Blog Faculdades e Universidades Brasileiras, de autoria de Álaze
Gabriel. Disponível em http://faculdadeseuniversidadesbrasileiras.blogspot.com.br/
Autoria:
Maria
de Lourdes de Albuquerque Fávero. Livre Docente em Educação/PUC-Rio (1976).
Coordenadora do PROEDES/FE/UFRJ; Professora do Mestrado em Educação/FE/UCP e
Pesquisadora 1 A do CNPq.
A
UNIVERSIDADE NO BRASIL: DAS ORIGENS À REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968
RESUMO
Situa as tentativas de criação de
universidades no Brasil da Colônia ao Impé-rio e início da República, que não
tiveram êxito. Registra a promulgação de vários dispositivos legais referentes
ao ensino superior na Primeira República, embora a criação de universidades
tenha sido postergada pelo Governo Federal até 1920, quando foi instituída a
Universidade do Rio de Janeiro (URJ). Registra ainda, na década de 20, as discussões
da Academia Brasileira de Educação e da Academia Brasileira de Ciências sobre
concepções, funções e modelos de universidade. Analisa a Reforma de Ensino
Superior de Fran-cisco Campos (1931) e sua tendência centralizadora,
registrando no período a criação da Universidade de São Paulo (1934) e da
Universidade do Distrito Federal (1935), que expressam concepções distintas à
proposta federal.
Situa a instituição da Universidade do
Brasil (1937) como modelo padrão, criada em 1920 (URJ) e reorganizada em 1931.
Discute a universidade no pós-1945, destacando a tomada de consciência de sua
situação por vários setores da sociedade, a partir dos anos 50, e, em especial,
o papel do movi-mento estudantil no início dos anos 60. Apresenta algumas
medidas oficiais decorrentes dos acordos MEC/USAID, do Plano Atcon e do Relatório
Meira Mattos. Analisa a Reforma Universitária de 1968 e suas conseqüências para
as instituições universitárias.
PRELIMINARES
Muito já se falou nesses últimos anos
sobre a universidade no país. Diferentes interpretações foram apresentadas
sobre a história dessa insti-tuição e seus impasses, mas o desafio maior é
transformá-la. Para tanto, faz-se necessário ter conhecimento de sua realidade,
criação e organização, como funciona e se desenvolve, quais as forças que podem
ser mobilizadas a fim de empreender as mudanças almejadas. Todavia, tal
empreendimento não se faz sem relacionar essa instituição com o conjunto da
sociedade, na ótica de sua dimensão política. O ponto de partida para qualquer
discussão sobre universidade não poderá ser, portanto, “o fenômeno
universitário” analisado fora de uma realidade concreta, mas como parte de uma
totalida-de, de um processo social amplo, de uma problemática mais geral do
país.
Em decorrência de estudos e pesquisas
realizados sobre a história dauniversidade brasileira, suas origens,
desenvolvimento e impasses vivenciados até a Reforma Universitária de 1968,
poder-se-ia observar quehá um longo caminho a percorrer. Não se pretende
afirmar, com isso, que algumas conquistas já não se fizeram sentir. Neste
sentido, a universidade é convocada a ser o palco de discussões sobre a
sociedade, mas não emtermos puramente teóricos, abstratos. Deve ser o espaço em
que se desen-volve um pensamento teórico-crítico de idéias, opiniões,
posicionamentos, como também o encaminhamento de propostas e alternativas para
soluçãodos problemas. Não resta dúvida de que essas tarefas constituem um
apren-dizado difícil e por vezes exaustivo, mas necessário.
No entanto, seria ingenuidade pensar que
a crise e/ou impasses que as instituições universitárias enfrentaram até a
década de 60 do século passa-do se restringem à universidade ou se
circunscrevem aos limites do univer-so educacional. A crise da universidade
pode ter relação íntima com o co-lapso de instituições existentes na sociedade
brasileira, que não satisfazem ou não atendem aos interesses da velha ordem e,
ao mesmo tempo, ainda não tinham assumido um papel atento a responder às
necessidades emer-gentes. Uma questão se impõe: por que, no início do século
XXI, nos preocuparmos em discutir a universidade no Brasil, situando sua
história e os impasses por ela vividos até os anos 60?
Refletindo sobre essa questão, pode-se
inferir que alguns desses impasses vividos pela universidade no Brasil poderiam
estar ligados à pró-pria história dessa instituição na sociedade brasileira.
Basta lembrar que ela foi criada não para atender às necessidades fundamentais
da realidade da qual era e é parte, mas pensada e aceita como um bem cultural
oferecido a minorias, sem uma definição clara no sentido de que, por suas
próprias funções, deveria se constituir em espaço de investigação científica e
de produção de conhecimento. Produção essa que deveria procurar responder às
necessidades sociais mais amplas e ter como preocupação tornar-seexpressão do
real, compreendida como característica do conhecimento científico, mas sem a
falácia de respostas prontas e acabadas.
TENTATIVAS
DE CRIAÇÃO DE UNIVERSIDADE NO BRASIL
A história da criação de universidade no
Brasil revela, inicialmente, considerável resistência, seja de Portugal, como
reflexo de sua política de colonização, seja da parte de brasileiros, que não
viam justificativa para a criação de uma instituição desse gênero na Colônia,
considerando mais adequado que as elites da época procurassem a Europa para
realizar seus estudos superiores (MOACYR, 1937, p. 580-581). Desde logo,
negou-a a Coroa portuguesa aos jesuítas que, ainda no século XVI, tentaram
criá-la na Colônia. Em decorrência, os alunos graduados nos colégios jesuítas
iam para a Universidade de Coimbra ou para outras universidades européias, a fim
de completar seus estudos.
Entre as tentativas de criação de universidade
no Brasil, ao longo dos anos, registra-se, no nível das intenções, a que
constava da agenda da Inconfidência Mineira. Tentativas, sem êxito, continuam
por mais de um século. Uma delas coincide com a transferência da sede da
Monarquia para o Brasil. Portanto, não seria exagero inferir que Portugal
exerceu, até o final do Primeiro Reinado, grande influência na formação de
nossas elites. Todos os esforços de criação de universidades, nos períodos
colonial e monárquico, foram malogrados, o que denota uma política de controle
por parte da Metrópole de qualquer iniciativa que vislumbrasse sinais de
inde-pendência cultural e política da Colônia (FÁVERO, 2000, p. 18-19). Importa
lembrar ainda que, mesmo como sede da Monarquia, o Brasil consegue apenas o
funcionamento de algumas escolas superiores de caráter profissionalizante. Ou
seja, “o novo ensino superior nasceu sob o signo do
Estado Nacional” (CUNHA, 1980, p. 62). A
partir de 1808, são criados cur-sos e academias destinados a formar, sobretudo,
profissionais para o Esta-do, assim como especialistas na produção de bens
simbólicos, e num pla-no, talvez, secundário, profissionais de nível médio
(CUNHA, 1980).
Nesse contexto, no ano da transmigração
da Família Real para o Bra-sil é criado, por Decreto de 18 de fevereiro de
1808, o Curso Médico de Cirurgia na Bahia e, em 5 de novembro do mesmo ano, é
instituída, no Hospital Militar do Rio de Janeiro, uma Escola Anatômica,
Cirúrgica e Mé-dica. Outros atos são sancionados e contribuem para a
instalação, no Rio de Janeiro e na Bahia, de dois centros médico-cirúrgicos,
matrizes das atuais Faculdades de Medicina da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (VILLANOVA, 1948, p.
8).
Em 1810, por meio da Carta Régia de 4 de
dezembro, é instituída a Acade-mia Real Militar, inaugurada em abril do ano
seguinte. Foi nessa Academia que se implantou o núcleo inicial da atual Escola
de Engenharia da UFRJ (VILLANOVA, 1948). Algumas modificações mais
significativas parecem ocor-rer com a criação dos cursos jurídicos, em 1827,
instalados no ano seguin-te: um em 1º de março de 1828, no Convento de São
Francisco, em São Paulo, e outro no Mosteiro de São Bento, em Olinda, em 15 de
maio daque-le ano. Segundo João Roberto Moreira, esses dois cursos passam a ter
grande influência na formação de elites e na mentalidade política do Impé-rio.
Constituem, sem dúvida, centros de irradiação de novas idéias filosófi-cas, de
movimentos literários, de debates e discussões culturais que inte-ressavam à
mentalidade da época. E mais, tornam-se provedores de qua-dros para as
assembléias, para o governo das províncias e também para o governo central
(MOREIRA, 1960, p.53).
No Império, outras tentativas de criação
de universidades se fizeram sem êxito; uma delas foi apresentada pelo próprio
Imperador, em sua últi-ma Fala do Trono (1889), propondo a criação de duas universidades,
uma no Norte e outra no Sul do país, que poderiam constituir-se centros de alta
organização científica e literária. Proclamada a República, outras tentativas
são feitas. Cabe lembrar que, na Constituição de 1891, o ensino superior é
mantido como atribuição do Poder Central, mas não exclusivamente.
De 1889 até a Revolução de 1930, o
ensino superior no país sofreu várias alterações em decorrência da promulgação
de diferentes dispositivos legais. “Seu início coincide com a influência
positivista na política educacional, marcada pela atuação de Ben-jamin
Constant, de 1890-1891” (CUNHA, 1980, p. 132). Tal orientação é ainda mais
acentuada com a Reforma Rivadávia Corrêa, em 1911, que ins-titui também o
ensino livre. Embora o surgimento da universidade, apoiado em ato do Governo
Federal, continuasse sendo postergado, o regime de “desoficialização” do ensino
acabou por gerar condições para o surgimento de universidades, tendendo o
movimento a deslocar-se provisoriamente da órbita do Governo Federal para a dos
Estados. Nesse contexto surge, em 1909, a Universidade de Manaus; em 1911 é
instituída a de São Paulo e, em 1912, a do Paraná (MICHELOTTO, 2006) como
instituições livres.
Será oportuno observar, no entanto, que
somente em 1915 a Reforma Carlos Maximiliano, por meio do Decreto nº 11.530,
dispõe a respeito da instituição de uma universidade, determinando em seu art.
6º: “O Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em universidade as
Escolas Poli-técnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma
das Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização e
dan-do-lhe gratuitamente edifício para funcionar”.
Em decorrência, a 7 de setembro de 1920,
por meio do Decreto nº 14.343, o Presidente Epitácio Pessoa institui a
Universidade do Rio de Ja-neiro (URJ), considerando oportuno dar execução ao
disposto no decreto de 1915. Reunidas aquelas três unidades de caráter
profissional, foi-lhes assegurada autonomia didática e administrativa. Desse
modo, a primeira universidade oficial é criada, resultando da justaposição de
três escolas tradicionais, sem maior integração entre elas e cada uma conservando
suas características. E mais, comparando a Exposição de Motivos do Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, Alfredo Pinto Vieira de Mello, com a for-ma
simplificada e modesta, em termos de estrutura acadêmico-administra-tiva da
primeira universidade oficial no país, resultaram desse cotejo sérias críticas.
Entre outras, os comentários do educador José Augusto, em ma-téria publicada no
Jornal do Brasil, de 24 de outubro do mesmo ano, sob o título “Regime
Universitário III – O estado atual da questão no Brasil”, na qual assinala: “O
Decreto de 7 de setembro findo, com o qual o governo da República instituiu a
Universidade do Rio de Janeiro, por julgar oportuno dar execução ao disposto no
art. 6º do Decreto nº 11.530, de 18 de março de 1915, contém poucos artigos e
trata a matéria da forma mais geral e vaga, de modo a não deixar no espírito de
quem lê a noção exata e segura da verdadeira orientação a ser seguida pelo
nosso Instituto Universitário”.
Todavia, apesar das restrições feitas à
criação dessa Universidade, cabe assinalar que, na história da educação
superior brasileira, a Universi-dade do Rio de Janeiro é a primeira instituição
universitária criada legalmen-te pelo Governo Federal. Não obstante todos os
problemas e incongruên-cias existentes em torno de sua criação, um aspecto não
poderá ser subes-timado: sua instituição teve o mérito de reavivar e
intensificar o debate em torno do problema universitário no país. Esse debate,
nos anos 20 do sécu-lo passado, adquire expressão graças, sobretudo, à atuação
da Associação Brasileira de Educação (ABE) e da Academia Brasileira de Ciências
(ABC).
Entre as questões recorrentes
destacam-se: concepção de universidade; funções que deverão caber às
universidades brasileiras; autonomia univer-sitária e modelo de universidade a
ser adotado no Brasil. No que diz respeito às funções e ao papel da
universidade, há duas posições: os que defendem como suas funções básicas a de
desenvolver a pesquisa científica, além de formar profissionais, e os que
consideram ser prioridade a formação profissional. Há, ainda, uma posição que
poderia talvez vir a constituir-se em desdobramento da primeira. De acordo com essa
visão, a universidade, para ser digna dessa denominação, deveria tor-nar-se um
foco de cultura, de disseminação de ciência adquirida e de cria-ção da ciência
nova (ABE, 1929). Tais questões são também objeto de dis-cussão na 1ª
Conferência Nacional de Educação, realizada em Curitiba, em 1927, a partir da
tese As Universidades e a Pesquisa Científica, apresenta-da por Amoroso Costa.
A propósito, pode-se observar que, embora existis-sem posições divergentes, a
tese defendida por Amoroso Costa, juntamente com o movimento liderado pela ABE,
ainda que não houvesse dentro da Associação um conceito unívoco de ciência, era
introduzir a pesquisa como núcleo da instituição universitária (PAIM, 1982, p.
18).
No entanto, essa visão de universidade
não chega a ser concretizada nos anos de 1920, nem na esfera federal, com a
Universidade do Rio de Janeiro, nem na estadual, com a criação, em 1927, da
Universidade de Minas Gerais, instituída, também, segundo o modelo da primeira.
OS
ANOS 30 E AS PROPOSTAS DE UNIVERSIDADE
Se a Primeira República é caracterizada
pela descentralização política, a partir dos anos 20 e, sobretudo, após 1930,
essa tendência se reverte, começando a se incrementar uma acentuada e crescente
centralização nos mais diferentes setores da sociedade. Nesse contexto, o
Governo Provisó-rio cria o Ministério da Educação e Saúde Pública (14/11/1930),
tendo como seu primeiro titular Francisco Campos, que, a partir de 1931,
elabora e implementa reformas de ensino – secundário, superior e comercial –
com acentuada tônica centralizadora. Trata-se, sem dúvida, de adaptar a
educa-ção escolar a diretrizes que vão assumir formas bem definidas, tanto no campo
político quanto no educacional, tendo como preocupação desenvol-ver um ensino
mais adequado à modernização do país, com ênfase na for-mação de elite e na
capacitação para o trabalho.
Nessa linha, o Governo Federal elabora
seu projeto universitário, arti-culando medidas que se estendem desde a
promulgação do Estatuto das Universidades Brasileiras (Decreto-lei nº
19.851/31) à organização da Uni-versidade do Rio de Janeiro (Decreto-lei nº
19.852/31) e à criação do Con-selho Nacional de Educação (Decreto-lei nº
19.850/31). Referindo-se às finalidades da Universidade, Campos insiste em não
reduzi-las apenas à sua função didática. Para o Ministro, “sua finalidade
transcende o exclusivo propósito do ensino, envolvendo preocupações de pura
ciência e de cultura desinteressada” (CAMPOS, 1931, p. 4). No plano do
discurso, caberia à Faculdade de Educação, Ciências e Letras imprimir à
universidade seu “ca-ráter propriamente universitário”, o que na prática não
irá ocorrer. Anali-sando o Decreto nº 19.852/31, que dá nova organização à
Universidade do Rio de Janeiro, observa-se que esse dispositivo é rico em
pormenores so-bre a citada Faculdade; contudo, não chega a ser imediatamente
instalada pelo Governo Federal. Examinando-se o art. 196, verifica-se ainda que
não se atribui a essa faculdade o caráter de unidade integradora dos diferentes
institutos universitários, desde que sua existência não é obrigatória.
Analisando-se o Estatuto das
Universidades Brasileiras, outras ques-tões merecem registro. A primeira
refere-se à integração das escolas ou faculdades na nova estrutura
universitária. Pelo Estatuto, elas se apresen-tam como verdadeiras “ilhas”
dependentes da administração superior. Ou-tra questão relaciona-se à cátedra,
unidade operativa de ensino e pesquisa docente, entregue a um professor. No
Brasil, os privilégios do professor catedrático adquiriram uma feição
histórica, apresentando-se o regime de cátedra como núcleo ou alma materdas
instituições de ensino superior. E mais, a idéia de cátedra contida nesse
Estatuto ganha força com as Consti-tuições de 1934 e 1946, subsistindo até
1968, quando é extinta na organiza-ção do ensino superior, mediante a Lei nº
5.540/68.
Na Reforma Campos, uma questão, ainda
hoje desafiadora, diz res-peito à concessão da relativa autonomia universitária
como preparação gra-dual para a autonomia plena. Embora ressalte, na Exposição
de Motivos sobre a reforma do ensino superior, não ser possível, naquele
momento, conceder-se autonomia plena às universidades, a questão fica, a rigor,
em aberto.
Apesar da tendência a uma centralização
cada vez maior, reflexo da política autoritária adotada desde o início do
Governo Provisório, houve iniciativas em matéria de educação superior, nesse
período, que expressam posições contrastantes. Entre outras, podemos destacar:
a criação da Uni-versidade de São Paulo (USP), em 1934, e a da Universidade do
Distrito Federal (UDF), em 1935. A USP, instituída por meio do Decreto nº
6.283/34, surge com as seguintes finalidades:
a) promover, pela pesquisa, o progresso
da ciência;
b) transmitir, pelo ensino,
conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espírito ou sejam úteis à vida;
c) formar especialistas em todos os
ramos da cultura, bem como técnicos e profissionais em todas as profissões de
base científica ou artística;
d) realizar a obra social de vulgarização
das ciências, das letras e artes por meio de cursos sintéticos, conferências e
palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres. (art. 2º)
Com a promulgação da segunda
Constituição Republicana (1934) e a eleição do presidente Getúlio Vargas pelo
Congresso, havia a expectativa de que a democracia liberal fosse instituída no
país. Mas, logo a seguir, as tendências centralizadoras e autoritárias
recuperam a hegemonia. A abertu-ra, proporcionada pela Revolução de 1930,
passou a ser vista como um erro a ser corrigido. A partir de 1935, ampliam-se
tendências centralizadoras e autoritárias, assegurando um clima propício à
implantação do Estado Novo.
Nos agitados meses desse ano, durante a
gestão do prefeito Pedro Ernesto, foi instituída a Universidade do Distrito
Federal (UDF), graças ao esforço, tenacidade e iniciativa de Anísio Teixeira. A
UDF surge com uma vocação científica e estrutura totalmente diferente das
universidades existentes no país, inclusive da USP, caracterizando-se como um empreendimento
que procura materializar “as concepções e propostas da intelectualidade que, ligada
à ABE e à ABC, empunhara, na década anterior, a bandeira de criação da
universidade como lugar da atividade científica livre e da produção cul-tural
desinteressada” (ALMEIDA, 1989, p. 195). Fundada no Rio de Janeiro, capital da
República, pelo Decreto Municipal nº 5.513/35, apesar de ter existido por
período inferior a quatro anos essa instituição marcou signifi-cativamente a
história da universidade no país, pela forma criadora e inova-ções com que a
experiência se desenvolveu.
Vale lembrar que, desde o início, apesar
de grandes obstáculos, ela se apresenta não somente com uma definição precisa e
original do sentido e das funções da universidade, mas também prevê os
mecanismos que se fazem necessários, em termos de recursos humanos e materiais,
para a consecução de seus objetivos. Na inauguração dos cursos da UDF
(31.07.1935), Anísio Teixeira, em discurso então proferido, ressalta:
A função da universidade é uma função
única e exclusiva. Não se trata, somente, de difundir conhecimentos. O livro
também os difunde. Não se trata, somente, de conservar a experiência humana. O
livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou
profissionais, de ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em
último caso, escolas muito mais singelas do que as universidades. (TEIXEIRA,
1998, p. 35)
Com essas palavras, Anísio chama a
atenção para um problema fun-damental: uma das características da universidade
é a de ser um locusde investigação e de produção do conhecimento. E uma das
exigências para a efetivação desse projeto era, sem dúvida, o exercício da
liberdade e a efetivação da autonomia universitária. Mas, como pensar em
autonomia universitária no limiar do Estado Novo?
Dentro do clima de inquietação e do
estado de guerra decretado no país, o destino do fundador da UDF não poderia
ser outro: afastamento de Anísio das funções públicas que vinha exercendo.
Exonerado do cargo de Secretário de Educação a pedido, Anísio recebe de
imediato apoio de cola-boradores nos serviços de educação do Distrito Federal,
alguns dos quais integrantes dos quadros da Universidade, também
demissionários. Apesar dos problemas enfrentados por essa Universidade, de 1935
a 1936 efetua-se a constituição de seu corpo docente e a organização de seus cursos.
Com essa preocupação, buscam-se na Europa professores para aquelas áreas em que
se considerava não haver, no Brasil, profissionais suficientemente preparados.
Mas, o impedimento da UDF pelo Governo Federal era uma questão que se colocava
de forma clara. A literatura, so-bretudo a oficial, admite a incorporação dos
cursos da UDF pela Universi-dade do Brasil. Na verdade, essa Universidade é
extinta e seus cursos trans-feridos para a UB, em 1939, por meio do Decreto nº
1.063, de 20 de janei-ro. Em nome da disciplina e da ordem, o Ministro Capanema
encaminha ao Presidente exposição de motivos que acompanha esse decreto,
justifican-do, diria, a destruição da UDF (GC 36.09.18, doc. 13, série g,
CPDOC/FGV).
Será oportuno lembrar que, em 1935, o
Poder Executivo elabora e encaminha ao Legislativo o Plano de Reorganização do
Ministério da Edu-cação e Saúde Pública (MESP). Na exposição de motivos que
acompanha o projeto de lei, no item “Serviços relativos à educação”, o Ministro
Capanema assinala: “É à luz do critério de que a União não deve criar, manter e
dirigir senão os serviços de significação nacional, que vamos enu-merar quais
hão de ser os serviços federais de educação” (BRASIL. MESP, 1935, p. 26). Entre
outros, o primeiro mencionado é a Universidade do Brasil. A respeito dessa
instituição frisa: “À universidade, instituída, mantida e dirigida pela União,
há de caber, sob todos os pontos de vista, uma função de caráter nacional”
(BRASIL. MESP, 1935), ressaltando que,em primeiro lugar, ela deve tornar-se
padrão, não querendo afirmar com isso “que todas as universidades do Brasil
devam ser iguais à universidade federal” (BRASIL. MESP, 1935, p. 29).
Vale observar ainda que, ao instituir a
Universidade do Brasil, a Lei nº 452/37, que a criou, não faz referência ao
princípio de autonomia em suas disposições gerais. Essa inferência procede
quando se analisa o art. 27, o qual dispõe que tanto o reitor como os diretores
dos estabelecimentos de ensino seriam escolhidos pelo presidente da República,
dentre os respecti-vos catedráticos e nomeados em comissão. Por outro lado,
torna-se ex-pressamente proibida, aos professores e alunos da universidade,
qualquer atitude de caráter político-partidário ou comparecer às atividades
universi-tárias com uniforme ou emblema de partidos políticos. Essas
determina-ções não seriam de estranhar, considerando-se o contexto em que elas
são elaboradas.
A
UNIVERSIDADE NO BRASIL NO PÓS-45
Com a deposição do presidente Vargas, em
outubro de 1945, e o fim do Estado Novo, o país entra em nova fase de sua
história. Inicia-se um movimento para repensar o que estava identificado com o
regime autoritá-rio até então vigente. A chamada “redemocratização do país” é consubstanciada
na promulgação de uma nova Constituição, em 16 de se-tembro de 1946, que se
caracterizou, de modo geral, pelo caráter liberal de seus enunciados, como se
pode observar no capítulo “Da declaração de direitos” e especialmente no que
trata “dos direitos e das garantias indivi-duais”.
Cabe lembrar que, ainda no Governo
Provisório instalado após a que-da do Estado Novo, sendo Ministro da Educação
Raul Leitão da Cunha, o Presidente José Linhares sanciona o Decreto-Lei nº 8.393,
em 17/12/1945, que “concede autonomia administrativa, financeira, didática e
disciplinar à UB, e dá outras providências”. Em cumprimento a esse dispositivo,
o reitor passa a ser “nomeado pelo Presidente da República, dentre os
professores catedráticos efetivos, em exercício ou aposentados, eleitos em
lista tríplice e por votação uninominal pelo Conselho Universitário” (art. 17,
§ 1º).
Em cumprimento a esse dispositivo, a
administração superior da Uni-versidade passa a ser exercida não apenas pelo
Conselho Universitário e pela Reitoria, mas também pelo Conselho de Curadores.
No que tange à autonomia outorgada à Universidade do Brasil, dados obtidos da
análise de documentos da instituição – Atas do Conselho Universitário, Atas da
Con-gregação da Faculdade Nacional de Filosofia, etc. –, deixam perceber, de forma
muito clara, que a autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar,
outorgada à Universidade, não chegou a ser implementada. Tal inferência leva a
reconhecer que, ontem como hoje, a autonomia outorgada às universidades não
passa muitas vezes de uma ilusão, embora se apresen-te, por vezes, como um avanço.
No final dos anos 1940, como no início
dos anos 50, começam a esboçar-se nas universidades algumas tentativas de luta
por uma autonomia universitária, tanto externa como interna. Todavia, a
situação é complexa. A propósito, Raul Bittencourt observa: “mesmo depois do
Estado Novo, quando essa Universidade se torna autônoma por decreto, a situação
não muda muito”, acrescentando: é suficiente pensar no “DASP a intervir, dia a
mais dia, na vida das universidades federais, com aspereza e inciência” (1946, p.
562).
Quanto à institucionalização da pesquisa
científica, Antônio Paim, fa-zendo um balanço das instituições universitárias
nos anos 80, observa: “(...) o impulso original que a pesquisa científica veio
alcançar entre 1935 e 1945 leva a uma grande frustração na década de 50.
Tornada instrumento de consolidação da universidade, que fora recusada
sistematicamente ao lon-go de mais de um século, a pesquisa científica não
chega contudo a assu-mir igualmente feição acabada (PAIM, 1982, p. 80).
Multiplicam-se as universidades, mas com
predomínio da formação profissional, sem idêntica preocupação com a pesquisa e
a produção de conhecimento. No entanto, será pertinente lembrar também que, de
1935 a 1945, a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e da
Escola de Ciências da UDF, posteriormente incorporada à Faculdade Na-cional de
Filosofia, tiveram o mérito de integrar desde o início estudiosos e cultores da
ciência, que deixaram suas marcas, formando escola.
Como bem assinala Paim, a Escola de
Ciências da UDF e a Faculdade Nacional de Filosofia não apenas formaram os
docentes das ciências exatas, mas pre-pararam diversos pesquisadores que
passaram a integrar os quadros do Instituto Oswaldo Cruz, do Museu Nacional, do
Departamento Nacional de FÁVERO, M. L. A. A Universidade no Brasil: das origens
à Reforma Universitária de 1968 Educar, Curitiba, n. 28, p. 17-36, 2006.
Editora UFPR 29 Produção Mineral e do Instituto de Tecnologia. O intercâmbio
com institui-ções estrangeiras, a participação em seminários e simpósios
começam a fazer parte do trabalho dos cientistas e pesquisadores, já agora de
forma institucional (PAIM, 1982, p. 80-81).
A partir da década de 50, acelera-se o
ritmo de desenvolvimento no país, provocado pela industrialização e pelo crescimento
econômico. Si-multaneamente às várias transformações que ocorrem, tanto no
campo econômico quanto no sociocultural, surge, de forma mais ou menos
explí-cita, a tomada de consciência, por vários setores da sociedade, da
situação precária em que se encontravam as universidades no Brasil.
Essa luta co-meça a tomar consistência
por ocasião da tramitação do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, sobretudo na segunda metade dos anos 1950, com a discussão em torno
da questão escola pública versus escola privada. Limitados inicialmente ao meio
acadêmico, os debates e reivindicações deixam de ser obra exclusiva de
professores e estudantes para incorporarem vozes novas em uma análise crítica e
sistemática da universidade no país.
O movimento pela modernização do ensino
superior no Brasil, embo-ra se faça sentir a partir de então, vai atingir seu
ápice com a criação da Universidade de Brasília (UnB). Instituída por meio da
Lei nº 3.998, de 15 de dezembro de 1961, a UnB surge não apenas como a mais
moderna universidade do país naquele período, mas como um divisor de águas na história
das instituições universitárias, quer por suas finalidades, quer por sua
organização institucional, como o foram a USP e a UDF nos anos 30.
Nesse contexto, a participação do
movimento estudantil se dá de for-ma muito densa, o que torna difícil analisar
a história do movimento da Reforma Universitária no Brasil sem que seja levada
em conta essa partici-pação. Dos seminários e de suas propostas, fica evidente
a posição dos estudantes, através da UNE, de combater o caráter arcaico e
elitista das instituições universitárias. Nesses seminários são discutidas
questões rele-vantes como: a) autonomia universitária; b) participação dos
corpos do-cente e discente na administração universitária, através de critério
de proporcionalidade representativa; c) adoção do regime de trabalho em tem-po
integral para docentes; d) ampliação da oferta de vagas nas escolas públicas;
e) flexibilidade na organização de currículos (FÁVERO, 1994, p. 150-151).
Os seminários da UNE sobre a Reforma
Universitária no início dos anos 60, de modo geral, colocam sempre o problema
da universidade arti-culado com as reformas de base e questões políticas mais
globais. Contu-do, de abril de 1964 a 1967, as discussões no movimento
estudantil passam a centrar-se sobretudo em dois pontos: a) revogação dos
Acordos MEC/USAID, e b) revogação da Lei Suplicy (Lei nº 4. 464, de 9.11.1964),
pela qual a UNE foi substituída pelo Diretório Nacional de Estudantes.
Ainda no início dos anos 60, algumas
universidades, entre elas a Uni-versidade do Brasil, elaboram planos de
reformulação estrutural. No caso da UB, o Conselho Universitário designa, em
fevereiro de 1962, uma co-missão especial para tratar da questão. De seus trabalhos
resulta o docu-mento Diretrizes para a Reforma da Universidade do Brasil.Em
junho de 1963, essas diretrizes são aprovadas pelo Conselho Universitário, mas,
com o golpe militar de 1964, sua implantação é sustada.
Com base em estudos realizados na Universidade
do Brasil, o Ministro da Educação, Raymundo Moniz Aragão – que havia sido um
dos membros da referida comissão – dirige, em 1966, Aviso ao Conselho Federal
de Edu-cação (CFE), solicitando uma assessoria no sentido de formulação de
dis-positivo legal que corporificaria recomendações contidas no documento da UB.
O anteprojeto emanado do CFE, com pequenas modificações, é trans-formado no
Decreto-lei nº 53/66. Logo a seguir, ainda com a participação do CFE, é
formulado e expedido o Decreto-lei nº 252 que, segundo o Mi-nistro, tratava-se
de “explicativa de pontos menos claros no diploma ante-rior e revogativo de
algumas disposições do Estatuto do Magistério (Lei nº 4.881-A/65) que davam
grande ênfase à cátedra” (ARAGÃO, 1968, p. 10).
No mesmo período, outras medidas
oficiais são adotadas em relação à universidade. Três delas merecem destaque: o
plano de assistência técni-ca estrangeira, consubstanciado pelos acordos
MEC/USAID; o Plano Atcon (1966) e o Relatório Meira Mattos (1968). Concebida
como estratégia de hegemonia, a intervenção da USAID na América Latina se
processa de modo integrado, nos anos 60, em várias áreas e sob três linhas de
atuação: assistência técnica; assistência financeira, traduzida em recursos
para fi-nanciamento de projetos e compra de equipamentos nos EUA, além da assistência
militar, concretizada pela vinda de consultores militares norte-americanos ao
Brasil e do treinamento de militares brasileiros nos Estados Unidos, assim como
do fornecimento de equipamentos militares (FÁVERO, 1994, p. 152-153).
Análise do Relatório da Equipe de
Assessoria ao Planejamento do En-sino Superior (EAPES) deixa claro que sugestões
nele contidas “se transformam em decisões do governo, vivamente empenhado na
Reforma do Ensino Superior no Brasil” (EAPES, 1968, p. VIII). Quanto ao Plano
Atcon, como ficou conhecido, trata-se de documento que resulta de estudo reali-zado
pelo consultor americano Rudolph Atcon, entre junho e setembro de 1965, a
convite da Diretoria do Ensino Superior do MEC, preconizando a implantação de
nova estrutura administrativa universitária baseada num modelo cujos princípios
básicos deveriam ser o rendimento e a eficiência (ATCON, 1966).
No documento Rumo à Reformulação
Estrutural da Universidade Brasileira, editado pelo MEC em 1966, o consultor
americano faz suges-tões e recomendações que, no seu entender, tornariam
possível a adequa-ção do ensino superior e das instituições universitárias às
necessidades do país. O projeto da Reforma Universitária incorpora algumas das
propostas do Plano Atcon, como: defesa dos princípios de autonomia e
autoridade; dimensão técnica e administrativa do processo de reestruturação do
ensino superior; ênfase nos princípios de eficiência e produtividade;
necessidade de reformulação do regime de trabalho docente; criação de centro de
estu-dos básicos. Entre as propostas e recomendações feitas por Atcon
encon-tra-se a criação de um conselho de reitores das universidades
brasileiras. Este não deveria confundir-se com o Fórum de Reitores, já
existente.
Essa recomendação foi imediatamente
posta em prática: em 29 de abril de 1966, é fundado o Conselho de Reitores das
Universidades Brasilei-ras (CRUB), reconhecido como entidade de utilidade
pública em 31 de julho de 1972, por meio do Decreto nº 70.904. É pertinente
lembrar que Rudolph Atcon não só foi convidado a organizar e estruturar o CRUB,
mas nele trabalhou, como seu primeiro Secretário-Geral, de 1966 a 1968.
Em fins de 1967, preocupado com a
“subversão estudantil”, o Gover-no cria, por meio do Decreto nº 62.024,
comissão especial, presidida pelo General Meira Mattos, com as finalidades de:
“a) emitir pareceres conclu-sivos sobre reivindicações, teses e sugestões
referentes às atividades estu-dantis; b) planejar e propor medidas que
possibilitassem melhor aplicação das diretrizes governamentais no setor
estudantil; c) supervisionar e coor-denar a execução dessas diretrizes,
mediante delegação do Ministro de Es-tado”. Do relatório final dessa Comissão,
algumas recomendações também vão ser absorvidas pelo Projeto de Reforma
Universitária: fortalecimento do princípio de autoridade e disciplina nas
instituições de ensino superior; ampliação de vagas; implantação do vestibular
unificado; criação de cursos de curta duração e ênfase nos aspectos técnicos e
administrativos.
Com a proposta de fortalecer o princípio
de autoridade dentro das instituições de ensino, pretendiam Meira Mattos e os
membros da Comis-são instaurar no meio universitário o recurso da intimidação e
da repressão. Tal recurso é implementado plenamente com a promulgação do Ato Institucional
nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, e com o Decreto-lei nº 477, de 26 de
fevereiro de 1969, que definem infrações disciplinares praticadas por
professores, alunos e funcionários ou empregados de esta-belecimentos públicos
ou particulares e as respectivas medidas punitivas a serem adotadas nos
diversos casos.
A
REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968: ALGUMAS QUESTÕES
No início de 1968, a mobilização
estudantil, caracterizada por inten-sos debates dentro das universidades e
pelas manifestações de rua, vai exigir do Governo medidas no sentido de buscar
“soluções para os proble-mas educacionais mais agudos, principalmente dos
excedentes”. A respos-ta de maior alcance foi a criação, pelo Decreto nº
62.937, de 02.07.1968, do Grupo de Trabalho (GT) encarregado de estudar, em
caráter de urgên-cia, as medidas que deveriam ser tomadas para resolver a
“crise da Univer-sidade”. No Relatório Final desse grupo aparece registrado que
essa crise sensibilizou diferentes setores da sociedade, não podendo deixar de
“exigir do Governo uma ação eficaz que enfrentasse de imediato o problema da reforma
universitária, convertida numa das urgências nacionais” (RELATÓ-RIO DO GRUPO DE
TRABALHO, 1968, p. 17). E acrescenta: “o movimento estudantil, quaisquer que
sejam os elementos ideológicos e políticos nele implicados, teve o mérito de
propiciar uma tomada de consciência nacional do problema e o despertar enérgico
do senso de responsabilidade coletiva” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO, 1968).
De acordo com o decreto que o instituiu,
o Grupo de Trabalho tinha por objetivo “(...) estudar a reforma da Universidade
brasileira, visando à sua eficiência, modernização, flexibilidade
administrativa e formação de recursos humanos de alto nível para o
desenvolvimento do país” (RELATÓ-RIO DO GRUPO DE TRABALHO, 1968, p. 15).
Apesar dos limites que o Grupo de
Trabalho atribui às suas funções, Florestan Fernandes observa que o Relatório...
contém, de longe, o melhor diagnóstico que o Governo já tentou, tanto dos
problemas estruturais com que se defronta o ensino superior, quanto das
soluções que eles exigem. Se a questão fosse de avanço ‘abstrato’ e ‘teórico’
ou verbal, os que participam dos movimentos pela reforma universitária poderiam
estar contentes e ensarilhar suas armas. Entretanto, o avanço “abstrato” e
“teórico” esgota-se [...] como se ele fosse uma verbalização de circuito
fechado (FERNANDES, 1974, p.4 e 5).
Esse descompasso não é novo, mas pelo
contrário, observa o soció-logo, “é parte normal de uma situação
histórico-social em que a atuação conservadora se acha ameaçada e é compelida a
assumir o controle político dos processos de modernização cultural e de
inovação institucional” (FERNANDES, 1974). Nesses casos, o que prevalece é a
preservação do mo-nopólio do poder nas mãos das camadas conservadoras sem o
avanço efe-tivo na solução dos problemas.
Entre as questões levantadas, o
Relatório chama a atenção para o fato de a universidade brasileira estar
organizada à base de faculdades tradicio-nais que, apesar de certos progressos,
em substância, “ainda se revela inadequada para atender às necessidades do
processo de desenvolvimento, que se intensificou na década de 1950, e se
conserva inadaptada às mudan-ças dele decorrentes”. A respeito da expansão das
instituições de ensino superior, ressalta-se que ela ocorre “por simples
multiplicação de unidades, em vez de desdobramentos orgânicos”. Complementando:
“A universidade se expandiu mas, em seu cerne, permanece a mesma estrutura
anacrônica a entravar o processo de desenvolvimento e os germes da inovação”
(RELA-TÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO, 1968, p. 19). E acrescenta: “podemos dizer que
o sistema, como um todo, não está aparelhado para cultivar a investi-gação
científica e tecnológica” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO, 1968, p.20), pois,
“(...) mantendo a rigidez de seus quadros e as formas acadêmi-cas tradicionais,
faltou-lhe a flexibilidade necessária para oferecer produto universitário
amplamente diversificado e capaz de satisfazer às solicitações de um mercado de
trabalho cada vez mais diferenciado” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO, 1968).
Apesar de o marco inicial da vasta
legislação que estabelece medidas para a reestruturação das universidades
brasileiras encontrar-se nos Decre-tos-leis nºs 53/66 e 252/67, somente a
partir de 1968, como resultado dos trabalhos do GT e como desdobramento da ação
iniciada em 1966, acres-cida de outros atos, é que ganha sentido falar-se de
uma legislação básica da Reforma Universitária.
Entre as medidas propostas pela Reforma,
com o intuito de aumentar a eficiência e a produtividade da universidade,
sobressaem: o sistemadepartamental, o vestibular unificado, o ciclo básico, o
sistema de créditos e a matrícula por disciplina, bem como a carreira do
magistério e a pós-graduação. Apesar de ter sido bastante enfatizado que o
“sistema departamental constitui a base da organização universitária”, não
seria exa-gero observar que, entendido o departamento como unidade de ensino pesquisa,
a implantação dessa estrutura, até certo ponto, teve apenas cará-ter nominal.
Por sua vez, embora a cátedra tenha sido legalmente extinta, em muitos casos
foi apenas reduzida sua autonomia. A departamentalização encontra resistências
desde o início da implantação da Reforma Universitá-ria. Passadas mais de três
décadas, observa-se ser o departamento, freqüentemente, um espaço de alocação
burocrático-administrativa de pro-fessores, tornando-se, em alguns casos,
elemento limitador e até inibidor de um trabalho de produção de conhecimento
coletivo. Com a Lei nº 9.394/96, o departamento não constitui mais exigência
legal.
Quando ao vestibular unificado e
classificatório, verifica-se que, no momento de sua implantação, exerceu dupla
finalidade: racionalização no aproveitamento do número de vagas e admissão do
ingresso não para de-terminado curso, mas para determinada área de
conhecimento. A introdu-ção do vestibular unificado como recurso para tornar
mais racional a distri-buição de vagas vai se revelar problemática poucos anos
depois.
Após essa breve análise sobre a
implantação da Reforma Universitária de 1968, constata-se que, a partir dos
anos 80, surgem várias propostas para a reformulação das instituições
universitárias. Será oportuno lembrar que tanto a reorganização do movimento
estudantil, como a de outros gru-pos da sociedade civil, só irá se efetivar no
final dos anos 70, com a aber-tura política e a promulgação da Lei da Anistia.
Nas universidades públicas, após esta Lei se processa o retorno de vários
professores afastados, com-pulsoriamente, após o AI-5.
No limiar da década de 80, observa-se,
da parte de significativo nú-mero de professores, a consciência de que o
problema da universidade envolve não apenas aspectos técnicos, mas também um
caráter marcadamente acadêmico e político, exigindo análise e tratamento
específicos.
CONCLUINDO...
Ocorre-me a percepção de que falar sobre
a universidade no país e seus impasses até 1968 implica rever uma caminhada
complexa, plena de obstáculos. Assim, numa tentativa de arrematar esse texto,
direi: parece-me inadiável, nos dias atuais, reconstruir com seriedade e
competência o trabalho universitário, vendo nele um empreendimento difícil, mas
impres-cindível, processo esse que deverá ser entendido e assumido como algo em
permanente construção.
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Texto recebido
em 15 mar. 2006
Texto aprovado
em 04 maio 2006
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