Blog História
do Ensino Superior Brasileiro, de autoria de Álaze Gabriel.
INTRODUÇÃO
O propósito deste estudo é
refletir sobre alguns temas possíveis para o debate em torno da questão
“associação ensino, pesquisa e extensão e a nova configuração do ensino
superior brasileiro”.
A esse respeito, a política educacional
brasileira pode ser caracterizada, no que se refere à organização acadêmica,
como “lenta, gradual e segura”
em direção à ruptura da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão expresso no artigo 207 da
Constituição Brasileira de 1988 e suas conseqüências na diversificação das
instituições do ensino superior brasileiro.
Os sucessivos Decretos que
regulamentaram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
relativos ao ensino superior, são um exemplo dessa condição. Assim é que, no
Decreto mais recente o de nº 3.860, de 9
de julho de 2001, a questão da indissociabilidade nas universidades
desapareceu da legislação educacional, conforme a redação dada ao artigo 8º
desse Decreto: “ As
universidades caracterizam-se pela oferta regular de atividades de ensino,
de pesquisa e de extensão...” (grifos meus). Já os dois Decretos
anteriores, o de nº 2.207/97 e o de nº 2.306/97 afirmam que “as
universidades, na forma do disposto no artigo 207 da Constituição Federal,
caracterizam-se pela indissociabilidade das atividades de ensino, de
pesquisa e de extensão...” (grifos meus).
Esse é um tema que merece
reflexão. A meu ver, a análise da
Reforma do Estado Brasileiro e do atual projeto social vigente, fornecem
algumas pistas para o entendimento do referido tema. Mais adiante
voltarei a esses aspectos numa tentativa aproximativa de compreensão.
Mas, gostaria de deixar claro que este estudo tem por finalidade analisar a
ruptura do princípio expresso no artigo 207 da Constituição Brasileira de 1988
que afirma a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão e o seu
impacto na atual configuração do ensino superior brasileiro.
Seria oportuno assinalar do
ponto de vista histórico, que as funções ensino, pesquisa e extensão foram
contempladas (com status diferenciado)
pelo Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931, considerado por Maria de
Lourdes Fávero o marco estrutural da concepção de universidade em nosso
país.
A associação
ensino-pesquisa só vai ser formalizada
na Lei da Reforma Universitária, em 1968. Porém, a indissociação
ensino-pesquisa, estipulada por essa Lei não se concretizou e, o que até se
tornou senso comum entre os que estudam o ensino superior, quanto ao formato
institucional, a excepcionalidade se tornou regra, consolidando-se o
estabelecimento isolado.
Cabe observar também, a
predominância dos estabelecimentos não-universitários e a expansão do setor
privativista como duas características que têm prevalecido ao longo da história
da educação superior brasileira, porém com ênfases diferentes e em conjunturas
diferenciadas. Assim é que, o ensino superior brasileiro iniciou-se em 1808, na
forma de estabelecimentos isolados, voltados basicamente para o ensino,
não sendo a pesquisa sequer cogitada como uma de suas funções. O modelo então
adotado para o ensino superior foi o napoleônico, da dissociação entre ensino e
pesquisa.
A esse respeito são
encontrados vários trabalhos como os de Eunice Ribeiro Durham, Helena Sampaio,
Luiz Antonio Cunha, entre outros. Por isso, não vou entrar em reiterações
desnecessárias.
A hipótese
deste estudo afirma que ao romper o princípio constitucional da indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão e o seu impacto na tipologia do ensino
superior, foram dadas as condições, num outro cenário e com novas roupagens,
para a desigualdade e elitização do ensino superior brasileiro, nos marcos do
neoliberalismo e da Reforma do Estado Brasileiro.
O
corolário dessa condição é a legitimação de novas formas de discriminação e
exclusão social e a naturalização de uma
espécie de darwinismo social que vêm gerando uma cidadania de segunda classe no
segmento superior de ensino.
Quanto aos
procedimentos metodológicos, foram utilizadas três abordagens para demonstrar a
hipótese:
1. Investigação
bibliográfica;
2. Análise
de instrumentos legais;
3. Análise
de fontes documentais.
1. LDB,
DECRETOS Nº 2.207/97, Nº 2.306/97, Nº 3.860/01 E A NOVA CONFIGURAÇÃO DO ENSINO
SUPERIOR BRASILEIRO
A
configuração da educação superior do Sistema Federal de Ensino Brasileiro,
estabelecida a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) foi regulamentada no que diz respeito à
sua organização acadêmica por sucessivos Decretos - o 2.207/97, o 2.306/97,
sendo o mais recente e o que está vigorando, o de nº 3.860, de 9 de julho de
2001.
De acordo com os Decretos,
assim se classificam as instituições do ensino superior quanto à organização
acadêmica:
Nos três Decretos, a nova
figura quanto ao formato anterior
é o Centro Universitário, definido como instituição de ensino pluricurricular
que se caracteriza pela excelência do ensino oferecido, pela qualificação do
seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidas à
comunidade escolar.
Os Centros Universitários
poderão receber o privilégio da autonomia para criar, organizar e extinguir, em
sua sede, cursos e programas de educação superior, remanejar ou ampliar vagas
nos cursos existentes, além de outras atribuições devidamente definidas no ato
de seu credenciamento.
O que se
constata é que os Centros Universitários nos Decretos nº 2.207/97 e nº 2.306/97 “abrangiam uma ou mais áreas de
conhecimento”, sendo que no Decreto nº 3860/01 esta condição foi suprimida,
porém foi acrescentado o exame nacional de Cursos, a Lei nº 9.131/95, conhecido
como “provão”.
Comparando-se os três
Decretos, verifica-se que o Decreto nº 3.860/01 aglutinou as faculdades
integradas, faculdades, institutos ou escolas superiores em uma única
classificação, diferentemente dos
Decretos nº 2.207/97 e nº 2.306/97 que as classificou de forma separada, como
pode ser observado acima. Apesar dessa
constatação, pode-se afirmar que no Brasil não se distingue as
faculdades integradas das faculdades, institutos ou escolas superiores, postos
no Decreto nº 3.860/01 numa única classificação. Luiz Antonio Cunha afirma que
no Brasil essas instituições sempre foram tratadas como sinônimos.
Com relação ao ensino,
pesquisa e extensão e a configuração do ensino superior brasileiro, objeto
deste estudo, os três Decretos estipulam que somente as universidades poderão
desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão, atendendo ao que dispõem
os artigos 52, 53 e 54 da Lei nº 9.394, de 1996. Quanto às outras instituições,
não consta dos Decretos a obrigatoriedade de desenvolverem atividades de
pesquisa e extensão. Além do mais, no
Decreto nº 3.860/01 não consta a indissociabilidade
do ensino, da pesquisa e da extensão (referida anteriormente), presente nos
decretos anteriores.
A hipótese que orientou
este estudo postulou que a diferenciação das instituições em que estão
embutidas diferentes concepções acerca da associação das atividades de ensino,
pesquisa e extensão, traz consigo a idéia de elitização e de desigualdade, esta
sempre presente na realidade educacional brasileira. Ou seja, ao definir novos
estabelecimentos de ensino superior mediante a ruptura do princípio
constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o
Decreto nº 3.860/01 aprofundou e pretendeu tornar irreversível a configuração
de instituições de diferentes características, fixando para muitas a
preparação de profissionais (ensino) e para poucas a produção de conhecimentos
conjuntamente com a preparação de profissionais (ensino, pesquisa e extensão).
Essa condição representa um indicador que sustenta a presente hipótese,
concretizado no atual formato institucional estabelecido pelo referido Decreto,
sendo o Centro Universitário um exemplo emblemático.
A esse respeito, vale a
pena citar a argumentação utilizada na
conclusão do livro Novas Faces da Educação Superior no Brasil: reforma
do Estado e mudança na produção de João dos Reis Silva Jr. e Valdemar
Sguissardi. Para eles, o estudo das funções ensino, pesquisa, extensão e seus
desdobramentos no atual formato institucional do ensino superior brasileiro
mostrou ser decorrente de um “processo de reformas no interior de um radical
movimento de transformações político-econômicas em nível mundial”
Seguindo essa reflexão,
torna-se importante assinalar que, no exame da atual formatação institucional
do ensino superior configurado pelo Decreto que está em vigor, o de nº
3.860/01, encontrei fortes indicadores, neste âmbito, da presença de recomendações
do Banco Mundial. O documento “La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas
de la experiencia”, dirigido aos países em desenvolvimento, critica o modelo de
investigação da universidade européia, “por ser caro e pouco apropriado para
satisfazer as múltiplas demandas do desenvolvimento econômico e social e as
necessidades de aprendizagem de um alunado diversificado”. O documento privilegia a maior diferenciação no ensino superior mediante a
implantação de instituições não-universitárias bem como maior ênfase nos
estabelecimentos privados.
Afirmei na hipótese o
caráter elitista da atual tipologia das instituições do ensino superior
exatamente por permitir a poucos a formação (produção de conhecimentos e
preparação profissional) em universidades plenamente constituídas (as que
contemplam as três funções – ensino, pesquisa, extensão) e a muitos a
formação (preparação profissional) em instituições não-universitárias (voltadas exclusivamente
para o ensino). Não faz parte da formação de qualquer profissão o caráter
investigativo?
Nessa linha de raciocínio,
Claudio de Moura Castro, funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento
– BID, ... “apesar de não fazer parte do estafe administrativo [do governo
Fernando Henrique Cardoso] é sem dúvida [formador] de opinião e tem expressado
idéias indicadoras de posturas que o governo está adotando, ou pretende adotar,
atuando como ‘balões de ensaio’”,
dividindo o ensino superior em quatro funções:
1)
Formar
elites, que são as pessoas que pensam
melhor, que vão assumir a liderança ou que vão criticar as lideranças.
As instituições que oferecem esse ensino também serão as produtoras de
conhecimento, ou seja, terão pesquisa. Modelos: Harvard, Princeton e
Yale, nos EUA.
2)
Formar
profissionais, como dentistas,
médicos, advogados, engenheiros. São áreas onde não dá para operar sem vencer
uma linguagem própria, que se adquire em um período longo de aprendizagem
específica. Esse ensino tem necessidade de professores com experiência
profissional, o que colide com a política brasileira de impedir que
profissionais sejam professores universitários de primeira grandeza.
3)
Formar
técnicos. É semelhante à profissional
mas trata-se de áreas que “subiram o morro”. São práticas, com linguagem
própria, mas que antes eram aprendidas no nível secundário. Exemplo:
contadores, técnicos em eletrônica, fisioterapeutas. Como o ensino
profissional, este deve ter laços estreitos com o mercado de trabalho – as
empresas têm que interferir nesse ensino. Mas é de duração bem mais curta.
4)
Formar
pessoas com uma educação geral, não essencialmente voltada para uma única
profissão. Os exemplos são os cursos
denominados nos EUA como “liberal arts”(artes liberais). É a área que exige
menos investimento.”
Como se
observa, a não ser para o que é denominada de quarta função, as restantes são
comparáveis ao estipulado pelo Decreto nº 3.860/01. Posto dessa forma, pode-se
inferir que as universidades plenamente constituídas a que se refere o Decreto
estão voltadas para a elite, como afirma Claudio Moura Castro com relação à primeira função? Além do mais,
verifica-se que o critério diferenciador entre a três primeiras funções é a
presença da pesquisa. Quais serão
os mecanismos ou critérios adotados para os que vão freqüentar as instituições
da primeira função? Seriam critérios meritocráticos, com forte ênfase
individual, para as pessoas “inteligentes” a melhor formação, que em essência
ocultam a profunda desigualdade social das sociedades capitalistas? Enfim, a
argumentação empregada na reportagem consagra a naturalização de uma espécie de
darwinismo social que é expressa no corolário da hipótese deste estudo.
Com
efeito, os projetos sociais dominantes ao longo da história do ensino superior
brasileiro, mostraram o caráter elitista desse nível de ensino. Assim é que,
analisando-se o ensino superior brasileiro do ponto de vista histórico,
verifica-se a presença do elitismo na construção desse ensino desde a
sua criação no século XIX. Esse caráter elitista manifestou-se de diferentes
formas: na própria legislação, na oferta limitada de vagas, na forma de acesso
(dificultando), na diferenciação de instituições (públicas e particulares, mas
estas voltadas exclusivamente para o lucro), entre outras.
Sem
dúvida, cabe assinalar no que diz respeito à educação em geral e ao ensino
superior em particular, que os setores contra-hegemônicos também formularam
seus projetos. Porém, estes nunca conseguiram ultrapassar as barreiras impostas
pelo setor hegemônico. Exemplo disso é a reforma universitária de 1968 que
contemplou, mas descaracterizando, algumas reivindicações de professores e
estudantes que se mobilizaram desde o início dos anos 60 para reestruturar a
universidade brasileira.
Ainda para
exemplificar acerca das propostas alternativas de setores organizados no
interior do ensino superior como o dos docentes, em julho de 1996 foi aprovada
no XXXII Conselho Nacional das Associações de Docentes – CONAD a Proposta da
ANDES/SN (Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior/Sindicato
Nacional) para a Universidade Brasileira. A indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão é um dos princípios que fundamentam o padrão unitário de
qualidade estipulado por essa proposta. Assim é que:
O
princípio da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão reflete um conceito de
qualidade do trabalho acadêmico que favorece a aproximação entre universidade e
sociedade, a auto-reflexão crítica, a emancipação teórica e prática dos
estudantes e o significado social do trabalho acadêmico. A concretização desse
princípio supõe a realização de projetos coletivos de trabalho que se
referenciam na avaliação institucional.
Cabe
lembrar que a Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior – Sindicato
Nacional – ANDES/SN manifestou-se contrária à nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, bem como à ruptura do princípio constitucional da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
2. PROJETO
NEOLIBERAL E A REFORMA DO ESTADO
No caso
brasileiro, constata-se a presença do projeto neoliberal desde o início dos
anos 90, com o governo do presidente Fernando Collor de Mello. Com efeito, é
com ele que tem início o processo de abertura da economia ao mercado
internacional via redução das barreiras alfandegárias. O programa de
privatização e de desmonte do Estado faz parte da agenda Collor como pré-condição
para o combate da inflação. Outras medidas foram tomadas no sentido do projeto
neoliberal. É no seu governo que é lançado o programa de reestruturação
produtiva, enfatizando-se a gestão pela qualidade e pela produtividade.
O governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso mantém a mesma agenda: acabar com a
inflação, privatizar, reformar a Constituição para flexibilizar as relações
entre o Estado e a sociedade, bem como as relações entre capital e trabalho.
Tal agenda, pode-se afirmar, vai ao encontro das propostas neoliberais
preconizadas pelo Consenso de Washington.
Tendo em
vista o projeto neoliberal mencionado acima, merecem ser destacados os
mecanismos criados pelo ajuste neoliberal, considerando o objeto deste estudo.
Os mecanismos são basicamente quatro:
¨
desregulamentação das relações sociais;
¨
privatização;
¨
descentralização das atividades antes
desempenhadas pelo Estado;
¨
concentração dos mecanismos de controle.
Segundo
Mauro Augusto Del Pino, esses quatro mecanismos “podem ser perfeitamente
encontrados em pleno funcionamento não só nas sociedades em que o projeto
neoliberal já se encontra em fase adiantada de implantação mas também, de forma
evidente, na sociedade brasileira.”
A desregulamentação
implica a extinção dos direitos sociais expressos na Constituição de 1988, que
vai atingir a saúde, a educação e a previdência social. Para isso está em curso
a Reforma do Estado, implementada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso
desde o seu primeiro mandato.
A privatização
já atingiu, entre outros, a telefonia, a Companhia Vale do Rio Doce, a
Embratel, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Embraer, o Porto de Santos-
Terminal.[6]
Um dos efeitos mais imediatos dessa política é a perda da capacidade do Estado
de estabelecer políticas nesses setores. O Estado deixa de ser o agente
regulador dessas políticas, restando apenas o mercado.
A descentralização
consiste em transferir para outros setores, especialmente particulares, o
que antes era desenvolvido pelo Estado. Por fim, a concentração dos
mecanismos de controle. Neste mecanismo “o Estado e as classes dirigentes
não se atrevem a entregar ao mercado, pelo menos neste momento inicial, a
regulação de certos procedimentos essenciais à implementação e à reprodução do
ideário neoliberal.”[7]
Exemplo desse mecanismo é a Lei nº 9.131/95, que trata nos sete parágrafos do
artigo 3º e no artigo 4º, do exame
nacional dos Cursos de graduação, pois o MEC (Ministério da Educação) controla
as avaliações. Para garantir esse controle, o referido exame foi incorporado ao
Decreto nº 3.860/01, o mais recente que regulamenta o ensino superior
brasileiro. O que se pode esperar do ajuste neoliberal em relação ao ensino
superior? Para responder a essa questão, vale a pena citar Miriam Limoeiro
Cardoso:
A política neoliberal para educação, ciência e tecnologia propõe
redução drástica de recursos para o setor, privatização generalizada e
acelerada, aplicação de ótica privada no funcionamento do setor público, elitização
e forte hierarquização do sistema escolar e de pesquisa, redundando em
sensível rebaixamento educacional e cultural fora dos poucos centros
considerados e tratados como de excelência. Como a educação é para os
neoliberais não um direito e sim um investimento que, portanto precisa ser
avaliado pelo retorno que oferece, no sistema comum, não de excelência, as
áreas avaliadas como de baixo retorno tendem a ser reduzidas e mesmo extintas.
No geral, a educação se torna mais pragmática e mais técnica, com redução do
espaço e do tempo para o exercício da crítica e o aprofundamento das
questões, afetando negativamente toda a produção do saber. Na
verdade, a quantidade e a qualidade da educação oferecida dependem das
demandas, pressões e contra-pressões no mercado, por um lado (econômico) e do
nível e do exercício efetivo da cidadania (político-ideológico), só que com a
política neoliberal este tende a tornar-se muito restrito.
Um dos
mecanismos do ajuste neoliberal examinados anteriormente refere-se à desregulamentação
das relações sociais, fazendo parte deste mecanismo a Reforma do Estado.
Posta neste termos, a Reforma do Estado é parte integrante do ajuste
neoliberal, implicando esta condição todas as conseqüências apontadas
anteriormente para a educação em geral e para o ensino superior em particular. Além
do mais, a descentralização enquanto mecanismo de ajuste neoliberal
também deve ser considerada por se constituir uma das metas da Reforma do
Estado.
A análise
dos principais documentos referentes à Reforma do Estado, empreendida pelo
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE, extinto em 1º de
janeiro de 1998) e acompanhada de perto pelo Ministério da Educação, fornece
pistas para o entendimento da hipótese do presente estudo.
Essa
Reforma no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi
comandada pelo MARE, capitaneado à época, por Luiz Carlos Bresser Pereira,
explicação necessária, pois a Reforma tem a marca de sua concepção de
Estado.
Para
Bresser Pereira, o conceito Estado está relacionado ao aparelho de Estado, à
organização estatal democrática e ao sistema legal que lhe dá constituição. A
Reforma proposta é, pois, Reforma do Aparelho de Estado.
Tomando-se
por base as duas grandes metas da reforma do aparelho do Estado, a
flexibilização e a descentralização, seria oportuno retomar os princípios
condizentes com essas metas. Assim é que, em nome da flexibilização
estão postulados a eliminação do regime jurídico único, do concurso público e
da dedicação exclusiva para o exercício da docência, favorecendo contratos mais
ágeis e econômicos, como os “temporários”, “precários” e outros mecanismos já
em vigor.
Um outro
ponto central quando a questão é flexibilizar, no âmbito do ensino superior
brasileiro, encaminha-se no sentido de aceitar e promover a diversificação
das instituições, mediante a flexibilização do princípio constitucional
da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão.
Por fim,
nessa linha de raciocínio, um dos aspectos que merece ser destacado na proposta
da Reforma do Aparelho do Estado, é o referente à administração pública
gerencial, pois é aqui que vamos encontrar, como um de seus princípios, a
flexibilização, categoria importante para o entendimento da ruptura do
princípio constitucional da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e
extensão, incorporada ao mais recente Decreto que regulamenta o ensino
superior, o de nº 3.860/01. A supressão do termo indissociabilidade
nesse Decreto, pode ser considerada expressão da política educacional
brasileira, apontada na introdução do presente trabalho, do mecanismo “lento,
gradual e seguro” na atual tipologia do ensino superior brasileiro no que
concerne à organização acadêmica.
3. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Nos marcos
do neoliberalismo, se a educação (e no caso específico o ensino superior) estiver
subordinada às regras do mercado, então vai ter conseqüências na esfera dos direitos
sociais, pois será considerada um investimento; na esfera do
conhecimento, reduzindo-se o tempo
necessário para reflexão, crítica e aprofundamento do saber, resultando em uma
filosofia utilitarista e uma concepção fragmentária do conhecimento, concebido
como mercadoria. Regulada pelo mercado, tende a se elitizar e hierarquizar,
destacando-se os centros de excelência e aceitando a desigualdade como norma.
Esta concepção questiona a noção de cidadania, dando-lhe novo significado. Não
se trata mais de cidadão, mas de cliente e é significativo
encontrar nos documentos oficiais que examinei referentes à Reforma do Estado a
expressão cidadão-cliente, que é, a meu ver, contraditória em seus
próprios termos. Em outras palavras, “o neoliberalismo precisa, em primeiro
lugar, ainda que não unicamente, despolitizar a educação, dando-lhe um novo
significado como mercadoria para garantir, assim, o triunfo de suas estratégias
mercantilizantes e o necessário consenso em torno delas”.
A
categoria flexibilização diz respeito a muitos aspectos, mas o ponto central
para o presente estudo encaminha-se no sentido de aceitar e promover uma
diversificação das instituições, mediante a flexibilização do princípio
constitucional da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão.
No Decreto nº 3.860/01, o mais recente que regulamenta o ensino superior brasileiro,
a indissociabilidade foi suprimida, rompendo o mencionado princípio
constitucional. E aqui estamos no centro da hipótese deste estudo. Constata-se,
então que a flexibilização faz parte da Reforma do Aparelho de Estado, proposta
por Bresser Pereira, sendo o seu impacto mais evidente a negação do que
Marilena Chauí denomina de especificidade da ação universitária: o ensino e
a pesquisa, constituindo-se, portanto, uma hierarquização na
configuração do ensino superior brasileiro estabelecendo para muitas
instituições a preparação de profissionais (ensino) e para poucas a produção de
novos conhecimentos conjuntamente com a preparação de profissionais (ensino,
pesquisa, extensão).
A
tipologia do ensino superior brasileiro, a partir da reforma desse nível de
ensino delineada pela LDB/96 e regulamentada pelo Decreto nº 3.860/01 anuncia
novos cenários e novos atores, mudou mas continua o mesmo, ou seja,
constata-se a prevalência do caráter elitista presente desde os primórdios da criação do
ensino superior brasileiro no século XIX.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ANDES/SINDICATO
NACIONAL, Cadernos ANDES, n. 2, Proposta da ANDES/SN para a Universidade Brasileira,
1996 (ed. revista e atualizada).
BIONDI, A. O Brasil
Privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 1999.
BIRD/BANCO MUNDIAL. La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiencia (El
Desarrollo en la práctica). Washington,
D.C.: BIRD/Banco Mundial, 1994.
BRESSER PEREIRA, L. C. Crise
econômica e reforma do Estado no Brasil – para uma nova interpretação da
América Latina. São Paulo: Ed. 34, 1996.
CARVALHO, G. I. Ensino
Superior. Legislação e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1975. v. II.
CARDOSO, M. L. Reflexões
sobre ética e construção do conhecimento. Texto apresentado na XVII Reunião Anual
da ANPEd, Caxambu, MG, 1994. (Mimeo.).
CUNHA, L.A. Nova reforma do
ensino superior: a lógica reconstruída. Cadernos de Pesquisas, n.101,
jul.1997a , p.20-49.
____________. Políticas
para o ensino superior. Do GERES à LDB. Sociedade e Estado, v.XII, n.1, jan./jun.1997b, p.57-83.
DEL PINO, M. A. B.
Neoliberalismo, crise e educação. Universidade e Sociedade, ano VI, nº
10, jan.1996, p.75-81.
DUARTE, S. G. Educação
Brasileira: legislação e jurisprudência. Rio de Janeiro: Antares, 1984.
FÁVERO, M. L. Universidade
& PODER. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980.
Folha de São Paulo, 2 set. 1996, Caderno 3, p.10.
GENTILI, P. O discurso da
“qualidade” como nova retórica conservadora no campo educacional. In: GENTILI,
P; TADEU DA SILVA, T. (Orgs.). Neoliberalismo, qualidade total e educação.
Visões críticas. Petrópolis: Vozes , 1994.
GENTILI, P. Adeus à escola
pública. A desordem neoliberal, a violência do mercado e o destino da
educação das maiorias. In ________.(Org.). Pedagogia da Exclusão: crítica
ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes, 1995.
MANCEBO, D. Políticas para a educação superior
e cultura universitária: o exercício da solidão no ideário neoliberal. Texto
apresentado na XXI Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, MG, 1998. (Mimeo.).
MURANAKA, M. A. S., MINTO, C. A.
O capítulo “Da Educação Superior”, na LDB – uma análise.
Universidade e Sociedade, ano
VIII, n. 15, 1998, p. 65-75.
TEIXEIRA, F. J. S. Os
pressupostos neoliberais do governo FHC. Universidade e Sociedade, ano
VI, nº 10, jan. 1996, p. 42-64.
SILVA JR., J. dos R.,
SGUISSARDI, V. Novas Faces da Educação Superior no Brasil. Reforma do
Estado e mudança na produção. Bragança Paulista: EDUSF, 1999.
LEGISLAÇÃO
BRASIL. Lei nº 9.131, de 24
de novembro de 1995
_______. Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)
_______. DECRETO nº 2.207,
de 15 de abril de 1997
_______. DECRETO nº 2.306,
de 19 de agosto de 1997
_______. DECRETO nº 3.860,
de 9 de julho de 2001
DOCUMENTOS
BRASIL. A Reforma do
Aparelho do Estado e Mudanças Constitucionais: Síntese & Respostas a
Dúvidas mais comuns. Cadernos MARE (Brasília), n.6, 1997.
BRASIL. MARE. Plano
Diretor da Reforma do Estado. Brasília, 1995.
_______. MARE. Conselho da
Reforma, 1995.
_______. MARE. Cadernos
MARE (Brasília), no 1 (1997), 2 (1998), 3 (1998).
BRASIL. Presidência da
República. Apresentação do Plano Diretor da Reforma do Estado. Brasília,
25.nov.1995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sintam-se à vontade para enriquecer a participação nesse blog com seus comentários. Após análise dos mesmos, fornecer-lhe-ei um feedback simples.