Blog HISTÓRIA
DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
Marcela
Alejandra Pronko. Professora do Departamento
de Educação da Universidade Nacional de Luján (Argentina) e doutoranda do
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal
Fluminense.
RESUMO:
Este
trabalho pretende analisar, de uma perspectiva histórica, as propostas de
criação da Universidade do Trabalho desenvolvidas no Brasil durante as décadas
de 1930 a 1950, com especial atenção às elaboradas por Otner Boyse e Humberto
Grande neste periodo. Partindo da análise da problemática político-educacional
da época, sobretudo da que se refere ao ensino técnico profissional e de nível
superior, tenta identificar os determinantes de sua não-materialização, com
vistas a construir uma explicação para isso.
Palavras-chave:
Universidade, trabalho, ensino técnico-profissional, ensino superior, Brasil
AS PROPOSTAS DE CRIAÇÃO DE UNIVERSIDADES DO
TRABALHO NO MUNDO
A
instituição universitária tem sido, desde seu surgimento, espaço permanente de
disputa social e objeto recorrente de redefinições. Desde seu nascimento
medieval, como corporação de estudantes ou professores, até as discussões
atuais em relação às funções sociais que deve cumprir neste final de século e
de milênio (universidade como empresa vs. universidade como agência social de
incertezas),1
a universidade constituiu-se em centro de importantes debates políticos, cujo
objetivo era delinear um perfil institucional em concordância com as sempre
novas necessidades que colocava o processo histórico-social em curso.
Esse
debate a respeito das finalidades e características que a instituição
universitária deveria assumir se fez presente mais uma vez na primeira metade
deste século, quando foi possível observar, em nível internacional, o
surgimento de propostas educativas que objetivavam ostensivamente dirigir os
estudos de nível médio e superior às necessidades específicas de formação
técnico-profissional surgidas no âmbito do trabalho, por meio de instituições
ditas universitárias. Essas instituições estavam destinadas aos novos grupos
sociais que surgiram com o avanço do processo de industrialização e que não
tinham espaço nos sistemas educativos tradicionais. Assim, com maior ou menor
êxito, foram projetados universidades de novo tipo em diversos países:
Université du travail (1902, Bélgica), Universidade do Trabalho (1934-1954,
Brasil), Universidad del Trabajo (1942, Uruguai), Universidad Obrera Nacional
(1948, Argentina), Universidad Laboral (1952, Espanha). Iniciativas
semelhantes podem ser encontradas também no Chile, na Colômbia e na Venezuela.
As décadas de 1940 e 1950 parecem ter sido particularmente frutíferas para a
elaboração desse tipo de propostas.
Elas
supunham não só uma reorientação curricular (passagem dos estudos humanísticos
aos técnico-tecnológicos) e em termos de destinatários da universidade
existente (da formação da elite dirigente à incorporação dos trabalhadores),
mas também a definição de um novo modelo de universidade com características
específicas, no contexto do estabelecimento de uma "nova sociedade"
surgida como reação à queda do liberalismo, que se aprofundou na década de 1930
(Hobsbawm 1995) e que, na América Latina, estendeu-se até meados dos anos 50
(Halperin Donghi 1986).
Foi
justamente na América Latina que surgiram neste período, em diferentes países e
sob distintos regimes políticos, propostas institucionais do tipo das
mencionadas. No Brasil, durante a era Vargas, ainda que nunca chegassem a
institucionalizar-se, existiram ¾ entre 1930 e 1955 ¾ seis propostas distintas
de criação de Universidades do Trabalho. Em 1942, o Uruguai, sob um regime de
democracia liberal (1938-1943), criou a sua, e seis anos depois o governo
peronista criaria na Argentina a chamada Universidad Obrera.
Como
foi dito, tais instituições e propostas constituíram um sério questionamento ao
ensino superior (liberal-humanista?) existente, e ofereceram-se como
alternativas a ele. Do mesmo modo, propunham-se como resposta política aos
problemas sociais que o desenvolvimento da industrialização e o crescimento do
operariado urbano colocaram. Se, por um lado, tratava-se de uma estratégia de
integração dos setores sociais emergentes, por outro, respondiam às legítimas
demandas de institucionalização de agências de formação de mão-de-obra,
provenientes tanto do setor empresarial quanto do próprio operariado (Pineau
1991, Medeiros 1987).
Em
todos os casos, o aparecimento desse tipo de propostas gerou amplos debates nos
quais um dos eixos principais foi o da pertinência do nome adotado. É que já na
sua própria denominação elas buscavam articular conceitos que, então (e até
hoje), pareciam irreconciliáveis: UNIVERSIDADE (instituição de ensino superior,
tradicionalmente reservada à formação da intelligentsia) e TRABALHO
(domínio exclusivo da destreza manual/atividade produtiva desenvolvida pelos
setores subalternos da sociedade). A polêmica suscitada não faz mais do que
colocar em evidência a conflitividade da definição do que é (em termos de
funções sociais) uma universidade, como instituição socioeducativa específica.
Mas,
de todos os países mencionados, só o Brasil não instalou uma instituição como a
descrita. Por isso, a consideração mais detalhada deste caso, que acrescenta a
perspectiva do fracasso material da proposta, pode nos ajudar a entendê-la num
contexto mais amplo.
AS PROPOSTAS DE CRIAÇÃO DE UNIVERSIDADES DO
TRABALHO NO BRASIL
As
propostas de criação de Universidades do Trabalho estiveram presentes na
história da educação brasileira durante todo este século. Desde 1922 até os
dias atuais, com maior ou menor grau de definição, podem-se contar ao todo dez
iniciativas dessa natureza. No entanto, foi durante as décadas de 1940 e 1950
que elas alcançaram seu maior desenvolvimento.
O
processo global de ampliação das relações capitalistas no Brasil, que começou a
acelerar-se na década de 1920, introduziu na sociedade brasileira múltiplas e
novas questões a resolver. Por um lado, o impulso à industrialização, a
incorporação de novos setores populacionais ao trabalho industrial e, como
conseqüência, o crescimento das cidades e a aparição de novos atores sociais no
cenário político agudizaram a "questão social" que já não podia ser
tratada como uma "questão de polícia". Um dos problemas fundamentais
que se colocava então era como integrar esses novos setores não apenas ao
sistema produtivo como também ao sistema político (Weffort 1980). Por outro
lado, com a expansão industrial, criaram-se novas necessidades para a
indústria, tanto do ponto de vista da organização do trabalho, como da
capacitação dos trabalhadores.
Essas
questões foram retomadas e assumidas pelo Estado antiliberal, marcadamente
intervencionista, que se implantou no Brasil a partir da chamada Revolução de
30. Como esse Estado era, basicamente, um Estado de Compromisso (Fausto 1994),
surgiram, em seu interior e a partir dos diferentes setores, diversas
iniciativas orientadas ao encaminhamento de tais questões. Porém, nem todas
obtiveram sucesso, dependendo da correlação de forças e da capacidade de
negociação de cada uma em cada momento.
Uma
dessas iniciativas foi o projeto de criação de uma Universidade do Trabalho
que, no contexto enunciado, propunha-se a contribuir para a obtenção da
harmonia social, propiciar a racionalização do processo produtivo e formar a
mão-de-obra necessária ao crescimento industrial. Assim, essas propostas se
colocaram no ponto de interseção de áreas educativas então em conflito: a da
definição de um modelo de educação superior e a da definição de um modelo de
formação técnico-profissional.
Efetivamente,
as décadas de 1930 e 1940, no Brasil, assinalaram o momento de instalação, no
debate político educacional, de uma nova problemática, fruto da articulação de
duas esferas de atividade até então distanciadas: educação e trabalho. Ambas as
áreas se constituíram, naquele momento, em objeto privilegiado da ação política
desenvolvida pelo Estado. Assim, o seu próprio reordenamento, a regulamentação
das relações de trabalho e a definição de um sistema educativo nacional
constituíram respostas de peso à necessidade, que se colocava então, de
ampliação das relações capitalistas neste país (Franco e Simon 1987).
De fato, foi durante os anos 40 que se definiram
e se consolidaram diferentes propostas institucionais para o ensino
técnico-profissional. Em 1942, e somente com alguns dias de diferença, foi
criado o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial)2
e sancionada a Lei Orgânica de Ensino Industrial,3
que materializaram dois dos modelos em disputa pela definição da área. Ambos
coexistiram, no decorrer dessa década e da seguinte, sofrendo alguns ajustes e
modificações.
Por outro lado, e do ponto de vista da problemática estritamente
universitária, os anos 30 significaram também um marco de grande importância.
Em 1931, foi aprovado o Estatuto das Universidades Brasileiras,4
que adotou a universidade como modelo único desejado de organização
didático-administrativa de ensino superior, fixando um modelo institucional de
forma unívoca. Entretanto, durante sua vigência, assistiu-se ao nascimento de
novas propostas institucionais, em muitos casos divergentes, entre as quais
cabe ressaltar as de instituições universitárias de novo tipo.
Foi
ao longo dessas três décadas, então, que se definiram tanto o caráter do ensino
técnico-profissional quanto o modelo institucional da universidade brasileira.
O que significou um processo de consolidação institucional no qual foram sendo
deixadas de lado propostas alternativas, entre as quais estava a de criação de
uma Universidade do Trabalho. Apesar da persistência com que foi apresentada, o
fracasso dessa proposta foi uma constante na história da educação brasileira.
Dos
seis projetos de criação de instituições desse tipo elaborados no Brasil entre
1930 e 1955, dois assumiram particular relevância pelo grau de definição atingido:
o de autoria do belga Omer Buyse, redigido em 1934, e o produzido por Humberto
Grande, 20 anos depois. Ainda que com laços de parentesco inegáveis, cada um
deles delineou um perfil institucional bem característico. Examinemo-los
brevemente.
OS PROJETOS DE OMER BUYSE
Omer
Buyse era um engenheiro belga dedicado à problemática do ensino
técnico-profissional que havia participado da criação da Universidade do
Trabalho de Charleroi (Bélgica) em 1902, transformando-se em caloroso difusor
dessa instituição. No começo da década de 1930 e por sugestão de Fidelis Reis,
introdutor dessa proposta no Brasil, Buyse foi convidado pelo governo varguista
a realizar estudos sobre a organização e a instalação de tal instituição no
país. Dessa encomenda, surgiu um anteprojeto não de uma e sim de três
Universidades do Trabalho, com um alto grau de estruturação e desenvolvimento,
entregue ao governo brasileiro em fins de 1934.5
O
projeto desenvolvido por Buyse encontra justificação ideológica em alguns
princípios fundamentais que ele próprio estabelece ao longo de sua obra. Para
começar, a firme crença no valor do trabalho e na capacidade produtiva individual
como bem social de uma nação. O meio de acrescentar esse valor individual, ou
seja, a capacidade produtiva de cada indivíduo é, segundo Buyse, a formação
profissional, que deve ser considerada agora sobre bases científicas. Desse
modo, uma educação profissional racionalmente implementada constitui um recurso
fundamental para a expansão da indústria e para o progresso de toda sociedade.
Assim,
a formação profissional é útil, ao mesmo tempo, aos trabalhadores, porque
aumenta sua formação e contribui para seu bem-estar; aos industriais, porque
lhes permite aumentar sua competitividade e seus lucros; e à nação, porque o
crescimento industrial traz seu progresso. Finalmente, a formação profissional
promove a harmonia social e contribui para o seu desenvolvimento.
Sobre
essa base, Buyse fundamenta seu anteprojeto de criação de Universidades do
Trabalho no Brasil, que se apresenta como o conjunto orgânico e centralizado
das instituições fundamentais de ensino técnico de nível médio e superior. A
estrutura acadêmica da instituição, de grande complexidade, abrange pelo menos
três níveis de ensino, escolas de diversos tipos e para várias especialidades.
Contudo, não se trata apenas de uma instituição de ensino. Contaria ainda com
um organismo destinado basicamente a atividades de extensão e apoio à
indústria.
A
existência desse serviço obedecia ao fato de que a instituição projetada por
Buyse (1914) tinha as seguintes funções:
a)
a elevação da cultura técnica da massa trabalhadora;
b)
o aperfeiçoamento dos métodos e sistemas de ensino industrial e profissional;
c)
a difusão dos conhecimentos profissionais e das novidades técnicas para os
representantes das indústrias e das classes médias.
Por
isso, existe uma clara distinção, na argumentação do autor, entre a instituição
por ele proposta e a universidade "tradicional", que se caracteriza
por um tipo de ensino acadêmico ou liberal, distinção que é percebida por meio
de vários elementos. Em primeiro lugar, na denominação de "Universidade do
Trabalho", que, segundo Buyse, corresponde a uma nova forma de conceber a
formação profissional, pensada agora de forma orgânica e dentro de um
planejamento racional. Essa denominação não apresentaria grandes diferenças em
relação à de "Universidade Técnica", porém se destacaria claramente
dentro do quadro da universidade de ensino "liberal". Esta última
estaria dedicada, principalmente, ao desenvolvimento do conhecimento acadêmico,
enquanto a instituição proposta teria seus objetivos orientados para a formação
profissional e a difusão de conhecimentos práticos para a atividade produtiva.
Disso derivariam, para Buyse, múltiplas e marcantes diferenças,
que iriam desde os conteúdos e as metodologias de ensino de uma e de outra até
a titulação expedida e a própria organização institucional. No entanto, o
projeto delineado por Buyse (com base em sua experiência na Bélgica), e enviado
ao Brasil em 1934, não parece despertar maior interesse no então Ministro da
Educação Gustavo Capanema que, percebendo inconvenientes na sua implementação,6
logo arquiva a proposta.
A PROPOSTA DE HUMBERTO GRANDE
Vinte
anos depois, Humberto Grande, procurador da Justiça do Trabalho e propagandista
da legislação trabalhista, retomaria a idéia, desenvolvendo a proposta de
criação de uma instituição homônima, ainda que "autenticamente
brasileira" (Grande 1956).
Ao longo de suas numerosas publicações,7
grande delineia uma visão de mundo que vai servir de marco para a compreensão
de seu projeto de universidade. O conceito central da mesma é o de trabalho.
Para Grande, o trabalho é um elemento decisivo na sociedade, na medida em que
constitui um fator dominante da cultura moderna. É, ao mesmo tempo, base da
riqueza dos Estados, elemento agregador da nacionalidade, criador de valores
culturais, utilidades e bens materiais e realizador da natureza humana. Por
isso, o trabalho deve constituir o centro da política do Estado moderno,
devendo ser considerado, então, como elemento definidor de um novo estatuto de
cidadania.8
A cidadania passa a ser definida pela condição de trabalhador e caracterizada
pela posse de determinados direitos sociais que o Estado "outorga" ao
povo, em troca de sua cooperação.
Essa
redefinição do conceito de cidadania é parte, por sua vez, de uma redefinição
do conceito de democracia, que se distancia da ótica liberal. A democracia,
definida segundo os valores do humanismo trabalhista, não se carateriza pela
posse de direitos políticos de cidadania, e sim pelo império da justiça social,
corporificada na legislação do trabalho. Dessa forma, humanizando o trabalho
(via legislação trabalhista), resolve-se a "questão social".
Por
outro lado, assim como o trabalho se coloca como elemento organizador da
sociedade, a organização deve ser uma característica especial do trabalho como
eixo central do processo produtivo. Para Grande, a racionalidade aplicada ao
processo de trabalho implica necessariamente a divisão social das tarefas, a
distinção entre trabalho de direção e trabalho de execução. Desse modo, as
diferenças sociais, conseqüência das capacidades diversificadas dos homens,
refletidas nas distintas funções desenvolvidas no interior do processo
produtivo, aparecem justificadas. Entretanto, seus efeitos sociais devem ser
equilibrados pela ação do Estado, através da referida política do trabalho. A
mesma deve tender à diminuição dos conflitos sociais, enquanto promove valores
como a cooperação, a compreensão e solidariedade, em prol de um ideal de
harmonia. Assim, combinando a racionalização do trabalho com o imperativo de
justiça social, Grande orienta sua iniciativa.
A proposta de criação de uma Universidade do Trabalho aparece na
obra de Humberto Grande no final da década de 1940 e início da década de 1950.9
Ao longo desta, desenvolvem-se algumas tentativas para concretizá-la,
resultando, no entanto, infrutíferas. Essa proposta decorre dos princípios
expressos ao longo da obra anterior do autor, que parecem cristalizar-se nela.
Assim, a Universidade do Trabalho é apresentada como uma instituição educativa que,
assumindo a importância do trabalho na sociedade moderna, transforma-o em tema
universitário, repensando o papel que a universidade deve ocupar na sociedade.
Com vistas a solucionar os problemas gerados pela "questão social",
pretende, ao mesmo tempo, ampliar a pregação em favor da racionalização e da
organização científica do trabalho e contribuir para a harmonia entre as
classes ou para a conciliação social.
O projeto redigido em 1954 e publicado em 1956,10
ainda que conciso, oferece algumas indicações acerca do tipo de instituição que
Grande pretendia: ela estaria sob a dependência do Ministério de Trabalho,
Indústria e Comércio e integraria estabelecimentos de ensino tanto de nível
médio como de nível superior. Contaria, por sua vez, com alguns institutos de
investigação e pesquisa complementares. Ademais, absorveria em sua estrutura
outras instituições relacionadas com o ensino técnico-profissional já
existentes, como o Senai, e estaria articulada com a Fábrica Nacional de
Motores, a Escola Técnica do Exército e a Usina Siderúrgica de Volta Redonda.
De
acordo com esse mesmo projeto, seriam objetivos da instituição proposta:
1.
Formar e desenvolver a consciência do valor do trabalho na civilização.
2.
Levantar o nível intelectual, moral e financeiro das massas.
3.
Permitir o desabrochar do humanismo do trabalho.
4.
Contribuir para o aperfeiçoamento das indústrias existentes.
5.
Contribuir para a racionalização crescente do trabalho.
6.
Ministrar o ensino em nível médio e superior a fim de habilitar o trabalhador
ao exercício consciente de sua função.
7.
Favorecer as pesquisas que visam ao conhecimento do mercado de trabalho, às
condições exigidas para o exercício do mesmo, bem como à orientação e à seleção
profissional. (Grande 1956, p. 8)
Todos os objetivos apontam, inequivocamente, em direção às duas
grandes pretensões assinaladas anteriormente: ampliação da racionalização do
processo de trabalho e conciliação social. As três primeiras tenderiam,
inquestionavelmente, a desenvolver essa estratégia de conciliação, tentando
"moldar" o trabalhador por meio de sua inserção na estrutura
produtiva oferecendo-lhe, em troca, alguns ganhos de natureza principalmente
simbólica. Tratar-se-ia, por um lado, de ocultar o caráter histórico da divisão
social do trabalho, por meio da idealização do mesmo, via difusão de uma
"ideologia do trabalho"11
(cultura trabalhista/humanismo do trabalho, em palavras do próprio Grande); e,
por outro lado, de oferecer certos benefícios materiais e simbólicos capazes de
acalmar as insatisfações do setor (o acesso a uma cultura e a um nível de vida
superior e, em linhas mais gerais, a obtenção do estatuto de cidadania, tal
como foi definida).
Os
outros quatro objetivos estariam ligados diretamente às necessidades da própria
indústria, revelando, também, uma certa intencionalidade econômica do projeto,
que atenderia, assim, a ambos os objetivos concomitamente, formando
trabalhadores adequados às necessidades industriais e ajustados ao sistema
social. Essa "conformidade" dos trabalhadores seria mais completa no
marco da construção da harmonia social pela cooperação entre as classes, entre
Capital e Trabalho. E, segundo Grande, a Universidade do Trabalho seria a
instituição harmonizadora por excelência, porque nela seriam formados todos os
níveis da escala ocupacional. Como disse Grande, tratava-se de formar:
"homens de ação, chefes de indústrias, diretores de empresas, operários
especializados e competentes, técnicos de toda ordem" (Grande 1956, p.
12), que cooperariam entre si sem importar as diferenças de classe,
harmonizando as "massas" com as "classes dirigentes".
Assim,
a Universidade do Trabalho deveria produzir a conciliação social e, ao mesmo
tempo, formar a elite dirigente da economia e da sociedade. Contudo, isso não
implicaria a transformação da instituição proposta em um reduto elitista e sim,
pelo contrário, marcaria a essencialidade de seu caráter popular. Na medida em
que a Universidade do Trabalho se propunha a formar a elite, através de uma
educação prática e realista, estaria servindo ao povo, atendendo a seus
verdadeiros interesses, isto é, ao desenvolvimento autônomo da nação.
Em conseqüência, a harmonização das classes, tendo por base a
dignificação do trabalhador e o "ajustamento" das elites à realidade
nacional, constituiria o verdadeiro caráter popular que, segundo Grande, a
Universidade do Trabalho teria que adquirir. Ela se diferenciava, assim, da
universidade então existente, que ele considerava ultrapassada, "fora dos
tempos". Daí que a proposta de criação de uma Universidade do Trabalho
viesse a completar o sistema universitário, atualizando-o.12
Em
1954, Humberto Grande chegou a presidir uma comissão criada pelo então Ministro
de Educação e Cultura, Antônio Balbino, destinada a estudar as bases para a
instalação de uma tal universidade. Alguns meses depois de iniciados os
trabalhos, a morte do presidente Vargas encerraria mais uma vez suas possibilidades
de materialização.
BUYSE E GRANDE: UM MESMO PROJETO?
Ainda
que Grande (1965) reivindique a originalidade de seu projeto como decorrência
das necessidades da realidade nacional, quando comparamos os projetos de
criação da Universidade do Trabalho dos dois autores, mesmo considerando as
visíveis diferenças, aparecem muitos pontos de contato.
Para
começar, em ambos os casos, a Universidade do Trabalho era definida como uma
instituição centralizadora de todos os níveis da formação técnico-profissional,
incluindo escolas e institutos de ensino médio e superior, assim como diversos
organismos com funções de pesquisa e extensão, com intencional ingerência sobre
o processo e o mercado de trabalho. No caso de Buyse, essa centralização era
regionalizada, com a proposta de criação de três instituições similares (no Recife,
em Belo Horizonte e Porto Alegre), enquanto na definição de Grande aparecia uma
única instituição.
Embora
o anteprojeto de Buyse se detivesse mais no desenvolvimento dos aspectos
acadêmico-institucionais e chegasse a delinear superficialmente a organização
político-administrativa da universidade, elementos estes escassamente abordados
na proposta de Grande, a concisa justificativa teórico-ideológica formulada
pelo primeiro coincidia em suas linhas gerais com a colocada por este último.
Em síntese, racionalização do processo produtivo e harmonia social constituíam
pontos de partida comuns a ambos os projetos. Também os dois autores acentuavam
a diferença das instituições propostas em relação à universidade existente. Tal
diferença situava-se principalmente na capacidade de adaptação às necessidades
econômicas do contexto, uma característica indissociável das Universidades do
Trabalho, impossível de ser alcançada pelas outras. Desse modo, opunha-se o
ensino prático oferecido por uma instituição moderna e flexível ao ensino
acadêmico realizado em uma instituição "ancorada na tradição" e, por
isso, distanciada dos problemas suscitados pelos novos tempos.
Algumas
dessas características seriam retomadas pelas propostas elaboradas
posteriormente. No entanto, somente a Utramig (Universidade do Trabalho de
Minas Gerais, 1965) chegaria efetivamente a ser criada e, ainda assim,
rapidamente se descaracterizaria, fugindo aos padrões daquela proposta
educativa. Esse permanente contraste entre persistência propositiva e fracasso
material recorrente nos coloca no caminho da construção de algumas hipóteses
explicativas que dêem conta de tal realidade.
A CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DE ALGUMAS
HIPÓTESES EXPLICATIVAS
Traçar
a história dos projetos de criação de Universidades do Trabalho, no Brasil, põe
em evidência o conflito que permeia a definição institucional dos diferentes
setores no campo educacional, precisamente porque nosso enfoque se situa na
proposta que não foi bem-sucedida. Tentar compreender esse fracasso obriga-nos
a desvendar o processo histórico, entendendo as instituições educativas, em um
dado momento, como produto cristalizado de conflitos.
Nesse sentido, não é possível construir uma explicação para o
fracasso dessa iniciativa se não a situarmos no processo histórico, social e
educacional em sentido amplo, observando ao mesmo tempo a dinâmica de sua
resolução concreta. Dessa forma, constatamos que a variedade de propostas de
criação de Universidades do Trabalho surgidas entre 1922 e 193613
tinha por objetivo fornecer respostas à problemática de definição institucional
relativa tanto à formação superior quanto ao ensino técnico-profissional. Em
ambas as áreas, as propostas consideradas faziam parte de um conjunto mais
amplo de iniciativas diversas. Foram incontáveis os projetos que, partindo de
diferentes setores, tentaram definir um modelo para a formação
técnico-profissional nesse período, o qual se mostrou igualmente fecundo em
propostas e ensaios institucionais para a educação superior.
Embora
o debate sobre o modelo institucional para ambas as áreas já estivesse presente
na sociedade antes dos anos 30, foi a partir daí que o Estado passou a assumir
um papel fundamental, incorporando-o à agenda governamental. Nesse contexto,
muitas das mencionadas propostas surgiram em, ou por encomenda de, diferentes
organismos estatais, como foi o caso do projeto desenvolvido por Omer Buyse
que, apesar de sua extrema complexidade, não passou de mais um entre tantos
outros. As propostas de criação de Universidades do Trabalho, nessa fase,
inseriam-se no debate mais amplo produzido na época, relacionado com a
definição institucional das referidas áreas educacionais.
Essa
criatividade educacional ¾ que tinha sido favorecida até aquele momento, em
maior ou menor grau, por certa permeabilidade política amparada primeiro pelo
funcionamento "liberal" da Primeira República e, depois, pela
política de compromisso dos primeiros anos da chamada Revolução de 30 ¾ foi
interrompida em 1937 com a instauração do Estado Novo. A partir de então, o
governo autoritário-corporativo centralizou no aparelho estatal a gestão de
todos os possíveis conflitos, incorporando também todos os espaços abertos à
negociação com determinados setores. No âmbito educativo, a partir de então e
até 1945, processou-se a definição institucional para a formação
técnico-profissional, e consolidaram-se as tendências que, para a educação
superior, tinham começado a delinear-se no início da década. Curiosamente,
durante esse período, não se conheceu nenhuma proposta de criação de uma
Universidade do Trabalho.
Nos padrões desse sistema corporativo de representação social, a
definição de um modelo de formação de força de trabalho necessária ao
desenvolvimento industrial foi convertida em elemento de barganha política
entre o Estado e o empresariado. Sua inclusão na pauta de negociações entre
esses atores resultou em um longo processo que teve duas conseqüências básicas.
Em primeiro lugar, a "cessão" ao empresariado, por parte do Estado,
de uma parcela importante da formação profissional, assumindo perante ela uma
responsabilidade restrita.14
Em segundo lugar, a apropriação, um tanto reticente no início e entusiasmada
posteriormente, dessa função por parte do empresariado industrial.
Nesse sentido, o estadonovismo produziu um fato insólito, pois o
Estado, em nome de uma práxis política intervencionista, obrigou os industriais
a se encarregar, com determinadas regras, dessa função educativa. Essa solução,
que se revelou útil para o setor, sobreviveu à reimplantação da
liberal-democracia no pós 45, e essa parcela da formação profissional
estruturou-se praticamente à margem do sistema de educação formal. No campo
universitário, durante a vigência do Estado Novo, consolidaram-se as tendências
à homogeneização institucional, definidas a partir da Revolução de 30. Desse
ponto de vista, com a criação da Universidade do Brasil, como
universidade-padrão, encerrou-se uma fase marcada por alta dose de
"experimentalismo".15
As
propostas de criação de Universidades do Trabalho só reapareceriam depois de
1945, quando uma certa abertura política deixou espaço à dissidência. Porém, no
campo educacional, a arena de conflitos havia se povoado de novas
problemáticas. O ressurgimento político de setores liberais e de esquerda, que
lutavam pela democratização do ensino, colocou no centro do debate a
necessidade de "correção" do sistema e de ampliação da oferta
educativa.
Esses
setores tencionavam, por um lado, reverter os efeitos diferenciadores de um
ensino médio que, durante o Estado Novo, tinha sido definido em termos
dualistas. Para tanto, promoveram as chamadas "leis de equivalência",
que tinham por objetivo abrir uma passagem entre os diferentes ramos de ensino
médio, especialmente entre os cursos profissionais e secundário, para favorecer
a progressão de setores sociais cada vez mais amplos no sistema escolar (Cunha
1997). A primeira dessas leis surgiu em 1950 (lei 1.076/50) e outras se sucederam
nos anos subseqüentes. Por outro lado, mas conseqüentemente, tratou-se de
reformar a universidade existente, flexibilizando os mecanismos de articulação
entre ensino médio e superior, a fim de facilitar o acesso a este último (Cunha
1997).
Foi
nos marcos dessa discussão que surgiu a proposta de criação de uma Universidade
do Trabalho, defendida por Humberto Grande no começo da década de 1950. A mesma
consistia na montagem de uma instituição educacional que centralizaria todas as
instâncias da formação profissional (desde as atividades de aprendizagem
industrial até a formação de quadros de administração e gerência de nível
superior). Tal instituição pretendia, em certo sentido, a racionalização do
processo de seleção, capacitação e gerenciamento do mercado de trabalho em uma
única instituição.
Nesse sentido, a proposta de Grande, do mesmo modo que as que
surgiram depois dela, na medida em que retomavam a concepção de um sistema
educativo dual,16
não se constituíam em uma iniciativa nem revolucionária, nem democratizadora.
Pelo contrário, podia-se até mesmo considerá-las "reacionárias",
visto que se apresentavam como alternativa institucional num contexto em que as
lutas pela democratização educacional tendiam precisamente para a superação
dessa dualidade.
Entretanto,
não foi o seu conservadorismo a razão de seu insucesso. Acreditamos que outros
elementos explicam melhor seu fracasso no plano material. De um lado, o projeto
de Humberto Grande pretendia incorporar à Universidade do Trabalho, como
instituição centralizadora do ensino técnico-profissional, aquela parcela desse
tipo de formação que, "cedida" aos industriais pelo Estado na década
de 1940, havia se estruturado fora do sistema educativo (e fora da dependência
direta do Estado), e que não parecia gerar, por parte da sociedade, grandes
questionamentos. Tal "cessão" poderia estar na base do fracasso de
tais propostas formuladas após a década de 1940, já que estas pressupunham a
responsabilidade direta do Estado sobre toda a formação profissional, e não
somente sobre a formação de profissionais de nível superior, como efetivamente
aconteceu. Na medida em que o Estado não reivindicou para si o espaço da
formação profissional direta (por exemplo, como lugar privilegiado para a
difusão da ideologia trabalhista a seu público específico), uma instituição
como a que foi proposta apresentava sérias contradições com as linhas de
política educacional adotadas nesse sentido.
Além
do mais, quando Humberto Grande delineou seu projeto de criação de uma
Universidade do Trabalho, o empresariado industrial estava mais consolidado e
autônomo com respeito à ação estatal do que durante o Estado Novo. Convocado,
pela Portaria ministerial no 480/54, para integrar a Comissão
criada para estudar esse projeto, o setor tinha duas razões de peso para
opor-se a ele ou, pelo menos, para não fomentá-lo. Em primeiro lugar,
gerenciava um sistema de formação profissional eficiente, que supria suas necessidades
imediatas de preparação de mão-de-obra (Senai); e, em segundo lugar, o projeto
se justificava por uma ideologia trabalhista a que os empresários sempre haviam
resistido, sobretudo nos anos 50.
Por
outro lado, outros atores sociais tampouco o apoiariam. As organizações
operárias não se interessavam pela proposta, apesar do apelo trabalhista,
enquanto atores sociais com importância crescente, como os militares,
defensores de um projeto modernizador, gestavam suas próprias instituições
educacionais. Desse modo, a proposta de criação de uma Universidade do Trabalho
ficou restrita a Grande e ao seu "entorno", isolada e inviabilizada.
Por
seu turno, a mencionada proposta, tal como formulada em 1954, propunha-se a
coroar a legislação trabalhista e se articulava coerentemente com uma forma
corporativa de relação Estado/sociedade. Não por acaso Humberto Grande, seu
principal promotor, era procurador da Justiça do Trabalho, reduto no qual, após
a queda do Estado Novo, conservaram-se alguns princípios do corporativismo
trabalhista. Na década de 1950 e nos limites dessa ideologia, seria o Direito,
e não o Estado, que reivindicaria para si o papel de integrador das classes
sociais (Vianna 1978).
Além
do mais, se o trabalhismo já não era uma ideologia de Estado e estava restrito
a determinados setores da sociedade, como construção ideológica tinha sido
também redefinido, com a incorporação de setores da esquerda proscrita à
estrutura partidária que a sustentava. Nesse contexto, a proposta de criação de
uma Universidade do Trabalho, que se autodefinia como trabalhista, não era
vista com bons olhos pelos setores que comandavam os destinos do país.
Sintetizando
o exposto, podemos dizer que a criação de uma Universidade do Trabalho
propunha-se a ser uma resposta a vários problemas políticos, econômicos e
sociais que a reordenação capitalista brasileira após os anos 30 e o
conseqüente avanço do processo de industrialização impunham. Essa proposta foi
gerada num ambiente de grande contestação ao ideário liberal e por isso
implicava, para sua materialização, a existência de um Estado intervencionista
que se colocasse acima dos conflitos sociais e os administrasse; um Estado com
forte poder de intervenção no mercado de trabalho, guardando para si a função
de formar trabalhadores, nas suas duas acepções: de prover uma capacitação
técnica específica e inculcar uma ideologia do trabalho determinada,
habilitando-os para isso.
Porém,
se a construção de um cidadão-trabalhador se configurou como tarefa fundamental
durante o Estado Novo (Gomes 1994), isso não se refletiu numa política
educativa específica. Nesse sentido, se o período se caraterizou pela
constituição dos "trabalhadores do Brasil" como sujeito político e
pela introdução da formação profissional como problemática educativa, a solução
adotada estava longe de constituir o trabalhador em sujeito pedagógico
privilegiado. E, entre outras coisas, isso se refletiu no fracasso de uma
iniciativa como a de criação de uma Universidade do Trabalho.
Conseqüentemente,
acreditamos que sua inviabilidade estaria relacionada ao fato de que, no plano
educativo, o Estado brasileiro, após os anos 30, reservou para si de modo
privilegiado a formação das elites (daí a existência de uma política
homogeneizadora do sistema universitário que excluía por definição as propostas
de criação de universidades de novo tipo) e se desincumbiu da formação dos
trabalhadores, "cedendo" uma parte significativa dessa
responsabilidade ao empresariado.
Nesses termos, se um projeto educativo como o considerado já
estava em conflito com a política educacional dominante desenvolvida durante o
Estado Novo, posteriormente, seu anacronismo (político, ideológico e educativo)
se aguçaria de forma crescente, ao definir-se como herdeiro de um momento
político já parcialmente superado. Um exemplo disso foi o maior protesto de
alguns setores sociais gerado pela tentativa de Jânio Quadros de instalar uma
instituição desse tipo em 1961,17
em comparação como projeto de Grande. Projeto esse que, encaminhado durante o
segundo governo Vargas, conseguiu ainda algumas adesões.
Nesse
ponto, então, podemos perguntar-nos sobre as razões da persistência do projeto.
Acreditamos que tal persistência responde a duas questões fundamentais. De um
lado, aos ganhos políticos auferidos do efeito simbólico do uso de um termo
que, sob uma aparência democratizadora, esconde uma proposta educacional
baseada na discriminação. Mas, por outro lado, também designa uma dívida social
ainda em suspenso: a entrada do trabalho (como problemática e como ponto de
vista) na universidade.
NOTAS TÉCNICAS:
1.
Tomamos o conceito de "universidade como agência social de
incertezas" no sentido que lhe outorga Daniel Cano quando afirma que
"hay varios siglos de vivencias y experiencias acumuladas por tras de la
concepción de la Universidad como agencia social de incertidumbres,
como asamblea o reunión de aquellos que aceptan el estado de duda en tanto modo
privilegiado de producción del saber, como forma de organización social del
trabajo que vincula a formuladores de preguntas inteligentes, a cuestionadores
infatigables" (Cano 1996, p. 1).
2.
Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942.
3.
Decreto-lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942.
4.
Decreto-lei nº 19.851, de 1931.
5.
A documentação que dá conta do anteprojeto é composta essencialmente de cartas
e relatórios enviados por Buyse ao então Ministro de Educação Washington Pires,
por intermédio da Embaixada do Brasil em Bruxelas, entre maio e novembro de
1934. Ela forma parte do Arquivo Gustavo Capanema, do Centro de Pesquisa e Documentação
em História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).
6.
Capanema assinala: "É de notar que, dadas a grande extensão territorial e
a pequena densidade demográphica do Brasil, nossa necessidade mais imperiosa
não é criar Universidade do Trabalho, para preparo de todas espécies de
operários, em vários pontos do território nacional. Será antes fundar grande número
de escolas profissionais especializadas, que possam atender às exigências
industriaes das várias regiões do país" (Arquivo Gustavo Capanema, 19 de
novembro de 1934, p. 5, GC 34.07.24 g 0620).
7.
Foram identificadas 35 publicações do autor, entre livros e artigos, realizadas
de 1936 a 1967. Oito delas foram consultadas integralmente ao longo da
pesquisa.
8.
Dessa maneira, o autor estrutura um mapa social onde coloca o processo de
trabalho no centro, cabendo a algumas instituições a tarefa de regular e
administrar suas relações: principalmente o Estado e, em colaboração com este,
os sindicatos e as corporações.
9.
Segundo Telles (1980), baseada em afirmações do próprio Grande (1965), este
teria iniciado a difusão de sua idéia acerca da necessidade de criação de uma
Universidade do Trabalho no Brasil com artigos em jornais e revistas,
conferências e livros, desde 1940. Entretanto, nosso levantamento das obras
publicadas pelo citado autor indica o surgimento dessa proposta apenas em
inícios da década de 1950.
10.
Estamos nos referindo ao anteprojeto de lei de criação de uma Universidade do
Trabalho, que Humberto Grande incluiu no seu livro Universidade do Trabalho,
publicado em 1956.
11.
O conceito é utilizado por Braga para designar a forma de regulação da
sociedade de classes, a partir da difusão das relações sociais de produção
capitalista no Brasil (Braga 1980). Ver também Carmo 1992.
12.
É possível extrair, por oposição, através da caracterização que Grande realiza
de sua Universidade do Trabalho, a idéia que ele mesmo tinha da universidade
que denomina "clássica". Assim, se a Universidade do Trabalho deveria
ser atual, técnica e popular, objetiva, realística, prática e estimuladora de
economia, a universidade existente era considerada anacrônica, clássica e
elitista, tendenciosa, utópica, teórica e desinteressada.
13.
Nesse período se formularam seis projetos diferentes de criação desse tipo de
instituições.
14.
Estamos nos referindo à criação, mediante decreto do Poder Executivo, do Senai
(Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial) em 1942. Esse sistema estava
organizado sob a dependência da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que
passou a gerenciar e financiar a formação técnico-profissional correspondente
às necessidades imediatas do setor.
15.
Nesse sentido, deve ser assinalado que, durante a primeira metade da década de
1930, não só existiram propostas de criação de Universidades do Trabalho, senão
também foi legalmente criada (ainda que nunca tenha sido instituída) uma
Universidade Técnica, ao tempo que persistiam as propostas de instalação de uma
Universidade Popular.
16.
As explicações disponíveis na historiografia educacional brasileira (Telles
1979, Braga 1989 e Cunha 1989) põem em relevo esse caráter
"dualizante", que conteria a proposta de criação desse tipo de
instituição. Isto é, a articulação latente entre a seleção-estruturação de
determinados conteúdos escolares (técnico-profissionais) com determinados
grupos sociais (classes subalternas) (Petitat 1994). Em outras palavras, essas
explicações supõem a existência em tais propostas de uma intenção de definir
redes educacionais paralelas, por meio das quais circulariam públicos escolares
diversos: um circuito clássico-humanístico mais valorizado para a formação das
classes dirigentes vs. um circuito técnico-profissional menos valorizado,
associado às classes subalternas. Essa divisão entre ambos os circuitos
corresponderia à divisão inerente à sociedade capitalista entre trabalho manual
e trabalho intelectual.
17.
Em 1961, o então presidente do Brasil, Jânio Quadros, impulsionou a criação de
uma Universidade do Trabalho que chegou a ter forma legal, mas não a
materializar-se. Apesar de a renúncia de Quadros ter inviabilizado a proposta,
ela já tinha recebido numerosas críticas de distintos setores sociais, entre as
quais as dos estudantes universitários (Telles 1979).
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