Blog “HISTÓRIA
DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO”, de autoria de Álaze Gabriel.
Autoria:
Carlos
Benedito Martins. Professor
do Departamento de Sociologia e Diretor-Científico do Núcleo de Estudos sobre
Ensino Superior da Universidade de Brasília
RESUMO:
Este artigo procura apresentar e discutir
determinados aspectos morfológicos que constituem o ensino superior brasileiro
em sua fase contemporânea e salientar que nos últimos 30 anos formou-se no país
um complexo campo acadêmico.
Destaca também os processos de crescimento quantitativo e de diferenciação
institucional que fizeram parte da reestruturação do campo do ensino superior
brasileiro. O artigo procura evidenciar um dos desafios centrais para o ensino
superior brasileiro nos dias atuais: a formulação de uma política voltada para
a totalidade do sistema, capaz de dialogar com os diferentes formatos e
vocações acadêmicas das instituições que o integram.
Palavras-chave: educação no Brasil; ensino
superior; pós-graduação.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é
apresentar e discutir determinados aspectos referentes ao sistema de ensino
superior brasileiro nos últimos dez anos, particularmente no que diz respeito
ao seu crescimento e ao seu processo de diferenciação institucional. Para compor
um breve quadro morfológico, serão apresentados o conjunto de informações sobre
o número de instituições que o integram, o volume de matrículas de alunos que o
freqüentam, a titulação dos docentes, etc. Esse trabalho parte do pressuposto
que esse subsistema educacional vai ocupar uma posição fundamental na dinâmica
dos processos de inovação tecnológica, de produção e difusão da ciência e da
cultura, assim como desempenhar um papel estratégico no desenvolvimento
socioeconômico do país. Ele é nesse sentido, uma peça-chave na tarefa de
qualificar os recursos humanos para a modernização da sociedade brasileira e um
fator relevante na melhoria dos ensinos fundamental e médio do sistema
educacional do país.
Os dados que serão apresentados ao longo deste
artigo indicam que o ensino superior no país passou por um acentuado
crescimento quantitativo nas últimas três décadas, caracterizado pelo aumento
do número de instituições, de matrículas, de cursos, de funções docentes, etc.
Após experimentar um forte impulso expansionista durante os anos 70, na década
seguinte passou por um período de franco arrefecimento, chegando quase a uma
situação de estagnação do número de matrículas na graduação. Durante os anos 90
o ensino superior deu mostras de recuperação na sua capacidade de crescer
aceleradamente: nos últimos quatro anos a matrícula nos cursos de graduação
apresentou uma taxa de expansão anual de 7% em média.
Por outro lado, na dinâmica desse processo de
expansão do ensino de terceiro grau, produziu-se um complexo e diversificado
sistema de instituições. O hábito intelec-tualizado de parte considerável da
comunidade acadêmica nacional de eleger uma imaginária universidade brasileira
como objeto legítimo de reflexão e forma de se referir à totalidade do ensino
superior no país tem contribuído para desviar a atenção de um dos aspectos mais
significativos do processo de sua expansão: o fenômeno do surgimento de uma
multiplicidade de tipos de estabelecimentos acadêmicos com formatos
institucionais, vocações e práticas acadêmicas bastante diferenciadas.
Em vez de se adotar uma perspectiva que privilegie
a instituição universitária como ponto principal de atenção - o que acaba
transformando uma manifestação particular em expressão do geral -, considera-se
mais apropriado, do ponto de vista analítico, analisar a situação do ensino
superior brasileiro atual a partir da noção de campo,1
no interior do qual as universidades e os demais tipos de instituições que o
estruturam, como os estabelecimentos isolados, as federações de escolas2
e as faculdades integradas, visam a ocupar posições específicas na hierarquia
desse espaço social. Essa postura, acredita-se, possibilita orientar a reflexão
para a grande diferenciação institucional que se encontra subjacente na
estruturação desse campo específico.
Seria oportuno assinalar que os diversos sistemas
de educação superior, existentes em países que ocupam uma posição destacada no
processo de desenvolvimento socioeconômico, apresentam uma forte diversidade
institucional e desempenham uma pluralidade de funções na formação
acadêmico-profissional. Nesses sistemas prevalece uma extensa hierarquia de
instituições de ensino com perfis acadêmicos específicos, oferecendo cursos e
programas para públicos com diferentes motivações e perspectivas profissionais,
assim como procuram manter uma relação de sintonia com as amplas demandas
provenientes da dinâmica das mudanças sociais vivenciadas por esses países.
Esse processo de diferenciação ocorre não apenas no sentido vertical da oferta
de formação acadêmico-profissional, mas no plano horizontal, a partir de uma
pluralidade de objetivos e conteúdos educacionais - competências e
prerrogativas típicas das instituições -, permanecendo, entretanto, um processo
de fluidez de comunicação entre os diferentes setores que o integram.3
Este artigo parte também do pressuposto que a
diferenciação institucional produzida no ensino superior brasileiro nas últimas
três décadas não deva ser apreendida como um aspecto negativo ou uma
manifestação de anomia no funcionamento do campo. Acredita-se que o caminho da
política educacional promissora deve ser a heterogeneidade institucional do
sistema como um de seus pontos de partida, ou seja, reconhecer a existência de
uma multiplicidade de instituições com perfis organizacionais e vocações
acadêmicas distintas, evitando tratamentos homogêneos para realidades
acadêmicas marcadas pelo signo da disparidade. Pretende-se também ressaltar que
a política de ensino superior na sociedade brasileira deve eleger, como uma de
suas prioridades, a expansão desse sistema diante do contínuo crescimento do
ensino médio verificado no país nos últimos anos. Para se evitar uma nova
proliferação descontrolada como a que marcou de forma típica o campo acadêmico
nacional nos anos 70, acabando por comprometer a qualidade acadêmica das
instituições e do sistema em geral, devem-se criar mecanismos efetivos para
combinar essa expansão - cada vez mais necessária - com padrões de qualidade
acadêmica e uma contínua avaliação acadêmico-institucional subsidiando o
recreden-ciamento periódico das instituições integrantes desse complexo
sistema.
CRESCIMENTO E DIVERSIFICAÇÃO INSTITUCIONAL DO
ENSINO SUPERIOR
No intervalo de pouco mais de 30 anos, o sistema de
ensino superior brasileiro passou por expressivas mudanças em sua morfologia.
No início dos anos 60, contava com cerca de uma centena de instituições, a
maioria delas de pequeno porte, voltadas basicamente para atividades de
transmissão do conhecimento, com um corpo docente fracamente profissionalizado.
Esses estabelecimentos vocacionados para a reprodução de quadros da elite
nacional, em geral cultivando um ethos e uma mística institucional,
abrigavam menos de 100 mil estudantes, com predominância quase absoluta do sexo
masculino. Tal quadro contrasta fortemente com a complexa rede de
estabelecimentos constituída ao longo desses anos, portadora de formatos
organizacionais e tamanhos variados. Esse sistema absorve hoje 2,1 milhões de
alunos matriculados na graduação e aproximadamente 78 mil alunos nos cursos de
pós-graduação stricto sensu, que cobre todas as áreas do conhecimento.
Nesse processo de mudanças, houve a incorporação de
um público mais diferenciado socialmente, o aumento significativo do ingresso
de estudantes do gênero feminino, a entrada de alunos já integrados no mercado
de trabalho e o acentuado processo de interiorização e de regionalização do
ensino. Na trajetória dessas transformações, forma-se um campo acadêmico
extremamente complexo em virtude das diferentes posições ocupadas por essas
instituições diante dos indicadores que comandam o funcionamento desse espaço
social, como a qualidade do ensino oferecido, a titulação do corpo docente, a
capacidade científica instalada, os formatos organizacionais desses
estabelecimentos, o prestígio e o reconhecimento social e simbólico dos
distintos estabelecimentos que o integram.
Desde o Estatuto de 1931, o modelo universitário,
por mais que tenha sido mera aglomeração de faculdades isoladas, é parâmetro
legítimo de organização do ensino superior no país. Por outro lado, esse modelo
domina de forma significativa parte do inconsciente acadêmico nacional, de tal
modo que o afastamento desse paradigma é considerado um desvio de rota. Em vez
de abrir caminho para a diversificação do sistema, a Reforma de 1968, voltada
basicamente para as instituições federais, mostrou que o modelo universitário
deveria ser o tipo natural de estrutura para o qual convergiria a
expansão do ensino supe-rior, atribuindo aos estabelecimentos isolados um
caráter excepcional e passageiro. A Constituição de 1988 deu um passo adiante
na recusa conceitual e política da possibilidade de criação de modelos
institucionais diferenciados, ao estabelecer no seu artigo 207 que as
universidades obedeceriam o princípio da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão.4
No entanto, a expansão do ensino superior no país,
nos últimos 30 anos, mostrou-se refratária à pretendida homo-geneidade
institucional almejada pela legislação. Os dados da Tabela 1, além de fornecer outras
informações, atestam esse fato com bastante evidência. Como se pode observar, o
sistema conta atualmente com 973 instituições, sendo que 153 universidades
ocupam uma posição irrelevante, em termos quantitativos, representando apenas
16% do conjunto dos estabelecimentos. Ao contrário do pretendido pela
legislação, a expressiva maioria do sistema superior é constituída pelos 727
estabelecimentos isolados que representam 75% da totalidade das instituições de
ensino.
Apesar do forte crescimento numérico das
instituições de ensino superior nas últimas décadas, os dados disponíveis
mostram uma distribuição desigual do total das IES pelo país. As Tabelas 2 e 3 fornecem informações a esse
respeito: a região Sudeste absorve 59% dos estabelecimentos, a Sul, 13%, a
Nordeste, 13%, a Centro-Oeste, 11% e a região Norte abriga apenas 4% das
instituições. Os dados apontam também para uma forte predominância numérica da
rede privada, que engloba 78% dos estabelecimentos, enquanto o setor público é
responsável por 22% das instituições. As universidades privadas prevalecem numericamente
em todas as regiões do país, principalmente no Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Um dos fenômenos mais significativos das mudanças
da morfologia do ensino superior brasileiro contemporâneo é a diminuição do
número dos estabelecimentos isolados e o crescimento numérico das
universidades. Os dados da Tabela 1 trazem informações a esse
respeito. Em 1980, havia no país 797 estabelecimentos isolados que diminuíram
para 727 no ano de 1998. Durante o mesmo pe-ríodo, as 65 universidades
existentes passaram para 153, registrando um crescimento de 135%.
Enquanto o número de universidades federais permaneceu praticamente estável
durante esse período, as estaduais triplicaram, passando de 9 para 30
instituições. O maior impulso para o crescimento das instituições
universitárias, entretanto, veio do setor privado, que passou de 20 para 76
universidades, representando um aumento de 280%.
As 973 instituições que integram o atual sistema de
ensino superior brasileiro são muito diferentes entre si nas vocações
acadêmico-profissionais, no formato institucional, etc., envolvendo desde
centros de ensino e pesquisa bastante complexos como a Universidade de São
Paulo (USP), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e outras, até
pequenas e isoladas escolas voltadas basicamente para atividades de ensino,
espalhadas pelas diversas regiões do país.
É importante compor algumas breves e esquemáticas
considerações sobre a diversidade institucional desse sistema nacional de
ensino, ressaltando que os 727 estabelecimentos isolados são a
rigor uma categoria bastante heterogênea porque abrange instituições de tipos
bastante distintos como os institutos federais especializados, entre eles as
faculdades de medicina e engenharia. Alguns desses centros, principalmente da
rede federal, possuem alto nível acadêmico e uma tradição de pesquisa
científica. A maioria dos estabelecimentos isolados, no entanto, surgiram da
proliferação do ensino superior a partir dos anos 70, e vários deles apresentam
deficiências na formação acadêmica dispensada aos seus alunos. Não seria
incorreto afirmar que a tendência é a maioria dos estabelecimentos isolados
estar voltada apenas para as atividades de ensino e a prática de pesquisa ser
mais uma exceção que uma experiência habitual.
Os dados disponíveis indicam que as universidades
públicas ocupam posição fundamental no interior do campo acadêmico nacional e
papel estratégico no processo de desenvolvimento do país. Basta assinalar, por
exemplo, seus contínuos resultados positivos alcançados no Exame Nacional de
Cursos, os elevados conceitos obtidos nas avaliações dos Programas de
Pós-Graduação feitas pela Capes, sua contribuição para a construção da
identidade nacional, etc. Deve-se salientar, entretanto, que existem profundas
diferenças entre elas quanto ao formato institucional, à vocação acadêmica, às
demandas e expectativas profissionais de seus estudantes e às formas
desenvolvidas pelas instituições para atendê-las. Elas são diferentes também
nas modalidades de combinar o ensino, a pesquisa e a extensão.
A maior parte das universidades federais surgiu
antes da década de 70 e as 39 existentes formam uma rede na-cional de
estabelecimentos espalhados pelo território nacional, sendo que Tocantins é o
único estado da federação que não conta com uma universidade federal.
Excetuando-se as universidades estaduais paulistas, uma parte substancial da
capacidade de pesquisa instalada no país encontra-se localizada nessa rede.
Tudo leva a crer que as federais são fundamentais para o desenvolvimento do
país, porque têm se revelado num espaço destacado do processo de ampliação das
oportunidades educacionais, e tornaram um locus central na discussão e
divulgação de questões relevantes do país e de nossa época, conduzidas por uma
pluralidade de perspectivas analíticas.
Longe de mitificar as universidades federais,
parte-se do reconhecimento que embora formalmente homogêneas no plano
institucional elas não o são no nível acadêmico. Várias instituições dessa rede
certamente determinados problemas e deficiências acadêmicas que podem e devem
ser equacionados.5
As sucessivas crises institucionais vivenciadas pelas universidades federais
têm evidenciado, de certa forma, o esgotamento do modelo único que as rege,
alicerçado nas idéias de universalidade de campo e da indissociabilidade de
ensino, pesquisa e extensão. Seguramente, nenhuma legislação tem a capacidade
de implementar a indissociabilidade entre as atividades de ensino e de pesquisa
em todas as áreas de uma determinada instituição, muito menos transformar um
professor em pesquisador ou vice-versa. É preciso reconhecer que algumas universidades,
departamentos ou docentes podem ter uma vocação mais orientada para a pesquisa
e outras, para o ensino profissional. A verdade é que o modelo único se tem
mostrado cada vez mais insatisfatório diante da grande diversidade regional da
sociedade brasileira. Em vez de engessá-las num protótipo que acaba produzindo
ficções acadêmicas, seria mais recomendável o incentivo da prática efetiva de
uma pluralidade de modelos acadêmicos.6
O esgotamento do modelo único para todas as
universidades federais tem acentuado a necessidade de se desenvolver uma
reflexão mais geral, entre outros aspectos, sobre a autonomia dessas
instituições para capacitá-las a definir melhor o seu verdadeiro perfil e a sua
real vocação institucional. A prática efetiva da autonomia, por exemplo,
permitiria a certos estabelecimentos determinar uma maior vinculação regional,
encaminhando determinadas atividades acadêmicas para esta direção. Certas
instituições eventualmente poderiam privilegiar a formação a ser dispensada na
graduação, outras concentrariam seus esforços na atividade de pesquisa em
algumas áreas e/ou no conjunto de sua instituição, etc. O essencial é a
autonomia possibilitar que as universidades sejam mais transparentes na
formulação do seu projeto institucional e de seus reais objetivos. As
universidades federais poderiam, com isso, aumentar a relevância dos seus
serviços educacionais e manter uma relação mais dinâmica com os contextos
sociais que a permeiam. A autonomia exige também uma avaliação pública das
instituições, a partir das metas e prioridades por elas estabelecidas.7
As universidades estaduais, como indicam os dados
da Tabela 1, cresceram significativamente
após os anos 80. Como unidade mais rica da federação, o Estado de São Paulo
criou na década de 30 um sistema de instituições próprias que sempre usufruiu
de uma tradição de autonomia diante do poder federal. Sua situação econômica
foi responsável por um sistema universitário mais estruturado e mais bem
apoiado financeiramente que as demais instituições mantidas pelos estados da
federação. Atualmente, as estaduais paulistas concentram uma parte substancial
da pesquisa e da pós-graduação do país, sobretudo nos cursos de doutorado. A
criação das demais universidades estaduais, ocorrida em época mais recente,
representa, de certa forma, a capacidade retraída de expansão do sistema
federal.
As universidades estaduais constituem um segmento
bastante específico no conjunto do ensino superior do país. Ao contrário das
universidades federais e particulares, elas encontram-se fora da alçada do MEC,
uma vez que são financiadas e supervisionadas pelos seus respectivos estados, e
por se encontrarem exclusivamente sob a supervisão da esfera estadual ficam
relativamente à margem do sistema nacional de ensino superior do país. Nesse
sentido, torna-se necessário produzir pesquisas mais sistemáticas sobre esse
segmento para avaliar o seu potencial, integrá-lo às políticas nacionais
voltadas ao ensino superior para a melhoria acadêmica do conjunto do sistema.8
Os dados existentes sobre esse subcampo indicam que
trata-se também de um sistema bastante heterogêneo de vocação
acadêmico-institucional, de qualificação acadêmica dos docentes, das carreiras
oferecidas e da integração entre ensino e pesquisa. De um total de 30
universidades estaduais, 16 oferecem cursos de mestrado e 8 possuem programas
de doutorado.9
Como já foi salientado, as estaduais paulistas têm uma expressiva participação
nesse sistema de pós-graduação, principalmente de doutorado. Se várias
universidades estaduais não se destacam pela atividade de pesquisa, nem por
isso deixam de oferecer múltiplos e relevantes serviços educacionais e de
extensão, mantendo uma relação bastante dinâmica a sociedade.
Diante da heterogeneidade interna das universidades
estaduais, percebe-se que sua estruturação a partir de um padrão único,
privilegiando a atividade de pesquisa como ocorre em outras partes do conjunto
do sistema, acarreta mais arranjos artificiais do que uma efetiva articulação
entre ensino, pesquisa e extensão. Aqui também a experimentação de uma
pluralidade de modelos institucionais poderia ser um caminho promissor na
exploração positiva da diversidade acadêmica desse segmento.
Como uma parte expressiva das universidades
esta-duais é de criação recente, ou seja, ainda possui pouca tradição na
constituição de um poder acadêmico interno capaz de neutralizar interferências,
principalmente do poder político estadual, torna-se necessário criar mecanismos
efetivos que preservem a liberdade acadêmica dessas instituições. Elas não
podem ser tratadas como um mero apêndice do setor burocrático local, com
dirigentes, docentes e funcionários contratados e/ou substituídos em função dos
interesses momentâneos dos governos estaduais, dos partidos políticos ou dos
grupos de oposição. A autonomia das universidades estaduais no campo do poder
político local representa uma condição necessária para o seu fortalecimento
institucional, ou seja, para a organização de uma vida intelectual fundada em
princípios e valores estritamente acadêmicos.
A diversidade institucional está presente também no
subcampo das universidades privadas, integrado basicamente pelas instituições
comunitárias, pelas confessionais e pelos estabelecimentos de perfil mais
empresarial, uma vez que é possível constatar nesse segmento uma multiplicidade
de projetos acadêmico-institucionais. As universidades comunitárias,10
de modo geral, apresentam um trabalho bastante inovador na prestação de
serviços educacionais à comunidade, mantendo um elevado grau de interação no
seu contexto social. Elas estão voltadas fundamentalmente para as atividades de
ensino e desenvolvem um trabalho significativo no domínio da extensão. Como se
sabe, até o final da década de 60, as universidades confessionais possuíam maior
peso no conjunto do setor privado nacional e estavam praticamente ligadas à
Igreja Católica. A presença do ensino privado confessional não era desprezível,
porque respondia, na metade daquela década, por aproximadamente 44% das
matrículas. Em período mais recente, houve a criação de certas instituições
confessionais não-católicas, especialmente metodistas e luteranas. Deve-se
destacar que determinadas universidades confessionais, de modo especial algumas
PUCs, têm desenvolvido suas atividades pautadas por consistentes padrões
acadêmicos.
Como indica a bibliografia disponível sobre essa
questão, no entanto, não foram as instituições confessionais que estiveram à
frente do processo expansionista verificado nos anos 70. Um dos traços
marcantes no funcionamento do campo das instituições de ensino superior
brasileiro atual foi exatamente, o aparecimento de um "novo ensino
privado", de perfil laico, que se constitui a partir do final dos anos 60,
comandado por uma lógica de mercado e um acentuado ethos empresarial.
Como já foi assinalado, a partir do final dos anos 80 ocorreu um movimento para
transformação de escolas isoladas e/ou federações de escolas em universidades
particulares, em grande parte guiado por esse "novo ensino privado".11
As informações disponíveis sugerem que a lógica
para a criação das novas universidades particulares, cujo crescimento foi de
280% nos últimos 20 anos, como indicam os dados da Tabela 1, foi influenciada pela fusão de
estabelecimentos isolados, que decresceram durante esse período, e/ou pela
criação de faculdades integradas particulares, as quais funcionaram como uma
espécie de incubadora de novas universidades, aumentando sua participação
quantitativa no sistema de forma significativa. Acredita-se que a expansão
recente das universidades particulares foi conduzida pelo interesse de suas
mantenedoras em obter maior autonomia, conferida legalmente a esse tipo de
instituição, principalmente a liberdade de expandir seus cursos e ampliar as
vagas existentes. Expressa também uma estratégia, direta ou indireta, de
maximizar simbolicamente a posição dessas instituições no interior do campo
acadêmico vis-à-vis com estabelecimentos não-universitários, procurando
demarcar posições e aumentar a rentabilidade simbólica dos seus títulos
escolares nos mercados acadêmico e extra-acadêmico.
Várias dessas novas instituições - organizadas
formalmente sob a égide do modelo universitário que prescreve a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão - enfrentam sérias dificuldades no seu
cotidiano para implantar uma sólida carreira docente, e não têm obtido
resultados convincentes na institucionalização da prática da pesquisa
científica e na montagem de seus cursos de pós-graduação. Isso é compreensível
uma vez que várias dessas instituições surgiram, organizaram-se e expandiram-se
como centros de ensino, contando com pouca tradição no domínio da investigação
científica. Muitas delas, com vocação estrutural para as atividades de ensino,
uma vez transformadas em universidades, criam uma série de artificialismos
acadêmicos para atender às exigências da prática da pesquisa e da pós-graduação
determinadas pela legislação. Em vez de subsumir essas instituições, assim como
as federais e as estaduais, a um modelo único, privilegiando o protótipo
universitário e acabando sempre por produzir ficções acadêmicas, seria mais
vantajoso estimular uma pluralidade de modelos institucionais e avaliá-los
segundo seus propósitos e resultados acadêmicos efetivos. É necessário, por
outro lado, criar dispositivos que preservem, nessas novas universidades
particulares, a liberdade de crítica e de manifestação do pensamento por parte
dos docentes, funcionários e alunos, protegendo sua atividade acadêmica de
interesses mediatos e/ou imediatos dos seus mantenedores e proprietários.
AS MATRÍCULAS, OS CURSOS E OS DOCENTES
Ao lado do crescimento e da diversificação das
instituições que o integram, o ensino superior no país passou também, nas três
últimas décadas, por um forte crescimento de suas matrículas. Os dados da Tabela 4 fornecem informações importantes
sobre essa questão. Em 1962, atendia pouco mais de 100 mil alunos, desempenho
que contrasta de maneira significativa com os 2,1 milhões que freqüentaram a
graduação em 1998. Como se pode perceber existem flutuações nesse processo de
expansão. O período de maior número de matrículas ocorreu durante os anos de
1962 e 1972, quando a taxa de crescimento foi de 540%. Na década seguinte, o
ritmo começa a diminuir, registrando-se um crescimento de 86% no período entre
1973 e 1983. O resultado dessas duas décadas explica-se, em grande parte, pelo
acesso de um público socialmente mais diversificado, com a inclusão acentuada
do gênero feminino, de uma clientela composta por pessoas de maior faixa etária
e que já se encontravam integradas no mercado de trabalho, em função de grandes
transformações no campo da produção econômica, da expansão dos centros urbanos,
do desenvolvimento das grandes burocracias estatais e privadas, etc. Tudo leva
a crer que o ensino superior assumiu, nesse momento, maior visibilidade para
determinados setores das camadas médias urbanas, mais desprovidas de capital
econômico e/ou de capital cultural, que viam nele um possível campo de manobra
para colocar em prática suas estratégias de reconversão para obter melhores
posições materiais e/ou simbólicas. Essa demanda foi absorvida, em parte, por
uma relativa expansão do ensino público e, em maior escala, pelo setor privado,
que apresentou um acentuado crescimento nessa época.12
Uma vez encerrado esse processo de absorção de
novos grupos sociais, acreditava-se que o ensino superior continuaria a se
expandir pelo menos no ritmo do aumento populacional. No entanto, não foi isso
que ocorreu. Mesmo continuando a crescer nos períodos seguintes, em termos
absolutos, registrou-se uma diminuição acentuada desse ímpeto, em contraste com
os períodos anteriores. No início da década de 80 eram 1.377.286 matrículas e,
no final, 1.518.904 alunos freqüentando o ensino de terceiro grau, representando
um aumento de apenas 10% e uma situação de quase estagnação se comparada ao
desempenho das décadas anteriores. Nos primeiros anos da década de 90, o
sistema ainda permaneceu praticamente estagnado - de 1990 a 1993 cresceu apenas
3,5%. Os sinais de recuperação começaram a aparecer a partir de 1994 e, segundo
os últimos dados disponíveis, em 1998 havia 2.125.958 estudantes matriculados
na graduação. Com isso, o sistema teria passado por um aumento de 465 mil
matrículas em relação a 1994, ou seja, teria crescido, em termos absolutos,
nesses últimos quatro anos, mais que durante o período de 1980 a 1994, quando
aumentou para apenas 284 mil alunos.
Dados mais recentes certamente indicam que o ensino
superior ingressou novamente em uma fase de crescimento acelerado, porque nos
últimos quatro anos as matrículas de graduação obtiveram crescimento em torno
de 28%. Em comparação com outros países da América Latina, da América do Norte,
da Europa, etc., a matrícula brasileira de graduação ainda é bastante insatisfatória
e apenas 7,6% da população entre 20 e 24 anos de idade ingressaram no ensino
superior. Os desafios para o desenvolvimento do país, entretanto, exigem a
expansão mais expressiva desse nível de ensino.13
Os dados da Tabela 4 chamam a atenção para o
descompasso entre a expansão de matrículas e o número de alunos que concluem o
curso. Durante o período de 1980 a 1998, enquanto as matrículas cresceram em
torno de 54%, as conclusões, apenas 21%. O fenômeno da evasão tem participação
efetiva nesse desequilíbrio.
É interessante analisar a participação dos
diferentes tipos de estabelecimentos no recente processo de evolução das
matrículas do ensino superior, conforme informações contidas na Tabela 5. Os dados indicam também dois
movimentos significativos na configuração das matrículas. O primeiro deles, de
contínua diminuição da participação de estabelecimentos isolados no total das
matrículas. Esses estabelecimentos respondiam, em 1980, por 46% do alunado de
graduação. Já no ano de 1986, essa participação diminuiu para 36% e, no ano de
1998, baixou significativamente para 21%. Contrapondo-se a essa tendência, as
universidades aumentaram sua participação na absorção do alunado,
paulatinamente, durante esse período. Em 1980, já eram responsáveis por 47% das
matrículas, saltando para 51% em 1986. Pouco mais de dez anos depois, ou seja,
em 1998, destacaram-se na participação das matrículas de graduação no país, uma
vez que absorveram 69% desse alunado. O crescimento das instituições
universitárias foi, em grande parte, estruturado no processo de fusão de
estabelecimentos isolados, o que explica a diminuição desses estabelecimentos
na particpação das matrículas.
Quando se analisa o crescimento das instituições
universitárias, encontram-se diferenças importantes nesse segmento. Tomando
como referência o período 1980-1998, as matrículas nas universidades
particulares cresceram em torno de 208%, nas universidades municipais, 298% e
nas estaduais, 193%. As universidades federais apresentaram um crescimento
muito pequeno no número de alunos. Em 1986, as universidades federais abrigavam
313.520 alunos e, 12 anos depois, em 1998, esse número passou para 392.873,
registrando um aumento de apenas 25%. Esse resultado é no mínimo preocupante
diante do custo desse segmento.14
Os dados da Tabela 6 mostram claramente o predomínio
quantitativo do setor privado na evolução das matrículas nos últimos 20 anos no
país. De um modo geral, a participação do setor privado nas matrículas ficou em
torno de 60% nos últimos 18 anos, período analisado, e em 1998 absorvia 62% do
total dos alunos de graduação.
Tudo leva a crer que um dos gargalos que emperrou
de maneira decisiva o crescimento do sistema foi o desempenho da educação média
no país. Quando observa-se, por exemplo, o número de inscrições para o vestibular,
não deixa de chamar a atenção, no ano de 1980, que 1.803.567 candidatos se
submeteram a esse exame. Mais de dez anos depois, ou seja, em 1992, esse número
pouco se alterou, pois inscreveram-se 1.836.859 candidatos, um crescimento de
apenas 2% (Tabela 4). Durante esse período, houve
oscilações para mais ou para menos, mas não deixou de ser relevante que em 12
anos a demanda foi bastante similar.
A Tabela 7 indica um contínuo crescimento,
em termos absolutos, das matrículas do ensino médio. Esse desempenho é
explicado pelo aumento das taxas de conclusão do ensino fundamental, pela
expansão dos cursos supletivos de primeiro grau e pela oferta de cursos
noturnos. Pode-se perceber, no entanto, significativas flutuações nesse
crescimento do ensino médio. No período 1971-1975, a taxa de crescimento foi de
73%, baixando para 7% no período 1980-1985. A partir do final dos anos 80 houve
uma retomada do processo de expansão, uma vez que no período 1989-1999 as
matrículas cresceram 123%. Os dados evidenciam também a recuperação provocada
pelo desempenho do setor público, em especial pela rede estadual que respondia
em 1999 por 79% das matrículas. Por outro lado, alguns levantamentos registram
o crescimento do número de matrículas do ensino médio em todas as regiões do
país, nos últimos dez anos, principalmente em regiões com pequena participação
na oferta do ensino superior, seja pelo número de matrículas, seja pelo número
de instituições.15
Tal como ocorreu no ensino superior, o fenômeno do rápido aumento das
matrículas nem sempre foi acompanhado, com a mesma intensidade, pelo número de
alunos concluintes (Tabelas 7 e 8), porque as altas taxas de
repetência certamente contribuíram para esse descompasso. Durante o período
1984-1998, a relação entre concluintes do ensino médio e o número de vagas no
ensino superior ficou em torno de 2%.
De um modo geral, esses dados demonstram que a
retomada da expansão do ensino superior depende, em grande parte, do
equacionamento de problemas estruturais existentes no ensino fundamental e no
médio. Se a curto prazo o ensino médio ampliar a capacidade de diplomar seus
estudantes e as instituições de ensino superior caminharem em direção à maior
diversificação de formação profissional e de diplomas, certamente haverá um
aumento potencial da demanda que passará a pressionar a expansão do ensino
superior no país.
Quando se analisam os dados mais recentes,
percebe-se que os cursos de graduação existentes no país (Tabela 9) apresentam um acentuado
crescimento. No período 1988/1998, expandiram em torno de 62%. Como se sabe,
inicialmente os cursos de graduação foram criados na sociedade brasileira para
favorecer a formação nas profissões tradicionais, como o direito, a medicina e
a engenharia, e durante um longo período, com poucas variações, o ensino
superior estruturou-se para essas carreiras. Paralelamente ao processo de
diversificação institucional dos estabelecimentos de terceiro grau,
ampliaram-se as carreiras profissionais e atualmente há 150 áreas de graduação,
conforme classificação do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep).16
Há também um predomínio da rede particular na
oferta dos cursos no país. No ano de 1998, de um total de 6.950 cursos, a rede
privada respondia por um total de 3.980, ou seja, 57% dos cursos em
funcionamento. Por outro lado, os dados da Tabela 9 indicam um forte crescimento no
período 1988/1998 dos cursos oferecidos pelas redes estadual (87%), municipal
(86%) e privada (68%). A evolução da oferta de cursos da rede federal cresceu
apenas 27%.
As informações disponíveis demonstram também uma
distribuição fortamente desigual da oferta de cursos entre as regiões do país.
Conforme os dados da Tabela 10, no ano de 1998, a região Norte
respondia por 5% dos cursos, o Nordeste, por 16%, o Sudeste, por 47%, o Sul,
por 23% e a região Centro-Oeste, por 9%. Quando se compara a distribuição do
número de cursos por grandes áreas do conhecimento (Tabela 10), percebe-se que apenas duas
delas, ciências sociais aplicadas e ciências humanas, são responsáveis por 51%
dos cursos existentes no país. Chama a atenção também a pequena participação de
determinadas áreas do conhecimento na oferta de cursos, como engenharia e
tecnologia (4%), ciências agrárias (4%) e ciências biológicas (3%). Por outro
lado, quando se analisa a distribuição dos cursos por dependência
administrativa (Tabela 11), constata-se que o setor
privado tem uma forte participação nas ofertas de cursos nas áreas de ciências
sociais e aplicadas (70%) na área de ciências humanas (51%), e também na oferta
de cursos nas áreas de ciências da saúde (60%), engenharia e tecnologia (50%)
e ciências exatas e da terra (52%), que tradicionalmente eram
monopolizados pelos estabelecimentos públicos.
Qual era a titulação acadêmica dos docentes que
participavam nas atividades do ensino superior no país no final dos anos 90?
Como se pode constatar, atualmente o sistema conta com 165.122 mil docentes (Tabelas 12 e 13), dos quais, apenas 19% possuem
a titulação de doutor e 27% a de mestre, ou seja, 54% dos docentes não possuem
nenhum título conferido pela pós-graduação stricto sensu, uma vez que
35% são portadores do título de especialista e apenas 19% são graduados. Não
deixa de ser preocupante o fato de as instituições particulares, onde se
concentram 62% das matrículas da graduação, apresentarem um corpo docente com
taxa tão pequena de titulação acadêmica. Os dados evidenciam que 76% dos
doutores e 55% dos mestres estão concentrados nas instituições públicas. Esse
contingente, certamente, encontra-se também em determinadas instituições, como
nas universidades estaduais paulistas e em algumas universidades federais.
Alguns estudos desenvolvidos sobre o sistema acadêmico nacional têm chamado a
atenção para o grau de correlação entre o nível da qualificação acadêmica e a
profissionalização da carreira docente no país, e nesse sentido os dados têm
demonstrado que o cultivo de um ethos acadêmico e a efetiva prática da
profissão acadêmica encontra-se implantada em uma pequena fração das
instituições de ensino superior no país.17
A PÓS-GRADUAÇÃO E SUAS RELAÇÕES COM A GRADUAÇÃO
Ao lado da expansão da graduação, desenvolveu-se no
país, nos últimos 30 anos, um vigoroso sistema de pós-graduação. No final da
década de 60, a pós-graduação tinha aproximadamente 100 cursos, abrangendo não
mais de 2 mil alunos. Atualmente conta com 2.066 cursos cobrindo todas as áreas
do conhecimento, vários deles com excelente padrão acadêmico. No ano de 1998
esse sistema possuía 77.641 alunos e foi responsável por 16.455 titulações (Tabela 14). Ao contrário da graduação, a
pós-graduação encontra-se concentrada basicamente nos estabelecimentos públicos
(federais e estaduais). Entre outras contribuições, a pós-graduação atraiu e
institucionalizou a pesquisa no interior de algumas universidades e/ou
instituições, possibilitou o desenvolvimento de um ethos acadêmico e a
constituição da profissão acadêmica no país.
Tudo leva a crer que a recente expansão dos ensinos
de graduação e de pós-graduação foi estruturada a partir de lógicas e práticas
acadêmicas bastante distintas.
De certa forma, pode-se afirmar que a graduação se
expandiu de forma desordenada, sem planejamento estratégico a longo prazo, ao
sabor das pressões da demanda por ensino superior e oriunda de grupos
interessados em adquirir e/ou acumular um capital escolar. Cresceu também ao
sabor da oferta, uma vez que sua expansão em grande escala, como assinalado
anteriormente, foi comandada por um setor privado laico, portador de forte ethos
empresarial, quase sempre voltado mais para a rentabilidade voraz de seus
investimentos que para a busca sistemática de melhoria do ensino de graduação.
Por outro lado, as instituições públicas, com
poucas exceções, também planejaram de modo satisfatório o crescimento e a
melhoria do ensino da graduação. Talvez seja mais correto afirmar que o sistema
de graduação foi em grande parte o resultado de uma não-política.
A Lei no 5.540 que comandou a
Reforma Universitária de 1968, basicamente voltada para as instituições
públicas, instituiu o sistema de créditos, aboliu o curso seriado, transformou
os departamentos em unidades mínimas do sistema. Por meio dessa lei foi
modificada também a carreira do magistério, introduzindo-se a dedicação
exclusiva às atividades acadêmicas e adotando-se o princípio da
indissolubilidade entre ensino e pesquisa. Na verdade, quando se olha
retrospectivamente para o funcionamento da graduação, constata-se que, enquanto
tendência, existiu um imenso descompasso na união do ensino com a pesquisa
nesse nível. Geralmente, alocaram ali os professores com menor experiência e
titulação acadêmica, com a função precípua de transmitir os conhecimentos de
sua área.
A graduação foi formada a partir de um sistema de
créditos, sem um sólido sistema de orientação, onde, em princípio, o aluno
deveria escolher as disciplinas. No entanto, os currículos de 1968 incharam-se
de tal maneira que dificultaram enormemente as escolhas adequadas. Os
pré-requisitos, de certa forma, amarraram os alunos, levando-os a permanecer no
curso por um longo período, ou então a evadir do curso ou do sistema de ensino
de terceiro grau.
A graduação, durante as décadas de 70 e 80, cresceu
no número de alunos e professores, mas não houve esforços contínuos de
implementação de programas para enfrentar esse aumento da demanda, nem para
enfrentar a entrada de um público mais diversificado socialmente. O resultado
dessa não-política foi o aumento considerável da evasão, um desperdício enorme
de estudantes, de disciplinas e uma refração à mudança e à modernização desse
nível de ensino.
Sem montar um adequado planejamento para orientar
seu crescimento, sem uma política de fomento para a melhoria acadêmica, sem um
eficiente sistema de avaliação, sem pesquisa e sem prestígio acadêmico, a
graduação permaneceu por um longo período como a expressão profana do ensino
superior.
Ao contrário dessa situação, a pós-graduação
cresceu de forma mais planejada e orientada. Como exemplo, mencionemos a
existência dos Planos Nacionais de Pós-Graduação18
que traçaram rumos bem-definidos para a sua expansão e, a seu lado, os órgãos
de fomento nacionais e internacionais investiram de forma sistemática na
implantação desse nível de ensino. Diferentemente do ensino de graduação, a
expansão da pós-graduação foi o resultado de uma política indutiva orientada e
conduzida pelo poder central.
No âmbito das políticas públicas no Brasil, a
pós-graduação se apresenta como um dos setores em que o planejamento de médio e
de longo prazo tem desempenhado um papel significativo. Essa formação é uma
obra conjunta da comunidade acadêmica nacional e da participação decisiva das
agências de fomento nacionais. Um dos êxitos desse sistema deve-se à montagem
de um eficiente método de credenciamento, no qual se analisa não apenas a
pertinência da abertura dos cursos mas suas condições acadêmicas de
funcionamento, e além disso implantou-se um sistema periódico de avaliação
daqueles em funcionamento, procurando detectar e sanar suas possíveis falhas.
A estrutura acadêmica da pós-graduação foi
construída a partir de procedimentos bem-definidos. Acoplou-se o ensino à
pesquisa, estabeleceu-se um número limitado de disciplinas articuladas com as
respectivas linhas de pesquisa dos cursos. Ao mesmo tempo, criou-se um sistema
eficiente de orientação de dissertações e teses. O resultado dessa estrutura
acadêmica tem permitido um forte crescimento da produção científica que, em
várias áreas do conhecimento, tem possibilitado a renovação de campos
específicos do saber e contribuído para a introdução de novas questões para
investigação. A pós-graduação, por outro lado, liga a vida acadêmica nacional a
centros relevantes da produção científica internacional.
Contando com um planejamento adequado para orientar
seu crescimento, a pós-graduação permanece como a dimensão sagrada do ensino
superior brasileiro, sustentada por uma contínua política de financiamento
pelos órgãos de fomento nacionais e amparada por um eficiente plano de
avaliação de seus cursos. O reconhecimento acadêmico da pós-graduação, em
virtude do prestígio da pesquisa, forma também um locus de distinção
social e acadêmica de seus professores, um espaço estratégico de acumulação
e/ou reprodução de um capital simbólico dos atores envolvidos em suas
atividades. Assim como o capital tende a atrair o capital, o prestígio e
reconhecimento acadêmicos do sistema de pós-graduação têm estimulado a
manutenção de uma política sistemática de apoio e de melhoria constante de seus
cursos.
O resultado dessa lógica distinta de estruturar
esses dois níveis de ensino gerou um claro abandono da graduação, na avaliação,
na alocação de recursos e no estímulo à melhoria de seus cursos. Havia, de
certa forma, uma premissa implícita na crença que a melhora da pós-graduação
traria o aperfeiçoamento automático da graduação. Quando se analisa a
totalidade do sistema de ensino de terceiro grau no país, público e privado,
percebe-se que o resultado não foi tão satisfatório quanto se esperava. A
pós-graduação, certamente, contribuiu de forma decisiva para melhorar a
titulação dos docentes que atuam no ensino superior no país. Mas o investimento
feito na pós-graduação não produziu um efeito generalizado na melhoria da
estrutura do ensino de graduação nas diversas instituições espalhadas pelas
várias regiões do país.
A partir dos anos 80, assistiu-se à criação de uma
série de programas para aperfeiçoar a graduação e articulá-la melhor com a
pós-graduação. Nesse sentido, vale ressaltar, por exemplo, o impulso vigoroso
das bolsas de Iniciação Científica patrocinadas pelo do CNPq, que tiveram uma
trajetória bastante irregular mas ficaram quase estáveis por mais de duas
décadas. Somente no final dos anos 80 e especialmente nos anos 90, percebeu-se
o crescimento significativo das bolsas do CNPq com a cifra de 18 mil bolsas no
ano de 1995. Durante a década de 90, concedeu mais de 65% do total de bolsas de
Iniciação Científica.
Em 1994, é lançado o Prograd (Programa de Apoio à
Graduação) cujo objetivo geral era melhorar a qualidade do ensino da graduação.
Esse programa estabeleceu quatro linhas de ações básicas: o Programa de
Licenciatura (Prolicen), o Programa de Laboratórios (Prolab), o Programa de
Bibliotecas universitárias (Probib) e o Programa de Informatização (Proinf).
Merece também ser mencionado o Programa de Integração Pós-Graduação/Graduação
(Proin), criado pela Capes em 1995.
Essa preocupação maior com o aperfeiçoamento da
graduação começou criação, em 1996, do Exame Nacional de Cursos e da avaliação
realizada in loco por comitês de especialistas das condições de oferta
dos cursos de graduação pelas instituições, especialmente as que obtiveram
baixa avaliação.19
Tal conjunto de iniciativas representa, certamente,
um fato positivo para a evolução da graduação, até então na zona obscura do
ensino superior. É necessário reconhecer, entretanto, quando se considera o
tamanho e a dimensão do ensino superior em todo o território nacional e os
desafios ao seu aperfeiçoamento, que algumas dessas iniciativas como o Pibic, o
Proin, etc. estão circunscritas a poucas instituições. Ao se reconhecer o valor
intrínseco dessas iniciativas, deve-se ponderar que devem ser desenvolvidas em
conjunto com estratégias mais abrangentes de qualificação dos cursos de
graduação.
O sistema de ensino superior ocupa uma posição
estratégica e fundamental no processo de modernização e de desenvolvimento do
país. Tem a função de fornecer quadros profissionais capacitados e pessoal
qualificado cientificamente para atender às diversas, e cada vez mais
complexas, demandas tanto do setor público quanto do privado, para isso
precisando melhorar continuamente seu método de graduação. Necessita também da colaboração
de seu sistema de pós-graduação para formar docentes qualificados,
pesquisadores e recursos humanos de alto nível.
A integração entre os ensinos de graduação e de
pós-graduação é altamente desejável, possível e, certamente, pode avançar mais
para maior articulação entre esses dois níveis. A pós-graduação deve manter
conexões mais estreitas com o ensino de terceiro grau no país, contribuindo com
uma série de iniciativas para seu crescente desenvolvimento e modernização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No final dos anos 90 o ensino superior na sociedade
brasileira, após um longo período de estagnação, deu mostras que estava
recuperando sua capacidade de crescimento. As matrículas aumentaram em parte
pela expansão do ensino médio, acelerada nos últimos anos, e pela pressão de
uma clientela de adultos já integrados no mercado de trabalho, que procura as
instituições de ensino superior para melhorar suas chances profissionais com a
obtenção de um título acadêmico. Caso se mantenha a taxa média de crescimento
de 7% ao ano, verificada no período 1994-98, teremos aproximadamente 3 milhões
de alunos matriculados nos cursos de graduação daqui a cinco anos.
Os dados apresentados neste artigo evidenciaram
também que a expansão do ensino de graduação verificada nas últimas décadas
foi, em grande parte, atendida e patrocinada pelo segmento privado. A rede
pública, especialmente as instituições federais, cresceu em um ritmo mais lento
se comparada ao setor privado, encontrando dificuldade para atender à ampliação
da demanda. A relativa estagnação do setor público mostra, de certa forma, o
esgotamento da capacidade dos governos federal e estadual em aumentar seus
investimentos na ampliação dessas instituições, principalmente daquelas que
realizam atividades de pesquisa. Algumas instituições públicas que concentram
determinados cursos tradicionais (direito, medicina, engenharia, arquitetura,
odontologia, etc.) acolhem um público de considerável capital social e/ou
escolar e têm demonstrado sérias dificuldades para expandir suas matrículas,
porque se o fizessem teriam de incorporar outro tipo de público, destituídos de
distinção social.
A expansão que se anuncia a curto prazo não deveria
ser realizada tão-somente pela ampliação do setor privado. Esse segmento,
principalmente o integrado pelas instituições laicas, continuará tendo uma
participação destacada nesse processo, pelo agudo senso de oportunidade e pela
sensibilidade empresarial nas demandas escolares e profissionais do público que
almeja ingressar no ensino de graduação. O desenvolvimento científico,
tecnológico e cultural do país não poderá ser realizado sem a participação das
universidades públicas, uma vez que algumas delas concentram o essencial da
prática acadêmica, respondendo pelo que há de mais preeminente na formação da
graduação, na oferta da pós-graduação e no desenvolvimento da pesquisa,
devendo, por isso, ser amparadas pelo poder público.20
As universidades federais constituem uma rede nacional de estabelecimentos
espalhados pelo território nacional e necessitam de um efetivo comprometimento
por parte do governo federal em sua manutenção e seu aprimoramento acadêmico.
A retomada da expansão do ensino superior precisará
de novos rumos, cuja definição e implementação, estarão condicionadas pelas
raízes históricas do sistema. A tradição da educação superior brasileira não é
universalista. Mais do que em outros países, ela ainda permanece com fortes
traços elitistas. Se o fenômeno da elitização, no início, se identificava pelo
reduzido número de instituições e de vagas, a evolução do sistema, decorrente
da dinâmica social e do aumento das possibilidades de acesso da população às
oportunidades educacionais mais avançadas, introduziu, paulatinamente, novos
mecanismos de discriminação e de distinção social, especialmente aqueles
ligados ao recorte público/privado, universidade/instituição isolada, ensino de
elite/ensino de massa, cursos dominados por camadas privilegiadas
socialmente/cursos que absorvem um público socialmente heterogêneo,
graduação/pós-graduação, etc.
É difícil conceber que a sociedade brasileira venha
aceitar, como no passado, um crescimento ilusório, isto é, mero aumento
quantitativo de vagas com ensino de menor qualidade, o que tradicionalmente
acarreta salas de aula superlotadas e docentes pouco qualificados
academicamente. O cenário político brasileiro atual é muito diferente daquele
dos anos 70, quando ocorreu a expansão do sistema, porque a relação entre os
diversos segmentos envolvidos com o ensino superior é distinta e dá margem a
reivindicações e negociações de ordem estritamente acadêmica que,
anteriormente, não encontravam espaço adequado. O novo cenário da expansão deve
combinar, mais do que nunca, o aumento da capacidade de atendimento do sistema
à maior qualificação acadêmica. Essa dinâmica se soma a outra, presente no
mercado de trabalho, cada vez mais exigente e seletiva quanto ao perfil dos
profissio-nais que se dispõe a empregar, aliado ao progressivo esgotamento dos
segmentos do mercado mais interessados em profissionais de nível superior com
perfil não diferenciado, notadamente aquele relativo às burocracias públicas.
As próprias reformas em curso na administração pública, especialmente no nível
federal e em vários estados da federação, sugerem importantes modificações
nesse subconjunto do mercado empregador.
Dentro do próprio sistema de ensino superior,
instala-se, por um processo de concorrência inerente ao funcionamento desse
campo, uma competição pela qualidade entre as diferentes instituições que o
integram. O surgimento de inúmeras novas universidades, assinalado no início
deste artigo, que para continuar a sê-lo devem cumprir uma série de requisitos
legais e acadêmico-científicos sobre as atividades de ensino, pesquisa e
extensão, exerce, de certa forma, um papel relevante rumo a patamares mais
elevados da educação superior. Essa tendência determina a necessidade das
instituições perseguirem padrões acadêmicos mais elevados e desenvolver
estratégias adequadas que atraiam e mantenham suas distintas clientelas, e não
mais os meros objetivos de certificação. Esse processo da busca de melhoria
acadêmica que se instala no interior desse campo - espera-se que não seja
apenas formal - poderá contribuir para a maior diferenciação na qualidade dos
serviços acadêmicos oferecidos pelas instituições. Para isso, é necessário um
corpo docente efetivamente mais qualificado e recursos materiais suficientes,
colocando em funcionamento propostas acadêmicas consistentes.
A análise desenvolvida neste artigo procurou também
destacar que o ensino superior nos anos 90 iniciou um processo de
diversificação institucional. O campo acadêmico nacional vem se diferenciando
não apenas em termos de natureza e/ou tipo de dependência administrativa de
seus estabelecimentos, mas quanto a distintos perfis organizacionais e vocações
acadêmicas expressas por esses centros, como em relação às expectativas
profissionais de seus estudantes e às formas desenvolvidas pelas instituições
para atendê-las.
Na verdade, um dos desafios centrais dos dias
atuais para o ensino superior brasileiro é formular uma política não
direcionada apenas para uma das partes do sistema. Ao contrário, é necessário
um conjunto de ações que tenha como alvo o conjunto das instituições do sistema
de ensino a ser enfrentado em sua totalidade. Trata-se, portanto, de criar
mecanismos reais que qualifiquem academicamente o sistema como um todo. A
política educacional desenvolvida a partir de 1995, através de determinadas
medidas, criou condições favoráveis para a diversificação institucional do
ensino superior, e estabeleceu mecanismos capazes de orientar um novo processo
de expansão pautado pela qualidade acadêmica. Vale ressaltar que, na maioria
das vezes, a ação governamental concentrou-se em problemas ad hoc, procurando
equacionar problemas específicos, parecendo uma ação fragmentada ao gerar, por
exemplo, uma lei sobre a escolha dos dirigentes das universidades federais, ao
publicar um decreto especificando a natureza e o funcionamento das instituições
de ensino com finalidade lucrativa, ao formular um anteprojeto para autonomia
das universidades federais, etc. Essas questões são muito pertinentes e devem
ser equacionadas, mas se quer registrar, no entanto, que parece ter faltado a
formulação de um plano mais geral e integrado para contemplar um conjunto de
medidas estratégicas voltadas para o sistema como, por exemplo, iniciativas de
redução das desigualdades regionais existentes no ensino superior, ações para
uma ampla política de qualificação dos docentes que atuam no ensino de terceiro
grau, política clara e explícita para o fortalecimento das universidades
federais, iniciativas voltadas para melhorar o ensino privado, maior impacto da
pós-graduação no processo de aperfeiçoamento dos cursos de graduação, etc.
Um dos pontos de partida para colocar em prática
uma política voltada ao conjunto do sistema é o reconhecimento de que ele não é
apenas desigual na qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão oferecida
pelas diferentes instituições. Ele também é um sistema multifacetado composto
por instituições públicas e privadas, com diferentes formatos organizacionais
e, especialmente, múltiplos papéis e funções locais e regionais, de abrangência
nacional e internacional. A tentativa de enquadrar toda essa riqueza e
pluralidade num modelo único - em boa parte comandar as representações e as
práticas acadêmicas no país - sufocou por muito tempo todo o nosso sistema,
impedindo experiências inovadoras capazes de aproximar essas instituições do
seu contexto social. A reforma do ensino superior é necessária e deve, como um
de seus pressupostos básicos, recusar deliberadamente o privilégio de um único
formato de organização para o conjunto do sistema, de tal modo que possa
permitir o aparecimento de suas reais vocações e potencialidades específicas no
interior de cada instituição. Essa postura possibilitará maior articulação das
instituições de ensino com demandas de diferentes perfis de formação
profissional advindas do mercado de trabalho, maior diálogo com as diversas
aspirações de profissionalização dos estudantes e maior integração com os
diversos contextos da sociedade. O sistema de ensino superior estará com isso
estabelecendo uma interação mais proveitosa e efetiva com a sociedade
brasileira.
NOTAS TÉCNICAS:
1.
Com a noção de campo procura-se designar um espaço social que possui uma
estrutura própria, relativamente autônoma sobre outros espaços sociais, isto é,
outros campos sociais. Mesmo mantendo uma relação entre si, os diversos campos
definem-se por objetivos específicos, o que lhes garante uma lógica particular
de funcionamento e de estruturação. É característico de um campo possuir sua
hierarquia interna, seus espaços estruturados de posições, seus objetos de
disputa e de interesses singulares, que são irredutíveis aos objetos, às lutas
e aos interesses constitutivos de outros campos. A noção de campo reporta-se
aos inúmeros trabalhos de Bourdieu (1980:113-121; 1982a:46-50; 1982b:71-91;
1987:167-177; 1992:298-430).
2.
As federações de escolas foram regulamentadas pelo artigo 8 da Lei no
5.540/68. Segundo essa legislação, as federações de escolas são uma congregação
de estabelecimentos isolados, que passa a ser regida por uma estrutura
administrativa comum e um regimento unificado. A criação dessa entidade foi
concebida como uma fórmula intermediária entre os estabelecimentos isolados e a
universidade. O GT da Reforma Universitária, apoiando-se na Indicação no
48/67 do antigo CFE, tinha a expectativa de que essas federações, com o
transcorrer do tempo, se transformassem em universidades. Ver a esse respeito
Revista Paz e Terra (1968:253).
3.
Sobre a diferenciação institucional e social dos sistemas de ensino superior de
alguns países, ver, por exemplo, Clark (1983); Bode (1975); Suleiman (1978);
Bourdieu (1989); Passeron (1986); Brunner (1987).
4.
Com relação aos privilégios do modelo universitário, o GT da Reforma
Universitária afirmava que: "medida em que se focaliza o conjunto, o que
resulta é a preocupação de fidelidade, a idéia universitária em si mesma,
suscetível de objetivar-se nos mais variados esquemas dentro de um país que tem
proporções continentais... Essa consideração levou a que ainda se mantivesse o
sistema de estabelecimentos isolados, atribuindo-lhes porém um caráter
excepcional que fixa, mais uma vez, a universidade como o tipo natural de
estrutura para o ensino superior". Revista Paz e Terra (1968:253). Sobre a
diversidade de projetos existentes sobre reforma universitária no período
enfocado, ver o artigo de Veiga (1985). Para uma discussão sobre o padrão que
vinha orientando até então a dinâmica do ensino superior brasileiro e os
avanços e limites da Reforma de 1968, ver o trabalho de Fernandes (1975:65-90 e
201-242). Para uma avaliação dos ganhos e perdas advindos da implantação da
reforma universitária, ver o artigo de Bomeny (1994). Quanto às origens da
estrutura centralizada e formalizada da universidade brasileira, ver o trabalho
de Schwartzman (1979:163-191).
5.
Entre os vários diagnósticos elaborados sobre esse sistema, ver por exemplo o
realizado por Durham (1993:5-38), Martins (1993:48-55); Guimarães (1993:42-47);
Trigueiro (1999).
6.
Com relação à intensificação do debate sobre as universidades federais,
desencadeado durante a última greve dos docentes dessas universidades, ver por
exemplo o artigo de Giannoti (1998). Seria oportuno assinalar que algumas das
preocupações de J.A. Giannoti com as universidades públicas brasileiras
encontram-se desenvolvidas em trabalhos anteriores (Giannoti, 1985 e 1986). Ver
também o manifesto lançado por expressivos docentes e pesquisadores nacionais
(Jornal Ciência Hoje, 25/6/1998). Esse documento, além de assinalar com
bastante ênfase o papel estratégico das universidades públicas, reivindica a
necessidade de reformas baseadas em valores acadêmicos.
7.
As sucessivas diretorias da Andes, com exceção da última eleita em 1998, têm
defendido sistematicamente uma política isonômica nacional. Num de seus
documentos, afirma-se que: "a isonomia salarial e a carreira única são
fatores indispensáveis para condições de trabalho que possam, de fato, garantir
um padrão unitário de qualidade para a produção acadêmica nacional. Além disso,
seria injusto e arbitrário diferenciar salarialmente o mesmo trabalho, uma vez
que trabalho igual deve ter salário igual" (Andes, 1996:11). Para um
debate sobre os diferentes projetos de autonomia para as universidades
públicas, especialmente as federais, ver o texto de Pinheiro (1998).
8.
Não existe na bibliografia nacional estudos realizados sobre as universidades
estaduais tomadas em seu conjunto. Os trabalhos disponíveis sobre esse segmento
enfocam as universidades estaduais mais antigas e portadoras de maior prestígio
acadêmico. Ver a esse respeito, por exemplo, Cardoso (1982); Fernandes (1984);
Araújo (1980). O Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior da Universidade de
São Paulo (Nupes), vem coordenando, em colaboração com pesquisadores do Grupo
de Estudos sobre Universidade (GEU) da UFRGS, do Núcleo de Estudos sobre o
ensino superior da Universidade de Brasília (Nesub) e da UFMG, a realização de
uma pesquisa denominada As universidades estaduais no Brasil:
características institucionais, que encontra-se em fase final e sem dúvida,
preencherá um espaço importante ao conhecimento de algumas das características
acadêmicas desse segmento do ensino superior nacional.
9.
Do total dos 479 cursos de mestrado (M) e dos 369 de doutorado (D) oferecidos
pelas universidades estaduais, a USP responde por 55,5% (M) e 62% (D); a Unesp
por 21,5% (M) e 22,7% (D); a Unicamp por 9,3% (M) e 10,8% (D); a Uerj por 4,5%
(M) e 1,6% (D). As demais participam com 9,2% do mestrado e 2,9% do doutorado.
Ver a esse respeito a publicação do Capes-MEC (1997).
10.
Quanto ao formato institucional das universidades comunitárias e algumas de
suas características acadêmicas, ver o trabalho de Neves (1995).
11.
A respeito das condições sociais que possibilitaram o aparecimento deste
"novo ensino privado", ver o trabalho de Martins (1989). A respeito
de algumas características do ensino privado, ver também Mendes e Castro
(1984); Cunha (1991); Durham e Sampaio (1995). A tese de doutoramento de Casali
(1989:100-233) representa uma contribuição relevante para a reconstituição do
surgimento das universidades católicas no Brasil. O trabalho de doutoramento de
Sampaio (1998) também é uma contribuição fundamental para se compreender as
tendên-cias mais recentes desse segmento do ensino superior.
12.
Com relação à noção de estratégia de reconversão, ver o artigo de Bourdieu e
Saint-Martin (1993). A discussão de Bourdieu sobre a adesão de uma categoria
social às sanções e às hierarquias do sistema escolar pode ser encontrada,
entre outros textos, em um artigo clássico consagrado a essa questão denominado
Reprodução cultural e reprodução social (Miceli, 1974). Sobre as
condições sociais e a trajetória desse período de expansão do ensino superior,
ver o trabalho de Cunha (1975a) e seu artigo A expansão do Ensino Superior:
causas e conseqüências (1975); ver também Martins (1988); Durham e Sampaio
(1995).
13.
A comparação entre o total de matrículas e a população entre 20 e 24 anos
indica que 15,8% dos jovens nessa faixa etária têm acesso ao ensino superior no
país. No entanto, os dados mostram que 53% dos estudantes do terceiro grau
possuem mais de 24 anos de idade. Sobre o acesso à educação superior no Brasil
e a necessidade de sua ampliação, ver Inep/MEC (1998:49-50). A propósito da
comparação do acesso ao ensino superior brasileiro com os demais países da
América Latina, ver o trabalho de Brunner e colaboradores (1995). A respeito de
determinadas características dos estudantes que freqüentam o ensino de terceiro
grau no país, ver Schwartzman (1999).
14.
Para uma discussão do custo e desempenho das universidades federais, ver o
debate promovido pelo Cebrap entre diversos docentes (Novos Estudos Cebrap,
1996). Consultar também Schwartzman (1996).
15.
Ver a esse respeito a publicação Desenvolvimento da Educação no Brasil
(Ministério da Educação, 1996:29-39).
16.
Sobre a criação das primeiras instituições de ensino superior no país e de seus
cursos, ver Fávero (1977:20-43). Ver também o trabalho de Campos (1999).
17.
Ver a esse respeito o trabalho de Schwartzman e Balbachevsky (1992). Consultar
também o trabalho de Balbachevsky (1996). Quanto à defasagem entre o sucesso da
pós-graduação no país e o ritmo lento da capacitação docente para o ensino
superior, ver o artigo de Guimarães e Caruso (1996).
18.
Até o presente momento existiram três PNPGs: o I PNPG (1975-1980), II PNPG
(1982-1985), e III PNPG (1986-1989). Para uma apreciação detalhada desses
planos e seus impactos na montagem de um sistema nacional de pós-graduação,
consultar o trabalho de Barros (1998:115-161).
19.
Quase um ano depois de instituir o Exame Nacional de Cursos, o MEC, pelo do
Decreto no 2.026, estendeu de forma considerável o processo
de avaliação do ensino de terceiro grau. Segundo esse decreto passaria a
compreender os seguintes procedimentos: a) análise dos principais indicadores
de desempenho global do sistema nacional de ensino superior, por região e
unidade da federação, segundo as áreas do conhecimento e o tipo ou natureza das
instituições de ensino; b) avaliação do desempenho individual das instituições
de ensino superior, compreendendo todas as modalidades de ensino, pesquisa e extensão;
c) avaliação do ensino de graduação, por curso, por meio da análise das
condições de oferta pelas diferentes instituições de ensino e pela análise dos
resultados do Exame Nacional de Cursos; d) avaliação dos programas de mestrado
e doutorado, por área do conhecimento. Esse decreto pode ser encontrado, na
íntegra, em Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
(1997:75-77).
20.
Com relação à participação destacada das instituições públicas no sistema
nacional de pós-graduação, consultar as publicações Capes (1996; 1997). Sobre a
participação das instituições federais na produção científica e na capacitação
docente no país, ver os artigos de Figueiredo e Sobral (1991) e de Sérgio
(1991).
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