UNIVERSIDADE HOJE - ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO
Blog “História do Ensino Superior Brasileiro”,
de autoria de Álaze Gabriel.Disponível em http://historiadoensinosuperiorbrasileiro.blogspot.com.br/
Autoria:Reginaldo
Carmello Corrêa de Moraes.
Professor do Depto. de Ciência Política da Unicamp e bolsista do CNPq.
Autor, entre outros, de Celso Furtado - o subdesenvolvimento e as idéias da
Cepal (São Paulo, Ática, 1995.)
RESUMO:
A
primeira parte da exposição trata de questões atinentes ao ensino de graduação,
examinando criticamente argumentos usualmente esgrimidos para justificar
reformas que aproximem a escola das mutações econômicas e profissionais em curso.
Aponta-se ainda para os vínculos decisivos entre o ensino de graduação e as
demais dimensões da universidade - pesquisa, pós-graduação, extensão. Esta
última, até pela importância que tem adquirido nas últimas décadas, recebe
tratamento próprio na segunda parte do artigo, discutindo o lugar dessa
atividade no conjunto das atividades acadêmicas, seus riscos e suas
potencialidades.
Palavras-chave:
Universidade, ensino superior, pesquisa, serviços de extensão
OBSERVAÇÃO PRÉVIA
Exponho
a seguir alguns pensamentos em voz alta - idéias e provocações a respeito de
problemas, potencialidades e rumos atuais da universidade brasileira. Este
texto foi escrito inicialmente como roteiro para palestras, realizadas na
Universidade do Oeste de Santa Catarina, em abril de 1997, e na Semana de
Graduação da UFMG (dezembro de 1997). A primeira parte do artigo trata de
questões referentes ao ensino de graduação, embora indique vínculos decisivos
entre as diversas dimensões da universidade - ensino, pesquisa, pós-graduação,
extensão. Esta última, até pela importância que tem adquirido nas últimas
décadas, recebe tratamento próprio na segunda parte do artigo. Reitero que se
trata de texto preparado inicialmente para exposições orais. Ainda que
modificado posteriormente, a própria circunstância original, determinando o
tamanho e a forma da exposição, além de condicionar o tom do texto, limitou
igualmente a possibilidade de explorar em detalhes alguns dos exemplos
concretos que são aqui apenas listados.
ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO - ALGUMAS
PERSPECTIVAS NESTE FIM DE SÉCULO
Por
razões que serão notadas mais adiante, tomo como ponto de partida uma diferença
muito conhecida pela "razão teórica", embora nem sempre lembrada pela
"razão prática": a diferença entre universidade e ensino superior,
pura e simplesmente. Isso não constitui novidade, é uma distinção que tem sido
apontada por muitos estudiosos, mas vale a pena enfatizá-la. Uma universidade
tem, geralmente, características próprias, que a diferenciam do ensino de 3º grau,
também ministrado em instituições não universitárias (faculdades, institutos
isolados etc.). Essa distinção nos orienta para perguntar em que direção vai a
universidade (para onde tende a ir e para onde deve ir). Como se repete com
freqüência, a universidade tende a ter, pelo menos, quatro características
específicas:
1ª:
a chamada "universalidade de campo", isto é, ela deve permitir a
estudantes e professores acesso aos diversos campos da cultura e da ciência.
Isto não implica necessariamente que mantenha de modo regular e contínuo todos
os cursos possíveis e imagináveis. Mas significa, necessariamente, que deve
contemplar, inclusive e sobretudo na grade curricular dos cursos existentes,
essa universalidade de campo. Mas deve-se destacar aqui que, para a efetivação
dessa possibilidade de acesso a todas as dimensões do conhecimento e da
cultura, não contribuem apenas grades curriculares ricas e diversificadas. É
também importante, na formação global dos estudantes universitários, o papel
dos convênios, das parcerias, dos intercâmbios, das publicações, dos eventos
culturais, dos cursos especiais, das atividades extracurriculares enfim.
2ª:
o peso relativo e crescente das matrículas relacionadas com áreas das chamadas
ciências duras (exatas, biológicas, tecnológicas).
3ª:
o desenvolvimento de atividades de pós-graduação - com a prática da pesquisa e
o ensino da pesquisa - com fortes setores de especialização, aperfeiçoamento,
mestrado, doutoramento.
4ª:
um amplo espectro denominado "extensão de serviços à comunidade". E
aqui um cuidado: deve-se sempre notar que o próprio ensino e a pesquisa também
são serviços decisivos - aliás, sublinhe-se, são os serviços centrais - da vida
da universidade. Algumas vezes, por ingenuidade ou má fé, vozes menos avisadas
tendem a compreender a "extensão" com o meio pelo qual a universidade
"daria retribuição à sociedade" pelos recursos que recebe. O primeiro
e principal serviço - com o qual a universidade "devolve" à sociedade
o que esta nela investe - é a formação de profissionais e de pesquisadores,
através de suas atividades de ensino e pesquisa que são e devem ser o coração
da universidade. Outro equívoco freqüente é identificar extensão e convênios
com empresas. Em primeiro lugar, é algo apressado identificar
"comunidade" ou "sociedade" com mercado e suas demandas
(com a conveniente contrapartida financeira...). A extensão não pode ser
reduzida a artifício para complementar orçamentos, produzir saldos em caixa.
Extensão deve ser entendida como extensão de pesquisa e ensino. Não o
contrário: pesquisa e ensino como extensão de serviços e convênios...
Intimamente
relacionados com essas características, podemos apontar três modelos (ou
dimensões) que foram se constituindo ao longo da história das universidades
modernas. Esses diferentes modelos enraizaram-se de modo desigual em diferentes
países e épocas. De qualquer modo, hoje a universidade é, felizmente, um pouco
desses três modelos - e ela sempre tem e deve ter, no seu interior, pessoas que
simpatizam ora com este, ora com aquele modelo. Os três modelos, visões ou
aspectos que coexistem na universidade são os seguintes:
1.
A universidade como uma espécie de agente prestador de serviços - tendência
muito forte e atual -, agência de serviços, nos quais se costuma incluir também
atividades de ensino e treinamento menos formalizadas, menos estáveis, menos
seriadas e tradicionais: a formação contínua, a educação permanente, as
reciclagens profissionais. Algumas universidades brasileiras têm hoje mais ou
menos esse perfil, congregando uma enorme variedade de unidades e serviços, não
reservados apenas para seus estudantes e professores, mas voltados para um
público usuário mais amplo: bibliotecas, centros de documentação, arquivos e
bancos de informações, editoras e assessorias de comunicação (produzindo
livros, jornais e revistas), museus, grupos de teatro, música e dança,
orquestras sinfônicas, corais, galerias de artes, estações de rádio e TV
educativas, cineclubes, escolas de extensão, escritórios de transferência de
tecnologia, clínicas psicológicas, assessoria empresarial, incubadoras de empresas
e colégios de aplicação (primeiro e segundo graus).
2.
A universidade como um lugar da pesquisa, da prática da pesquisa e de ensino da
pesquisa, básica e aplicada. Como lugar onde se produz conhecimento novo e onde
se ensina a perseguir tal tipo de conhecimento.
3.
A universidade como um lugar privilegiado de preparação para o exercício de
profissões, cada vez mais regulamentadas e credenciadas -
"escolarizadas", enfim. Trata-se do ensino de profissões não
acadêmicas, no sentido estrito, isto é, que terão suas aplicações futuras
voltadas para esferas não acadêmicas (empresas, governo, outras instituições
sociais etc.).
Inicialmente,
procurarei examinar mais de perto esta terceira dimensão da universidade.
Em
primeiro lugar, vale a pena destacar um fato cada vez mais marcante. As áreas
de ensino estritamente profissional - as escolas que formam engenheiros,
médicos, odontólogos, advogados, agrônomos, veterinários, por exemplo - tendem
a crescer, a se destacar e a se diferenciar numa grande universidade. E é bom
desde logo ter em vista as conseqüências desse fato e preparar-se para elas. É
preciso medir as implicações do crescimento desse aspecto - do
"treinamento profissional" - para as atividades educativas e para a
própria organização da universidade como instituição. É preciso levar em conta
ainda as diferenças provocadas no interior do corpo docente e dos especialistas
da universidade. Estou falando da necessária convivência entre diferentes
perfis, formações, práticas - distinções com relação ao regime de trabalho,
dedicação, identificação com a instituição, participação na gestão
universitária, exigência e reconhecimento de titulações etc.
Alguns
analistas da moderna universidade, como Robert Paul Wolff, advertem que certos
segmentos de professores tendem a manter relações mais intensas e exigentes com
o "mercado" e determinadas instituições sociais (hospitais, empresas,
órgãos de governo, tribunais etc.) - o que significa que essa parte do corpo
docente talvez não possa ou não deseje comprometer-se com a universidade de
modo integral e incondicional, isto é, com todas as suas energias e atenções
(Wolff 1993). Instaura-se (ou amplia-se), então, a distância entre eles e
aqueles outros professores que têm, mais propriamente, uma profissão acadêmica
ou a academia como profissão. Wolff chega a afirmar que a "profissão
acadêmica" é, por assim dizer, a dona da universidade, já que tem nela seu
hábitat natural. A universidade está para os professores de dedicação plena e
exclusiva como o hospital para os médicos ou os tribunais para os advogados, e
assim por diante.
Esta
me parece uma observação preliminar indispensável sobre as conseqüências
institucionais dessa tendência sobre a estrutura da própria universidade. Levar
isso em conta é decisivo para definir com clareza, realismo e objetividade uma
política, necessariamente complexa, clara e articulada, com relação ao corpo
docente.
Isto
posto, vejamos mais de perto o que ocorre com o ensino universitário, na atual
situação. Vou levantar algumas questões, bastante gerais, por um lado, mas
sobre aspectos bastante delimitados do tema, por outro. São reflexões prévias e
amplas, "abstratas" talvez, mas que indicam, acredito, cuidados úteis
para pensar, mais em detalhe a confecção dos currículos, as grades de
disciplinas, os programas de cursos, as metodologias etc.
Tomarei como ponto de partida falas repetidas por algumas de
nossas autoridades em educação - autoridades no sentido estrito do termo -,
pessoas que têm responsabilidades de decisão política, e autoridades acadêmicas
(conhecedores).1Costuma-se
acentuar, nos dias de hoje, as imposições da competição, das mutações profissionais
e das novas tecnologias ante a educação básica. E alguns tendem a concluir que
o ensino básico deveria ter um papel instrumental decisivo para as
possibilidades de reciclagem e adaptação a essas mudanças.
Algumas
vozes acentuam o papel central da educação na chamada "agenda da
modernização". Aponta-se com freqüência - e às vezes com exagero e pressa
- o deslocamento da mão-de-obra, de atividades manuais, repetitivas e
absolutamente previsíveis durante décadas, para atividades que envolvem manejo
de informações, códigos e conhecimentos abstratos, e atividades
"integradas" (diferentes da fragmentação taylorista do trabalho). Uma
crescente intelectualização e enriquecimento das atividades produtivas...
Dentro
desse raciocínio, essas tendências socioeconômicas estruturais dariam singular
importância a determinadas características cognitivas e sociais: criatividade,
inteligência abstrata, capacidade de adquirir visão de conjunto do processo
produtivo, flexibilidade para adaptar-se a situações novas, capacidade de
liderança, de gerenciamento e processamento de informações.
Os mais otimistas garantem que essa nova situação econômica e
social exige a formação não apenas de uma elite altamente educada. Exigiria
"que o conjunto da população tenha acesso aos códigos da leitura,
escrita, matemática e informática e aos conhecimentos básicos de ciências e
humanidade" (Neubauer e Mello 1992, p. 253).2Suponhamos
que tudo isso efetivamente ocorra, ou seja, que as mutações nas profissões e
nas habilidades requeridas são rápidas e amplas, ainda que possamos distinguir
sua direção "intelectualizante" em geral. Nesse caso, seria mais do
que oportuna a observação de L.A. Cunha, feita em outro contexto e com
preocupação bem outra, com respeito ao ensino universitário de qualidade:
"Nele, apenas parte do curso é direta e exclusivamente ligada à atividade
profissional futura do estudante. Até porque o estudante não sabe em que de
fato vai trabalhar, nem outra pessoa pode prever isso para ele" (Cunha
1991, p. 49).
Veja-se
a base do argumento: é provável ou quase certo que o estudante não saiba (e
ninguém pode saber por ele...) em que empresas e ofícios vai trabalhar, com
quais materiais, ferramentas e processos. Nesse caso, resulta
evidente que devemos evitar certas armadilhas, como a tentativa de imaginar
cursos cujos programas e métodos tenham a perspectiva de profissionalização
estrita, hiperespecializada, mas precoce, apressada, profissionalização que se
revelaria frustrada e frustrante...3Aponta-se
como exigência dos novos tempos que se volte a atenção dos educadores para a
"aquisição de competências de longo prazo", o domínio de métodos
analíticos, de múltiplos códigos e linguagens, enfim, para uma qualificação
intelectual de natureza suficientemente ampla e abstrata para constituir, por
sua vez, base sólida para a aquisição contínua e eficiente de conhecimentos
específicos.
Desse
modo, a "nova força de trabalho", qualificada para este novo mundo
produtivo, teria sobre si exigências de formação também sempre novas e mais
elevadas. Ao mesmo tempo, e em contrapartida, tornam-se rapidamente anacrônicos
os conhecimentos específicos gerados pelo puro treino. Parece
tentadora, nesse caso, a aposta na chamada formação geral, com o dom da
polivalência e, ao mesmo tempo e por decorrência, da habilidade cognitiva
necessária para remodelar e reintegrar tarefas antes parcelarizadas e
taylorizadas.4
A
formação geral seria, portanto, uma base a partir da qual os novos agentes
teriam condições para (quando necessário e conveniente) apropriar-se de
conhecimentos específicos impostos pelas mudanças de circunstância e lugar, e
para utilizar esses conhecimentos no modo e no tempo necessários (ou
descartá-los e substitui-los rapidamente, mudadas as circunstâncias...).
Salta
aos olhos a lista de "atitudes" que deveria gerar a nova educação,
lista que, aqui ou ali modificada, reaparece, com insistência, em muitos dos
analistas que tenho mencionado. Tais atitudes e habilidades incluem:
*
capacidade para compreender processos produtivos complexos;
*
conhecimento e utilização de procedimentos lógico-matemáticos;
*
capacidade para ajustar-se entre situações diversificadas, por um lado, e
normas e regras mais estáveis, por outro;
*
capacidade de armazenar, atualizar e processar informações, julgando inclusive
quais são as relevantes;
*
capacidade para inferir tendências, limites e significados dos dados presentes;
*
capacidade para desempenhar diferentes papéis na vida produtiva e social,
adaptando-se rapidamente diante de novas gerações de ferramentas e máquinas,
assim como diante de novas situações sociais.
Também
se repete com freqüência, como dissemos, a idéia de que o extraordinário
reordenamento social das profissões perturbaria qualquer previsão sobre o exato
espectro profissional do futuro. Se o conteúdo das qualificações se modifica
com tal intensidade, profundidade e rapidez, não tem sentido apelar a uma
qualificação específica, logo tornada um equívoco...
Aqui,
ainda uma vez, lembro a observação de Paul Wolff. Destaco que se trata de autor
com pontos de vista e valores algo diferentes daqueles esposados pelos
comentadores que temos citado. Mas há uma passagem desse autor que nos deve
interessar, sobre essa necessidade de o ensino dar mais ênfase à formação
básica - não estritamente especializada e imediatamente aplicada. Vou
parafraseá-lo, interpretando-o, mais do que citá-lo.5
Seguindo seu raciocínio, vale considerar primeiramente que um profissional, um
pesquisador ou estudioso não precisa ter um doutorado "em cada uma das
disciplinas das quais faz uso, nem mesmo em uma só delas". Por outro lado,
quando planejamos um ensino de graduação, tudo indica que, por exemplo, um
curso em teoria econômica e suas lógicas, os diferentes modelos analíticos
utilizados para compreender esses fenômenos, digamos, seria mais importante
para preparar o estudante para uma vida socialmente relevante, do que um curso
específico, ainda que rico e profundo, sobre, por exemplo, a geração de pobreza
e riqueza em tais e tais circunstâncias determinadas. E um domínio da lógica -
outro exemplo - será mais compensador que um seminário estrito, digamos, sobre
a filosofia da guerra, ou a compreensão de um pacote ou linguagem determinados,
ainda que muito úteis e atuais. Nesses dois exemplos, uma dessas
"bases" pode propiciar, ou criar condições, para o desenvolvimento do
conhecimento específico. Em contrapartida, o conhecimento específico e o treino
especializado dificilmente podem gerar o conhecimento analítico e versátil que
possa dar conta de situações diferentes e novas.
A
sociedade e seus problemas estão em um fluxo perpétuo, lembra Wolff. Um
estudante que só lê livros e faz cursos direcionados estritamente à solução dos
problemas presentes e locais dificilmente aprenderá algo que possa ajudá-lo a
identificar e resolver os problemas futuros, problemas não presentes e não
locais, e talvez problemas sequer imaginados nos exercícios de aplicação do nosso
livro-texto tão bem comportado. Se ele aprender apenas aplicação de técnicas
especializadas, nunca aprenderá como desenvolver novas técnicas de análise e de
solução de problemas. Seu pensamento ficará preso ao nível superficial, da
resposta imediata em face de eventos corriqueiros. Em contraste, diz Wolff, o
trabalho intelectual original, importante e criador sempre caminha a uma
considerável distância dos problemas imediatos e, por essa razão,
freqüentemente parece "irrelevante" ou "abstrato".
O
que desejo é sublinhar a necessidade dessa "certa distância" e
independência - dos pesquisadores, dos teóricos e dos "ensinadores" e
estudiosos - com relação a questões imediatas, locais - ou pelo menos e
certamente com seu exclusivo caráter imediato, local e "prático". A
universidade tem que reivindicar, obter e garantir um espaço relevante para o
estudo e o ensino daquilo que é geral, do não imediato e do não local - daquilo
que até parecerá abstrato e irrelevante para quem está preso aos problemas corriqueiros.
Aquilo que não tem aplicação imediata e direta, mas possibilita e prepara para
a aprendizagem da adaptação permanente.
Esse
espaço é decisivo até mesmo para oxigenar o ensino, torná-lo mais criativo e
instigador, para que saibamos educar (e não simplesmente treinar) gente que
saiba criar, responder a desafios, não apenas aplicar, reproduzir fórmulas
quando as situações se repetem. Criar quando as situações são diferentes, não
quando são similares. Utilizar o conhecimento abstrato e geral para enfrentar situações
concretas novas - que não estavam exatamente no livro de exercícios
padronizados, o livro-texto daquele cursinho aparentemente tão prático e útil,
em que fomos tão bem treinados... para coisas que desapareceram logo a
seguir... se é que um dia existiram daquele modo...
Por
meio deste comentário do Wolff, deixo apenas sugerida a importância da terceira
dimensão da universidade - a prática da pesquisa e ensino da pesquisa. É uma
das razões pelas quais acredito que professores que tenham tido, pelo menos
algumas vezes na vida, o contato com a atividade de pesquisa pura ou aplicada,
que tenham passado pelos seus desafios, dificuldades e prazeres, têm também
como tornar seu ensino provocativo, desafiador, inovador. Esses
professores provavelmente estarão mais preparados6
para ensinar, mais do que uma disciplina (até no sentido muitas vezes militar
que este termo sugere...), com exercícios repetitivos, padronizados, que
treinam uso de certos instrumentos. Ensinar, isto sim, como usar criativamente
esses instrumentos - ou como jogá-los fora inventando outros. Numa palavra,
ensinar aquilo que hoje é indispensável saber, num clichê que tem sido tão
difundido quanto mal compreendido e aplicado: aprender como aprender, saber
avaliar quais as informações relevantes no mundo atual, como e onde recolhê-las
e como combiná-las para resolver problemas. Este é um ensino oxigenado pela
pesquisa.
O
que é um professor que não está constantemente investigando e informando-se a
respeito de problemas e novidades de sua disciplina (inclusive dos métodos
alternativos que têm sido utilizados para o ensino dessa disciplina)? É muito
possível (é mesmo provável) que esse professor também não ensine bem. Em todo o
caso, "desindividualizando" o foco, é certo que uma universidade que
não pesquisa não ensina bem. E parece mais do que evidente: universidade que
não pesquisa não produz extensão de boa qualidade (pode produzir, é claro,
"picaretagem" bem paga, o que é outra coisa, e de curta duração).
Até
por esses motivos, é impossível concordar com as posições simplificadoras que
têm sido externadas por autoridades educacionais brasileiras, quando afirmam,
por exemplo, que a "ênfase no ensino universitário foi uma característica
de um modelo de desenvolvimento auto-sustentado, desplugado da economia
internacional e hoje em estado de agonia terminal". A afirmação é de Paulo
Renato de Souza, ex-secretário da Educação de São Paulo (governo Montoro),
ex-reitor da Unicamp e atual ministro da Educação (revista Exame, 17 de
julho de 1996).
Para
mantê-lo, era necessário criar uma pesquisa e tecnologia próprias. Com a
abertura e a globalização, a coisa muda de figura. O acesso ao conhecimento
fica facilitado, as associações e joint ventures se encarregam de prover
as empresas de países como o Brasil do know-how que necessitam. Alguns
países, como a Coréia, chegaram mesmo a "terceirizar" a universidade.
Seus melhores quadros vão estudar em escolas dos Estados Unidos e da Europa.
Faz mais sentido do ponto de vista econômico.
Ora, como os próprios assessores e analistas próximos do ministro
destacam, é exatamente por causa das novas relações de trabalho e da nova forma
de organização da vida econômica que o ensino superior e a pesquisa adquirem
importância.7De
qualquer modo, creio que se possa sustentar - com base nos próprios dados e
análises que o ministro, seus assessores e simpatizantes julgam válidos, a
respeito do papel da educação na "agenda da globalização flexível":
que a importância do ensino universitário e do ensino intimamente ligado à pesquisa
não é característica de um "modelo de desenvolvimento desplugado da
economia internacional e hoje em estado de agonia terminal". Muito pelo
contrário, existe sim alguma coisa desplugada no argumento do ministro...
Com
a abertura internacional, globalização, ou como quer que se entenda e nomeie
esse processo, o acesso ao conhecimento é ainda mais estratégico e não pode
depender apenas de "associações e joint ventures". Aliás, para
haver associações, é preciso que haja aqui algo ou alguém que possa associar-se
proveitosamente. Ciência e tecnologia fazem parte de uma cultura, e só enraizam
e dão frutos quando se prepara solo rico para isso. E são fundamentalmente
processos e não apenas produtos... Terceirizar a universidade não faz sentido
do ponto de vista econômico, como comprova a própria Coréia, apontada
vesgamente como exemplo. De qualquer modo, é bom lembrar que temos nesse
argumento um ponto de vista econômico considerado muito estreitamente -
"econômico" parece reduzido a acerto contábil de livro-caixa. Mas, de
qualquer modo, o ponto de vista econômico não é o único ponto de vista. E
existem vários pontos de vista econômicos, não apenas um. Felizmente.
MULTIVERSIDADE - A EXTENSÃO DA UNIVERSIDADE
PARA FORA DE SEUS MUROS
Vejamos
agora o que significa esta dimensão cada vez mais relevante nas atividades da
universidade, levando-a a constituir dentro de si uma série de agências de
prestação de serviços.
Vou
começar esse tópico com observações de Clark Kerr, ex-reitor da Universidade da
Califórnia, no início dos anos 60. Kerr propôs esse termo -
multiversidade - como definidor da nova universidade, em um livro cujo título é
ele mesmo uma provocação: Os usos da Universidade.8
Vou insistir nos comentários desse livro, porque são passagens muito
interessantes para ajudar a entender para onde foram as universidades em muitos
países, incluindo o Brasil.
Conforme lembra o professor Jacques Velloso, algumas
universidades brasileiras têm hoje mais ou menos esse perfil, congregando uma
grande variedade de unidades e serviços: bibliotecas, centros de documentação,
arquivos e bancos de informações (não reservados apenas para seus estudantes),
editoras e assessorias de comunicação (produzindo livros, jornais e revistas),
museus, grupos de teatro, música e dança, orquestras sinfônicas e de câmara,
corais, galerias de artes, estações de rádio e TV educativas, cineclubes,
escolas de extensão, escritórios de transferência de tecnologia, clínicas
psicológicas, assessoria empresarial e incubadoras de empresas, colégios de
aplicação (primeiro e segundo graus) (Veloso 1991).9Essa
é uma aproximação empírica de uma realidade em constituição. Quais são as
conseqüências de tal fenômeno? Kerr afirma que a "multiversidade" tem
várias almas, várias metas, vários senhores, várias comunidades, ou várias
clientelas, conforme preferem dizer os simpatizantes de uma certa
"modernidade".
Esse
modelo tem conseqüências e problemas, alerta o próprio Kerr. Em primeiro lugar,
nele muda a figura do professor e pesquisador. A ele se juntam o perfil do
consultor e do administrador. O ensino já não é sua atividade única, às vezes
nem mesmo a principal. É fácil apontar a importância
adquirida pela pesquisa - a ponto de encontrarmos docentes que não mais
ensinam, ou que não mais desejam fazê-lo!10O
trabalho de consultoria e outras fontes de renda adicional teriam dado origem
ao chamado "professor rico", uma categoria que realmente talvez
inclua alguns, mas nunca todos os docentes. Some-se a isto o fato de muitos
docentes, com seus assistentes de pesquisa e assistentes de ensino,
laboratórios, centros, núcleos especiais, departamentos e institutos,
transformaram-se em administradores - administradores acadêmicos ou
administradores de fundações e projetos, cuja vida é determinada muito longe da
universidade, em alguma coisa que alguns chamam de "comunidade",
"sociedade", ou mesmo de "mercado", conforme as
preferências ou os graus de dissimulação exigidos pelas conveniências... As
atividades de alguns desses professores são várias e nelas o ensino não é
certamente a principal. A descrição que faço (em grande medida a partir dos
comentários de Kerr) não é necessária nem completamente crítica, embora possa
parecer, pela crueza da situação: algumas dessas mudanças vieram para ficar.
O
mundo intelectual fragmenta-se progressivamente, à proporção que os interesses
vão-se tornando muito mais diversificados. Talvez por isso haja cada vez menos
temas comuns nas discussões das associações de docentes e mesmo em órgãos
colegiados. Os docentes relacionam-se mais com seus colegas
de disciplinas acadêmicas, nos grupos nacionais, do que com os membros da própria
instituição.11
E vários deles relacionam-se muito mais com o universo extra-acadêmico.
Outra
conseqüência é que muda (ou se reduz, para ser mais exato) a forma de controle
da universidade sobre seu próprio destino, sua própria identidade. Os
orçamentos convencionais da universidade - fontes estatais, anuidades e taxas,
doações - são geralmente submetidos a planejamento interno e a revisões
periódicas, promovidas conforme diretrizes fixadas pela própria universidade
(seus órgãos colegiados). Mas esses recursos são cada vez mais
"completados" por verbas extra-orçamentárias de variada origem e
natureza. As verbas vindas de órgãos financiadores públicos (CNPq, Finep,
Fapesp etc.) geralmente têm sua assignação e seu uso determinados por uma
relação específica do professor (ou grupo de pesquisa) com a agência
financiadora. Nem sequer são examinadas pelos organismos internos encarregados de
verificar distribuição e aplicação do orçamento próprio, fixação de prioridades
etc. Desse modo, uma parte grande e crescente das despesas de uma universidade
pode vir a ser manuseada fora dos canais normais eleitos e controlados pela
própria universidade. Essas verbas, por sua vez, comprometem alguns dos fundos
próprios da universidade, isto é, influenciam o orçamento interno,
convencional, já que acabam por influenciar decisivamente a alocação de espaço,
instalações e equipamentos. Determinam também em grande parte a distribuição de
tempo entre ensino e pesquisa e estabelecem, em alto grau, as áreas nas quais a
universidade cresce mais rapidamente. Desse modo, a universidade é transformada
quase que imperceptivelmente - e por dentro.
Desse
modo, as autoridades internas têm seu poder de decisão reduzido. Os professores
e grupos que são "titulares" dos projetos financiados relacionam-se
prioritariamente com agências externas e autoridades externas.
Kerr
lembra alguns efeitos nocivos que saltam à vista desde logo, problemas que
surgem necessariamente e com os quais teremos de conviver (e resolver...). Vale
a pena mencionar alguns deles.
Alguns
docentes passam a usar a pressão dos representantes da agência com que mantêm
relações contra sua universidade. Eles podem tentar forçar a criação de uma
nova unidade administrativa ou a destinação de terreno para seu próprio
edifício especial, em confronto com as diretrizes ou prioridades gerais da
universidade. (...) Além disso, alguns docentes tendem a transferir sua
identificação e lealdade da instituição a que pertencem para a agência em
Washington. Sua preocupação com o bem-estar geral da universidade é desgastada
e eles se tornam mais inquilinos do que proprietários, levando suas subvenções
consigo quando mudam de domicílio institucional. (...) A universidade
transforma-se de certa maneira num "hotel". A agência transforma-se
em nova alma mater. O empresário de pesquisa transforma-se num eufórico
esquizofrênico.
Existem,
entretanto, problemas particularmente agudos quando a agência insiste numa
contraprestação, numa contrapartida - se fizermos isto para vocês, ficarão
obrigados a fazer aquilo para nós. Ou quando a agência exige relatórios
freqüentes e pormenorizados sobre o progresso dos trabalhos. Então a
universidade não é de fato um agente tão livre. Toda ela se transforma numa
espécie de sistema de "aplicação de fundos" em que a agência ocupa o
lugar do negociante-capitalista de antigamente (Kerr 1982, pp. 57-58).
Cada
vez mais isto diferencia materialmente os docentes, aumentando também as
diferenças no que eles pensam e desejam, nos seus julgamentos e valores, assim
como em seu status e poderes no interior da instituição.
Vejamos
agora o que ocorre com relação ao controle que a universidade pode manter sobre
seus projetos próprios, sobre os projetos que pretende estimular,
independentemente daqueles com financiamento garantido por agências externas,
já que pode haver - e freqüentemente há - gritantes diferenças entre as
prioridades da universidade e as dos financiadores de projetos. Há
diferenças por exemplo entre a necessidade - alegada pelos governos e empresas
- de pesquisa a curto prazo, por um lado, e os interesses e as capacidades do
cientista acadêmico, por outro, assim como as exigências e imposições próprias
da pesquisa de longo prazo.12Na
medida em que se concedem subvenções institucionais, elas deveriam acompanhar
as dos projetos. Alguém já sugeriu por exemplo que 25% poderiam ser dotados às
instituições, como verbas livres, contra 75% em verbas para projetos. Vinte e
cinco por cento parece uma cifra adequada. Estas verbas institucionais poderiam
ser mais bem usadas pelas universidades em novos projetos, pequenos projetos,
apoio a docentes mais jovens, desconhecidos em Washington, e em áreas
negligenciadas pelas subvenções federais diretas particularmente conhecidas.
Deste modo, as avaliações de "mérito" das universidades, um tanto
diferentes, poderiam suplementar os padrões de mérito das agências federais.
(Kerr 1982)
É
oportuno lembrar o tipo de acordo que há muitas décadas vem sendo feito entre
algumas universidades norte-americanas e empresas - para cada dólar investido
no projeto específico de interesse da empresa, estipula-se doação de outro
dólar para o fundo geral da universidade. Acordos desse tipo vêm sendo feitos
também por universidades brasileiras, algumas das quais chegaram a estabelecer
jurisprudência própria a respeito de convênios e de percentuais recolhidos por
estes ao fundo geral de pesquisa da universidade.
Esta
exposição de Kerr foi feita em 1962, de modo otimista e mesmo entusiástico,
embora ele também apontasse para alguns problemas. Talvez, aliás, apontasse
mais críticas e problemas do que alguns de seus apressados seguidores
brasileiros...
Vejamos
contudo as potencialidades e os dilemas apontados por um crítico de Kerr, o já
mencionado R. Paul Wolff. Wolff comenta a necessária e positiva relação desta
multiversidade com a comunidade que a cerca. Vou parafraseá-lo e
"atualizar" algumas de suas observações. A seu ver, "a justiça
social, bem como a história, exige que a universidade sirva à sociedade na qual
ela se insere". Ela consome recursos e, de algum modo e em certas
proporções, os professores e os estudantes estão vivendo do trabalho dos
contribuintes, isto é, do trabalho dos outros. Isto posto, diz Wolff, é
certamente razoável que os beneficiários desses recursos devam devolver uma
parte do seu valor à sociedade, na forma de inovação tecnológica, consultoria
especializada, treinamento profissional e cooperação em empreendimentos
socialmente úteis. ...
Não
é só tradicional e justo que a universidade sirva à sociedade; é também
extremamente útil que ela o faça, insiste Wolff. Afinal, a sociedade tem uma
"necessidade insaciável de conhecimento e aconselhamento especializado, e
as universidades são o grande repositório dessa sabedoria". Nesse sentido,
seria desperdício uma grande universidade permanecer "sem uso" numa
sociedade como a nossa, em que não há um único empreendimento, desde a
formulação da política externa até a organização do controle social da escola
pública, que não se beneficie da participação ativa do pessoal da
multiversidade (Wolff 1993, p. 60).
Mas,
lembra Wolff acendendo os alarmes, não se pode deixar de medir cuidadosamente,
nas parcerias estabelecidas, aquilo que se pode aceitar e aquilo que não
se deve admitir. "Atender necessidades" é muitas vezes confundido com
"atender demanda efetiva". Nem sempre as demandas às quais atende a
universidade são demandas legítimas, ou correspondem a necessidades humanas e
sociais indiscutíveis, postas acima e além de qualquer suspeita ou dissidência.
Pode-se argumentar que a sociedade precisa mais de cientistas e técnicos de
tais e tais especialidades. Mas muitas vezes essa "demanda"
corresponde a projetos com os quais a universidade tem conflito primordial.
Tomemos como exemplo os programas de armamento e preparação para a guerra e de
tecnologia para controle de manifestações, por exemplo; seriam eles,
indiscutivelmente, necessidades sociais?
Cito
Wolff diretamente:
Mas
a alternativa [prossegue Wolff criticando Kerr] é admitir, sem questionar, que a
multiversidade deve aceitar os objetivos e os valores de quem quer que, nos
Estados Unidos, tenha dinheiro para pagar por eles. Em vez de chamar seu ensaio
de "Os Usos da Universidade", ele poderia, mais adequadamente,
tê-lo intitulado Aluga-se uma Universidade!
(...)
Certamente
deveria ficar claro que a academia deve fazer seu próprio julgamento sobre o
valor social das tarefas que ela é chamada a realizar. Mesmo que o Governo
Federal queira pesquisa bélica ou estudos sobre estabilidade política ou treinamento
de oficiais, os professores e estudantes da universidade podem decidir que o
Governo está errado e que devem resistir aos seus desejos. (1993, pp. 67-68)
Para
concluir, creio que se poderia retomar a advertência de Wolff e mesmo
extremá-la: não necessitamos apenas de colaboração, mas também e sobretudo de
crítica. E em alguns casos, e em certos momentos, de muita crítica e nenhuma
colaboração...
NOTAS TÉCNICAS:
1.
Nos próximos parágrafos, aliás, apenas retomo, sem referir a cada momento,
argumentos desenvolvidos por outros autores, a eles sendo devido qualquer
eventual crédito quanto à originalidade. Para detalhadas e renovadas revisões
da literatura e dos temas em discussão nessa área, ver Vanilda Paiva, 1985;
Paiva 1995. Ver ainda, sob outro ângulo: Paiva e Warde 1993. Cf. também
Neubauer e Mello 1992; Paiva 1993. Para uma crítica dessas abordagens, ver
Costa 1994 e Ferreti 1997.
2.
O grifo pretende chamar atenção para um argumento equivocado, embutido na
frase. Parece bastante discutível a afirmação de que tal
"competitividade" exige esse tipo de formação relativamente
sofisticada para o conjunto da população. Sobretudo quando lemos documentos do
Banco Mundial nos quais se sugere que continentes inteiros são
"dispensáveis". E quando se observa que a tal reestruturação
produtiva está decretando como dispensáveis - inempregágeis ou inintegráveis -
segmentos cada vez maiores da população potencialmente ativa, mesmo no interior
de "países não dispensáveis". A esse respeito, veja-se, por exemplo
Forrester 1997. Aliás, as recomendações do BM quanto às políticas públicas na
América Latina, tanto quanto as muito correlatas políticas do governo
brasileiro (União e estados), têm seguido esta lógica, mais cinza e crua, e não
o argumento mais temperado e otimista da professora Rose Neubauer.
3.
Em debate recente, pesquisadores da Escola de Comunicações da USP lembraram-me
sondagem realizada entre egressos de seus cursos - jornalismo, publicidade,
mídia em geral. Curiosamente, a quase totalidade dos entrevistados disse que
nos primeiros dois anos de profissão revelaram-se mais úteis as disciplinas
mais "técnicas" e dirigidas ao treino profissional estrito senso.
Contudo, a partir desse patamar imediato, de inserção primária no emprego,
foram as disciplinas teóricas que os capacitaram a permanecer (e progredir)
nesse mercado de trabalho altamente mutante.
4.
Para entender avaliações que chamamos de particularmente "otimistas",
cf. o artigo já citado de Rose Neubauer e G. Namo de Mello (Neubauer e Mello
1992). Ver também Paiva 1993. Neste ensaio, Vanilda Paiva afirma a existência
(passageira) de "felizes coincidências" entre projetos políticos à
primeira vista antagônicos: "Em síntese: pensando em termos políticos,
demanda-se maior cooperação entre trabalhadores com formação a mais diversa e
empresários (ou seja, uma política de reconciliação de classes). No entanto, do
ponto de vista das tradicionais demandas dos trabalhadores, na área da educação
houve um ganho definitivo, mesmo quando o raciocínio possa mover governos e
empresas numa direção acentuadamente instrumental" (Paiva 1993, p. 317). E
mais adiante: "As tendências indicadas neste texto no que se refere ao tipo
de qualificação requerida nos nossos dias parecem compor um quadro de razoável
consenso. O empresariado, sob pressão da renovação tecnológica, desembocou em
posições que tradicionalmente têm sido reivindicadas pelos trabalhares"
(Paiva 1993, p. 322). Radicalizando o argumento, mas de forma alguma
violentando sua lógica, pode-se vislumbrar aqui uma "astúcia da
razão" a induzir identificação (ou subsunção) dos interesses de uma das
classes aos de seus antagonistas. Ou talvez fosse mais correto chamá-los, ainda
uma vez, de "companheiros de viagem", pelo menos em determinada
"etapa" da história.
5.
Para quem quiser ler o argumento original de Wolff, sem minhas frases, confira
a p. 111 do livro citado.
6.
Em tempo me foi lembrado, com justiça, em certa ocasião: não quer dizer que o
façam ou queiram fazer...
7.
O exemplo da Coréia é, em primeiro lugar, sofístico e simplificador, não
levando em conta as particularidades históricas recentes daquele país. Mas é
também desastroso. E não estou me referindo aos fatos deste último mês, quando
a referência adquiriria um tom macabro - a comparação com a Coréia é desastrosa
justamente para sustentar essa afirmação do ministro, no terreno estrito da
educação superior. Temos perto de 1,5 milhão de universitários, num país de 150
milhões de habitantes. O professor Jacques Velloso levanta alguns dados
interessantes sobre a Coréia: também 1,5 milhão de universitários, mas para uma
população de 45 milhões. E é verdade que a Coréia envia estudantes para
especializar-se no exterior. Para ser mais exato, tinha 30 mil bolsistas no
exterior em 1990 (último ano para o qual Velloso tinha números comparáveis).
Naquele ano o Brasil tinha perto de 9 mil estudantes. Proporcionalmente, teria
de ter algo em torno de 90 mil. Se o ministro quiser "colar" o modelo
coreano vai se meter em algumas dificuldades... até porque o Brasil talvez
corte mais bolsas e verbas de pesquisa do que a Coréia... Os dados são
extraídos de introdução de Velloso à coletânea por ele organizada: Universidade
pública, política, desempenho, perspectivas. Campinas, Papirus, 1991, pp.
24-25.
8.
A rigor, muitas das observações feitas aqui foram sugeridas pelo livro de Kerr,
que chegou a ter uma edição brasileira (Kerr 1982).
9.
Talvez valha a pena mencionar um caso muito especial de serviços, o da
Assistência médico-hospitalar. Reproduzo a seguir argumentação de Jacques
Veloso (Veloso 1991). Cerca de 60% das universidades federais mantêm hospitais;
considerando o conjunto das universidades públicas do país, o número se fixa
perto dos 40%. Segundo os dados de 1989-1990, eles constituem um sistema mais
amplo do que a rede própria do Inamps. Em várias dessas universidades, perto de
1/3 do pessoal técnico-administrativo trabalha no hospital. Além disso, são
essas casas de saúde que tratam de doenças que exigem tratamento complexo e
equipamento sofisticado.
10.
Nessa direção vale consultar os dados reproduzidos pela revista The
Economist (edição de 4/10/1997) - em um interessante dossiê sobre as
universidades contemporâneas - de uma pesquisa da Carnegie Foundation for the
Advancement of Teaching. É certo que tais dados têm um caráter indicativo e
devem ser tomados com muitas ressalvas, sobretudo quanto à extensão das
inferências daí resultantes.
11.
Também para essa tendência são mencionados indicadores interessantes no
mencionado dossiê da Economist.12.
Sem falar em outras diferenças e conflitos, como por exemplo aquele relativo a
sigilos e patentes, difusão ou apropriação de resultados etc.
BIBLIOGRAFIA
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reforma educacional". In:Educação & Sociedade nº 49.
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universities: The knowledge factory". 4/10/1997, pp. 1-22 (encarte).FERRETI,
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FORRESTER,
Vivianne. Horror econômico. São. Paulo, Ed. Unesp, 1997.KERR,
Clark. "Os usos da universidade". Fortaleza, Ed. Universidade Federal
do Ceará, 1982 (trad. Débora Cândida Dias Soares).NEUBAUER,
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Estado e Educação. Papirus/Cedes/Ande/Anped, 1992 (coletânia CBE).PAIVA,
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Jacques (org.). Universidade pública, política, desempenho, perspectivas.
Campinas, Papirus, 1991, pp. 24-25.VELOSO,
Jacques. "Custos reais e custos contábeis da universidade pública". In:
Velloso, 1991.
WOLFF,
Robert Paul. O ideal da universidade. São Paulo, Ed. Unesp,1993.
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