisada levando-se em conta a variação de seus efeitos
em diferentes contextos.
Com a expansão do ensino, não há uma
eliminação da exclusão, mas a criação de novos mecanismos de hierarquização e
de novas formas de exclusão diluídas ao longo do processo de escolarização e da
vida social.
A forte influência exercida pelo Banco Mundial
na política macroeconômica brasileira irradia-se sobre diversos setores, entre
eles, a educação. Não alheio a isso, o governo Fernando Henrique Cardoso vem
dando continuidade a reformas educacionais, muitas das quais coincidem com
propostas do Banco Mundial (BIRD).
Embora a política de crédito do BIRD à educação
se autodenomine cooperação ou assistência técnica, ela nada mais é do que um
co-financiamento cujo modelo de empréstimo é do tipo convencional, tendo em
vista os pesados encargos que acarreta e também a rigidez das regras e as
precondições financeiras e políticas inerentes ao processo de financiamento
comercial. Assim, os créditos concedidos à educação são parte de projetos
econômicos que integram a dívida externa do país para com as instituições
bilaterais, multilaterais e bancos privados (Fonseca, 1998).
Dada a forte ascendência dessa instituição
no Brasil, o conhecimento de suas propostas e influências no setor educativo
são de fundamental importância. É este, portanto, o objetivo deste artigo. São
inicialmente apresentadas as características gerais da proposta de reforma educativa
defendida pelo BIRD e, num segundo momento, as convergências entre as propostas
do BIRD e o projeto educacional implementado no país pelo governo Fernando
Henrique Cardoso.
Para o mapeamento desse projeto, adoto
como referências a proposta de governo apresentada em 1994, informações
coletadas na página da internet do Ministério da Educação, bem como declarações
e artigos do ministro Paulo Renato de Souza recentemente publicados em jornais.
Na terceira parte, teço algumas considerações sobre o Sistema de Avaliação do
Ensino Básico (SAEB) e as estratégias apresentadas pelo ministro diante dos
resultados divulgados no final do ano passado referente às provas aplicadas em
1999. Finalizo, fazendo algumas considerações sobre até que ponto as medidas
educacionais adotadas pelo governo podem atingir a conclamada qualidade de
ensino, bem como sobre que tipo de inclusão social é propiciado por tal
projeto.
PROPOSTAS
DO BANCO MUNDIAL
A fim de garantir a estabilidade econômica
dos países em desenvolvimento, as questões sociais tornaram-se essenciais para
o Banco Mundial. De acordo com seu presidente, James Wolfensohn, justiça social
é uma questão tão importante quanto crescimento econômico. A curto prazo, você
pode manter a desigualdade. Mas a longo prazo não dá para ter uma sociedade estável.
(...) É necessário criar oportunidades para que as pessoas pobres se
desenvolvam, investindo em educação e em reforma agrária. (1999)
Desde 1990, o BIRD tem declarado que seu
principal objetivo é o ataque à pobreza. Para isso, suas duas principais
recomendações são: uso produtivo do recurso mais abundante dos pobres – o
trabalho – e fornecimento de serviços básicos aos pobres, em especial saúde
elementar, planejamento familiar, nutrição e educação primária. Nesta vi-são, o
BIRD considera o investimento em educação a melhor forma de aumentar os recursos
dos pobres (Corragio, 1996).
No entender de Marília Fonseca (1998), a
educação é tratada pelo Banco como medida compensatória para proteger os pobres
e aliviar as possíveis tensões no setor social. Além disso, ela é tida como uma
me-dida importante para a contenção demográfica e para o aumento da produtividade
das populações mais carentes. Daí depreende-se a ênfase na educação primária, que
prepara a população, principalmente feminina, para o planejamento familiar e a
vida produtiva.
1. Devo alertar que este artigo não tem
pretensão de abordar o projeto educacional brasileiro na sua plenitude, pois
nem todas suas instâncias de intervenção puderam ser aqui analisadas.
2. Cabe lembrar que, no Brasil, o
aumento do número de gravidez entre adolescentes e de casos de AIDS justificam
a inserção do tema transversal orientação sexual nos Parâmetros Curriculares
Nacionais.
De acordo com Rosa María Torres (1996),
o BIRD apresenta uma proposta articulada para melhorar o acesso, a eqüidade e a
qualidade dos sistemas escolares. Embora reconheça que cada país tem sua
especificidade, trata-se, de fato, de um único “pacote” de re-formas proposto
aos países em desenvolvimento. Boa parte das conclusões e recomendações contidas
no documento de 1995 já estava presente no estudo regional realizado pelo BIRD,
em 1985, em 39 países da África subsaariana.
Segundo a autora, as políticas e
estratégias recomendadas com base nesse estudo estão em boa medida reforçando a
má qualidade e a desigualdade no sistema escolar. O pacote de reformas
educativas proposto pelo BIRD contém os seguintes elementos (Torres, 1996):
a) Prioridade depositada sobre a educação
básica.
b) Melhoria da qualidade (e da eficácia)
da educação como eixo da reforma educativa. A qualidade localiza-se nos resultados
e esses se verificam no rendimento escolar. Os fatores determinantes de um
aprendizado efetivo são, em ordem de prioridade: bibliotecas, tempo de
instrução, tarefas de casa, livros didáticos, conhecimentos e experiência do
professor, laboratórios, salário do professor, tamanho da classe. Levando-se em
conta os custos e benefícios desses investimentos, o BIRD recomenda investir
prioritariamente no aumento do tempo de instrução, na oferta de livros
didáticos (os quais são vistos como a expressão operativa do currículo e cuja
produção e distribuição deve ser deixada ao setor privado) e no melhoramento do
conhecimento dos professores (privilegiando a formação em serviço em detrimento
da formação inicial).
c) Prioridade sobre os aspectos financeiros
e administrativos da reforma educativa, dentre os quais assume grande
importância a descentralização.
d) Descentralização e instituições escolares
autônomas e responsáveis por seus resultados. Os governos devem manter
centralizadas apenas quatro funções: (1) fixar padrões; (2) facilitar os
insumos que influenciam o rendimento escolar; (3) adotar estratégias flexíveis
para a aquisição e uso de tais insumos; e (4) monitorar o desempenho escolar.
e) Convocação para uma maior
participação dos pais e da comunidade nos assuntos escolares.
f) Impulso para o setor privado e
organismos não-governamentais como agentes ativos no terreno educativo, tanto
nas decisões como na implementação.
g) Mobilização e alocação eficaz de
recursos adicionais para a educação como temas principais do diálogo e da
negociação com os governos.
h) Um enfoque setorial.
i) Definição de políticas e estratégias
baseadas na análise econômica. Esse mesmo relatório de 1995 do BIRD – Prioridades
e estratégias para educação – foi analisado pelo ex-consultor do Banco, Jon
Lauglo (1997). Segundo ele, o BIRD recomenda a organização da educação a partir
de um tipo de planejamento de currículo que especifique os objetivos da
aprendizagem em termos observáveis. O relatório dá ênfase ao estabelecimento de
padrões de rendimento e à necessidade de se dar atenção aos resultados da
educação. Deve haver mais privatização, mais gerenciamento por objetivos e uso
de indicadores de desempenho e mais controle pelos usuários. As análises das
taxas de retorno têm sido o principal critério para decidir quais opções de
investimento são de maior benefício para a sociedade.
O presidente do Banco Mundial declarou: “O
que aprecio na estratégia de FHC é que ele e o ministro Paulo Renato estão
dando ênfase à educação” (Wolfensohn, 1999). Esta satisfação é absolutamente
compreensível, nem tanto por esta suposta “ênfase” dada pelo atual governo à
educação, mas principalmente pela maneira como a
3.
O SAEB é um meio de fornecer taxas de retorno. Esse sistema de avaliação
será abordado na terceira parte deste artigo. Contrapondo as indicações do BIRD
com as estratégias educacionais brasileiras, percebemos o quanto o ministro Paulo
Renato de Souza – que já foi consultor do Banco – acata as recomendações do BIRD.
A seguir, aponto algumas dessas convergências.
CONVERGÊNCIAS
ENTRE PROPOSTAS DO BIRD E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Uma perspectiva de descentralização pode
ser identificada na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A nova
LDB opera mudanças significativas em relação às leis anteriores. De acordo com
Carlos J. Cury (1996), há uma mudança na concepção da lei, havendo uma
flexibilização em termos de planejamento e uma centralização da avaliação. O controle
não é mais exercido na base – através de um currículo mínimo, estabelecimento de
carga horária específica, etc. –, mas na saída, mediante a avaliação.
O artigo 9º da LDB afirma que a União deve
se incumbir de: IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o
ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar formação básica comum; VI – assegurar processo
nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e
superior, em colaboração com os sistemas de ensino objetivando a definição de
prioridades e a melhoria da qualidade do ensino. (BRASIL, 1998 )
Nesse sentido, o governo federal elaborou
os Parâmetros Curriculares Nacionais, que têm por objetivo estabelecer uma
referência curricular nacional. Segundo o Ministério da Educação, eles são uma
referência nacional para o ensino básico, pois estabelecem uma meta educacional
para a qual devem convergir as ações políticas. No entanto, também é enfatizado
o caráter flexível de tal proposta, a qual permite um diálogo com as escolas no
que se refere à elaboração de seu projeto pedagógico.
Estabelecidas as metas e os padrões de rendimento,
urge implementar sistemas de avaliação que devem monitorar o alcance das mesmas.
Assim, diversos sistemas de avaliação, nacionais e internacionais, foram
implementados na década de 1990, como o SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica –, o ENEM – Exame Nacional de Ensino Médio –, o Exame Nacional
de Cursos (Provão), a Avaliação dos Cursos Superiores. O Laboratório
Latino-Americano de Avaliação da Qualidade de
Educação e o Programa Internacional de
Avaliação dos Estudantes (PISA) são exemplos de projetos internacionais de
avaliação. Além disso, o Censo Educacional, realizado anualmente pelo
Ministério da Educação, em parceria com as secretarias de educação dos estados
e do Distrito Federal, tem por objetivo a produção de dados e informações estatístico-educacionais
para subsidiar o planejamento e a gestão da educação brasileira pelas esferas governamentais.
O Censo Educacional abrange todos os níveis e modalidades de ensino, subdividindo-se
em três pesquisas distintas, representadas pelos Censo Escolar, Censo da
Educação Superior e Censo sobre o Financiamento da Educação.
A proposta de governo apresentada por Fernando
Henrique Cardoso na sua primeira candidatura à Presidência da República, em 1994,
já apontava para as novas perspectivas educacionais a serem adotadas no país.
Segundo ele, os maiores obstáculos da escola elementar brasileira eram as taxas
de repetência do sistema e o brutal desperdício financeiro e de esforços a ela
vinculados. As medidas propostas para a educação incluíam, entre outras: a
redução das taxas de responsabilidade do Ministério da Educação como instância
executora; o estabelecimento de conteúdos curriculares básicos e padrões de
aprendizagem; a implementação de um sistema nacional de ava-liação do
desempenho das escolas e dos siste-mas educacionais para acompanhar a
consecu-ção das metas de melhoria da qualidade de en-sino (Cardoso, 1994).
O Programa Nacional do Livro Didáti-co é
citado pelo governo como exemplo de in-vestimento que visa a melhoria da
qualidade de ensino. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) fica responsável
pela avaliação dos li-vros, cabendo aos professores a escolha dos mesmos.
No entanto, essa medida fica restrita a
livros didáticos, não sendo enfrentado o problema da falta de acesso a livros
em geral. No lugar de investimento em bibliotecas, o gover-no tem priorizado a
instalação de microcom-putadores nas escolas. O governo brasileiro também
tem-se empenhado em convocar os pais e a comuni-dade para uma maior participação
nos assun-tos escolares, como demonstra o projeto Ami-gos da escolae o Dia da
família na escola(24 de abril). Por meio de uma ampla campanha na mídia, o
projeto Amigos da escolaconvoca a sociedade civil a prestar serviços
voluntários às escolas. A participação da comunidade na es-cola pode trazer
inúmeras contribuições, no entanto, a transferência para ela de
responsa-bilidades do Estado mostra o quanto este tem-se eximido de suas
responsabilidades sociais.
Em referência ao Dia da família na es-cola,
no Dia das Mães, o ministro Paulo Renato escreveu uma carta às mães dos
estudantes brasileiros na qual divulga os dados sobre a ex-pansão do ensino
fundamental: na faixa dos 7 aos 14 anos, afirma que a porcentagem de cri-anças
nas escolas subiu de 87% para 96% em sete anos. Segundo ele, em 1992 tínhamos apenas
71% das crianças pobres na escola, contra 97% das crianças ricas. Sete anos
de-pois tínhamos 93% das crianças pobres na escola, contra 99% das crianças
ricas. Aprovei -tou ainda para convocar “suas amigas” – ter-mo por ele
utilizado para referir-se às mães – para colaborarem no outro grande desafio: a
melhoria da qualidade do ensino. Sustentado novamente em números, afirmou que a
participação da família se traduz imediatamente em melhor desempenho dos alunos
(Souza, 2001a).
Outro problema enfrentado pelo país é a
alfabetização de adultos. O Índice de Desen-volvimento Humano (IDH) elaborado
pela Orga-nização das Nações Unidas (ONU), que mede a qualidade de vida das
pessoas de 174 países no mundo, mostra problemas na alfabetização de adultos.
De 1997 a 1998 o índice de alfabeti-zação de adultos subiu de 84 para 84,5%
(Rossi, 2000). Segundo dados do IBGE (Instituto Bra-sileiro de Geografia e
Estatística), 13,3% dos brasileiros são analfabetos. O Nordeste tem o maior
índice, onde 26,6% da população não lê nem escreve. Em face destas
dificuldades, o governo declarou aumentar o investimento no programa de
Alfabetização de Jovens e Adultos em 2001. O Orçamento previu um investimen-to
de R$ 300 milhões no programa, enquanto que, até 2000, o Orçamento previa cerca
de R$ 30 milhões para a área de educação de jovens e adultos. O programa foi
previsto para atingir prioritariamente as regiões Norte e Nordeste (Paraguassu,
2001, p. C3).
SISTEMAS
DE AVALIAÇÃO BALIZANDO A MELHORIA DA QUALIDADE DE ENSINO
Na segunda metade dos anos 1990, a avaliação
dos sistemas escolares de educação fundamental e média tornou-se um dos eixos centrais
da política educacional. Duas referên-cias básicas inspiraram a implementação
de sis-temas de avaliação, quais sejam, a proposta para a ação do governo,
elaborada pelo Institu-6. Disponível em
www.fnde.gov.br/programas/pnld.htm, acesso em 15.06.01.
A nova LDB, como mostra Cury (1998), estrutura-se
em torno da flexibilidade e da avaliação. Assim, os sistemas de avaliação da educação
passam a estar associados aos pro-cessos de descentralização e melhoria da
qua-lidade de ensino. Ao tornarem-se componen-tes políticos centrais, os
sistemas de avaliação transformam-se numa atividade profissional sistemática e
de longo alcance, legalmente chancelada e centralmente assumida e institucionalizada,
que passa a contar com órgãos profissionais e orçamentos próprios (Bonamino,
2000).
Implementado no Brasil em 1990, o SAEB tem
o objetivo de gerar e organizar informações sobre a qualidade de ensino,
possibi-litando o monitoramento das políticas públicas e a melhoria da
qualidade de ensino no país. Ele visa a monitorar a eqüidade e a eficiência dos
sistemas escolares. As provas são realizadas de dois em dois anos com alunos das
4as e 8as séries do ensino fundamental e da 3ª série do
ensino médio. A base desse siste-ma de avaliação é amostral e também são
apli-cados questionários contextuais com diretores, professores e alunos. Até
1997, foram realiza-das provas de Português, Matemática e Ciên-cias e, em 1999,
além destas, História e Geo-grafia.
Ao analisar o processo de
institucio-nalização do Saeb no Brasil, Creso Franco e Alicia Bonamino (1999)
mostram mudanças signi-ficativas na organização e concepção da avalia-ção ao
longo dos anos. Inicialmente a realização das avaliações era feita de maneira
mais descen-tralizada e com a participação relativamente in-tensa das
secretarias estaduais de educação. To-davia, este era um ponto de divergência
entre o MEC e o BIRD, motivo pelo qual as provas de 1990 e 1993 não receberam
financiamento do Banco. A partir de 1995, o sistema tornou-se mais centralizado
e baseado na terceirização de uma série de atribuições operacionais. Desde
en-tão, o BIRD financia o Saeb.
Assim, interessa ao BIRD financiar o SAEB,
pois ele é uma forma de obter taxas de retorno e estabelecer critérios de
investimen-tos. É importante, portanto, compreender os critérios que irão
determinar os conteúdos aserem avaliados, uma vez que a escolha sobre o que
avaliar tem repercussões sobre os currí-culos e o cotidiano escolar.
Segundo o BIRD, a ênfase deve ser dada
às habilidades cognitivas: linguagem, ciências, matemática e, adicionalmente,
habi-lidades na área de comunicação (Lauglo, 1997). Também o Saeb prioriza
língua portu-guesa, matemática e ciências. Nessa seleção, diversos outros
conhecimentos são deixados de lado.
O BIRD defende explicitamente a
vin-culação entre educação e produtividade, a par-tir de uma visão
economicista. Segundo a Co-missão Econômica para a América Latina e Caribe –
CEPAL –, para que os países da Amé-rica Latina se tornem competitivos no
merca-do internacional, é necessário que disponham de talentos para difundir o
progresso técnico e incorporá-lo ao sistema produtivo. É impres-cindível a
aprendizagem mediante a prática, o uso de sistemas complexos e a interação
entre produtores e consumidores (Miranda, 1997).
Assim, o conhecimento a ser ensinado nas
esco-las é definido a partir de sua operacionalidade.Os resultados obtidos no
Saeb em 1999 foram piores do que em 1997, contradi-zendo as declarações do
ministro Paulo Rena-to, em 1997, de que em 1999 os resultados seriam melhores
graças ao Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério).
Uma das explicações dadas pelo ministro
da Educação para esta queda nos resultados foi o aumento do número de alunos na
escola, prin-cipalmente alunos pobres, que teriam “puxado os números para
baixo”. Todavia, como se ex-plica então o fato de também em escolas particulares
os resultados terem sido piores? As seguintes soluções foram apresentadas na
época pelo ministro da Educação: investimento em projetos de treinamento de
professores para alfabetização, ampliação do Proinf (Informática nas escolas) e
duplicação do projeto Parâme-tros em Ação – que treina pessoas para ajudar os
professores a implementar os Parâmetros Curriculares Nacional nas escolas (Gois,
2000).
As soluções apontadas pelo ministro também
podem ser relacionadas com recomendações do BIRD. Paulo Renato fala em criar cursos
de treinamento, mas não se refere aos cursos de formação de professores.
Segundo o BIRD, a prioridade deve ser o ensino básico (Torres, 1996). Ensino
médio, profissionali-zante, treinamento em serviço e ensino superior devem ser
privatizados. O documento as-sume que as habilidades para ensinar são mais bem
desenvolvidas no contexto do próprio tra-balho, favorecendo um modelo prático
para aaquisição dessas habilidades. O uso da palavra habilidadeé ilustrativo
sobre a forma como é compreendido o trabalho docente. A formação docente
torna-se eminentemente prática, fi-cando restrita à aquisição de habilidades. A
proposta do ministro de criar cursos de treina-mento para professores é
condizente com tal perspectiva de educação, como se o professor fosse um simples
aplicador de técnicas pedagógicas que podem ser facilmente aprendidas em algum
curso ou, até mesmo, na televisão,através do TV Escola – também criado
recen-temente pelo Ministério da Educação.
A
CRIAÇÃO E ÊNFASE NO PROJETO
Parâmetros em Ação também precisa ser
ques-tionada. Esse projeto foi instituído com a finalidade de intensificar a
utilização, por par-te dos docentes, dos PCNs. O governo deixa de problematizar
os motivos que levam os docentes à não-utilização dos PCNs na escola. A
for-mulação dessa reforma curricular encabeçada pelos PCNs não teve
participação dos profes-sores, tampouco das escolas. Eles foram con-vocados
apenas para sua execução. Há de se avaliar ainda as condições e os recursos
para implementação dessa proposta nas escolas, de modo que se fosse além da
apresentação de uma proposta pedagógica.
Esse processo é mais um exemplo de uma
tradição dicotômica das políticas que, como afirma Rosa María Torres (1998),
levou a ver a reforma educativa, e até a inovação educativa, como um eterno
optar entre pa-res, o que dificulta a compreensão integral e sistêmica dos
problemas e da mudança educativa. Segundo ela, é um erro ver a participação dos
educadores só do ponto de vis-ta da execução. Com isso, os problemas ali encontrados
são vistos como problemas deexecução e não de formulação política: A qualidade
e a validez de um plano de reforma educativa não se enraízam (...) no nível
cientifico e na coerência técnica do documento, mas em suas condições de receptividade
e viabilidade social, em con-textos e momentos concretos. (Torres, 1998, p.
182)
Treinamento de professores, proces-sos
de avaliação, etc. vieram à tona na re-cente divulgação sobre um sistema de
parce-ria educacional entre o Brasil e os Estados Unidos. Cinco áreas compõem o
sistema de cooperação entre esses países: investimentos em treinamento de
profes-sores, no estabelecimento de padrões edu-cacionais e na melhoria dos
processos de avaliação, em novas tecnologias, na ampli-ação do conhecimento dos
alunos sobre o mundo através da expansão do intercâm-bio educacional e no
envolvimento da co-munidade. (Souza e Rilley, 2001)
Note-se que o governo fala em
trei-namento de professores, sem se referir a suaformação inicial, o que
demonstra o desca-so do atual governo com o ensino superior. Segundo as
recomendações do Banco Mun-dial, a responsabilidade por esse nível de ensino
deve ser deixada para a iniciativa privada.
Cabe lembrar que está sendo analisado
pela Comissão de Educação da Câmara dos Depu-tados um projeto de lei que cria
uma taxa a ser paga pelos estudantes que estudam em univer-sidades públicas.
Alunos recém-formados nes-sas universidades seriam obrigados a prestar serviço
público por seis meses, recebendo sa-lário mínimo. Quem não quisesse prestar o
ser-viço seria obrigado a pagar 30 salários mínimos (R$ 4.530,00). Para o
ministro Paulo Renato, conforme o noticiado em reportagem da Folha de S. Paulo,
a gratuidade do ensino superior é um assunto a ser discutido pela sociedade civil
(Cruz, 2001). Ao lado dessa matéria, o jor-nal publicou uma nota divulgando que
o Fundo Monetário Internacional (FMI) sugeriu, em relatório sobre políticas
sociais do governo, que as universidades públicas brasileiras se tornem pagas.
Segundo o FMI, a verba obtida pode-ria ser usada nos ensinos fundamental e
mé-dio.
EDUCAÇÃO
PARA A INCLUSÃO SOCIAL?
O Ministro Paulo Renato tem declara-do
que o Brasil está praticamente chegando ao índice de 100% de crianças na escola
(Souza, 2001ª). Para isso, foi implementado o Progra-ma Bolsa-Escola, o qual
concede apoio finan-ceiro a famílias carentes – cuja renda per capita não seja
superior a R$ 90,00 – para a perma-nência das crianças no ensino fundamental. A
família receberá quinze reais por mês por filho, com idade entre 6 e 15 anos,
matriculado e freqüentando o ensino fundamental regular, podendo ser atendidas
até três crianças de uma mesma família. Desse modo, o programa visa “a
plenitude da política do Estado de al-cançar a universalização do ensino com
qua-lidade, como também a ampliação do horizon-te econômico, cultural e social
da população situada abaixo da linha da pobreza”.
Será que quinze reais mensais são
suficientes para, como declarou o presidente Fernando Henrique Car-doso em rede
nacional, garantir a todos con-dições iguais de acesso a uma educação de qualidade?
Afirmou ainda o ministro Paulo Rena-to: “O outro grande desafio, agora que
prati-camente todas as crianças estudam, é melho-rar a qualidade do nosso
ensino” (Souza, 2001ª). Como será garantida a qualidade do ensino?
Este artigo ponderou diversas medidas adotadas
nesse sentido, finalizo-o, portanto, questionando a viabilidade dos objetivos
alme-jados com esse tipo de intervenção, bem como seus possíveis efeitos. Em
primeiro lugar, os dados quantita-tivos apresentados pelo governo, vistos por
si mesmos, não são suficientes para uma análise sobre os efeitos dessa
expansão. Ainda que a expansão garanta o ingresso de um maior número de pessoas
em instituições de ensino, as condições de acesso e permanência nas mes-mas são
diferentes. O fato de pessoas que anteriormente não tinham acesso ao ensino
bá-sico passarem a tê-lo não significa que todos estejam tendo condições iguais
de acesso a uma educação de qualidade. A expansão do ensino no Brasil precisa
ser analisada em rela-ção a diversos fatores, e levando-se em conta a variação
de seus efeitos em contextos dife-renciados. Além disso, a melhoria da
qualidade é medida por resultados, por números. Assim, intervenções são feitas
no sentido de aprimorar os resultados e os índices de rendimento escolar.
Todavia, há de se questionar até que ponto qualidade educativa pode ser medida por
índices de desempenho.
O ensino em sala de aula e todo o
aprendizado dentro de uma es-cola vão além do que esses indicadores são
ca-pazes de medir por meio do rendimento dos alunos. No modelo de educação adotado,
a e scola é assemelhada à empresa. Os fatores do processo educativo, segundo
José Luís Corragio (1996), são vistos como insumos e a eficiên-cia e as taxas
de retorno como critérios fun-damentais de decisão. A análise econômica tornou-se
a principal metodologia para a de-finição de políticas educativas. Rosa Torres
(1996) também destaca que a educação passou a ser analisada com critérios
próprios do mercado, e a escola é comparada a uma empresa. As propostas do BIRD
para a educação são feitas, de acordo com a autora, basicamente por
economistas, dentro da lógica e da análise econômica. A relação custo-benefício
e a taxa de retorno cons-tituem as categorias centrais, com base nas quais se
define a tarefa educativa, as priorida-des de investimento, os rendimentos e a
pró-pria qualidade.
O ensino resume-se a um conjunto de
insumos (inputs) que intervêm na caixa preta da sala de aula – o professor
sendo mais um insumo – e a aprendizagem é vista como o resultado previsível da
presença (e eventual combinação) desses insumos. (Torres, 1996 p. 140)
Esse tipo de análise deixa transparecer,
segundo ela, uma compreensão e um conhecimento insuficiente do ato educativo. Acredita-se
ainda, como afirmou o pre-sidente do BIRD, James Wolfensohn (1999), que esse
tipo de investimento e de perspectiva edu-cacional vá criar oportunidades para
que as pes-soas pobres se desenvolvam, de modo que se alcance justiça social e
estabilidade econômica. Em outras palavras, como afirmou nosso ministro da Educação,
é no campo da educação que está se decidin-do a sorte do próprio país e o seu
papel no mundo. As diferenças de renda no Brasil (...) estão diretamente associadas
às diferenças deescolaridade, e estas refletem e perpetuam as nossas seculares
desigualdades raciais. (Souza e Riley, 2001)
O grande desafio está, portanto, na
preparação das crianças e jovens para as transformações que virão no século
XXI. Rá-pidos avanços tecnológicos, uma economia global interdependente e uma
contínua mu-dança social marcarão suas vidas. Deve-se oferecer às crianças e
jovens uma educação que lhes permita exercer as profissões do futuro e
aproveitar os benefícios de viver em uma sociedade democrática. (Souza e Riley,
2001)
Todo esse otimismo em relação aos efeitos
da educação é problematizável. A prioridade é dada à educação básica, cabendo
ao setor privado outros investimentos, como no ensino superior. Acreditar que a
oferta de umensino básico garantirá, a todos, oportunida-des iguais no mercado
de trabalho e na vida social é uma grande ilusão. Com esse tipo de investimento,
há uma segmentação da popu-lação entre aqueles que só dispõem dos servi-ços
básicos e os que obtêm serviços mais amplos.
Com isso, afirma José Corragio (1996), há
uma redistribuição dos serviços públicos dos setores médios para os pobres,
acompanhados de uma redução da qualidade e da complexidade. As diferenças entre
escolas se ocultam sob a aparência de um mesmo certificado de aprovação.
Segundo o autor é uma falácia o fato de que a educação básica vá garantir acesso
ao mercado de trabalho. Seria necessá-rio, outrossim, um desenvolvimento que
garantisse crescimento das demandas por trabalho, o que exigiria investimentos
em outros níveis de educação, em outros setores econômicos, assim como em
outras instituições além do mercado.
Essa questão remete-me a uma pesquisa desenvolvida
por Pierre Bourdieu e Patrick Champagne(1998) sobre a crise da instituição escolar
na França após as transformações do ensino nos anos 1950, quando categorias até
então excluídas passaram a ter acesso à escola.
Essa “democratização” do ensino produziu
no-vas formas de exclusão. O processo de eliminação foi adiado e diluído no
tempo, e a institui-ção escolar passou a ser habitada por excluídos potenciais,
enfrentando, assim, as contradições e os conflitos associados a uma
escolaridadesem outra finalidade que ela mesma. Os auto-res destacam a
importância de se mostrar como, apesar das mudanças no ensino, manteve-se uma
estrutura de distribuição desigual dos pro-veitos escolares e de seus
benefícios correlativos.
Percebeu-se que não era suficiente ter
acesso ao ensino secundário para ter sucesso nele e que não era suficiente ter
sucesso nele para ter aces-so a certas posições sociais. A escola, para
Jean-Claude Passeron (1991), já não tem mais “a bela simplicidade da oposição
entre êxito e exclusão”. Passeron mos-tra que, quando pessoas anteriormente
excluí-das passam a ter acesso à escola, há uma simultânea transformação da
própria estrutura esco-lar e de todo o sistema das relações entrecertificação
escolar e estrutura de classes, de modo que os efeitos da primeira
transformação tendem a ser minimizados. Para ele, há de se pensar no efeito
pelo qual a origem social faz sentir sua influência ao longo de toda a carreira
profis-sional dos indivíduos, determinando sobre o mercado de emprego (e sem
dúvida sobre ou-tros) um destino diferente para diplomas equivalentes. (p. 82)
Um mesmo diploma traz sempre maio-res
vantagens a favor do diplomado originário das classes superiores. Em outras
palavras, o capital social não se converte integralmente em capital escolar,
mas proporciona a este um rendimento diferente, dependendo da combinação entre
eles. O autor finaliza sua análise levantando a hipótese de que, com a democratização
do ensino, haveria uma revalorização do capital sociale simultânea desvalorização
do capital escolar, em outras palavras, um declínio do papel da escola na mobilidade
ascendente por causa da expan-são escolar.
Assim, no que se refere à escola, além
do acesso, há que se mudar as estraté-gias de ação pedagógica, enfrentando os
me-canismos, internos à escola, de seletividade e exclusão. Essa questão, no
entanto, não tem sido problematizada pelo Ministério da Educação.
Parece-me que a “democratização” do
ensino no Brasil também está produzin-do seus excluídos do interior. Não apenas
ex-cluídos do interior da escola, mas também excluídos do interior da vida
social. O aces-so à educação básica talvez consiga desen-volver capacidades
básicas para satisfazer ademanda do mercado por trabalhadores fle-xíveis que
possam facilmente adquirir novas habilidades. Isso talvez os inclua em
deter-minados setores do mercado de trabalho, de modo a garantir um maior
controle e esta-bilidade social. No entanto, parece que não estamos indo além
de incluir novos excluídos no interior da vida social.
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