Blog História do Ensino Superior Brasileiro, de autoria de Álaze
Gabriel. Disponível em http://historiadoensinosuperiorbrasileiro.blogspot.com.br/
Autoria:
Lusia
Ribeiro Pereira. Doutora em História e Filosofia da Educação pela Universidade
de São Paulo (1996). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas
Gerais (1988). Graduação em Filosofia pelo Instituto de Ensino Superior e
Pesquisa (1975). Professora da Pós-graduação em Direito da PUC Minas.
Coordenadora de Pesquisa da Fundação Educacional de Oliveira.
RESUMO
O presente artigo visa discutir a
educação na pós-modernidade com enfoque na crise das Instituições e da
necessidade de se compreender tais crises a partir de uma percepção histórica –
social, dinâmica e mutável, desnaturalizando seus problemas e projetando uma
possível solução para os mesmos através de uma ação educativa que recupere a
autoridade do professor como sujeito social condutor de tal processo.
Palavras-chave: educação,
pós-modernidade; ensino, aprendizagem, aluno, professor.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 Instituição Escolar e Pós-
modernidade.
2 Universidade: lugar do Ensino como
Legado Democrático.
3 Ensino Superior: Meta e Perspectiva.
4 Ensino Superior: anúncio e denúncia.
5 Universidade: fator de mediação no
processo de transformação social.
6 Uma nova prática pedagógica na
Universidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
“A tarefa de incorporar a Universidade
num projeto social e nacional impõe primeiro a criação e depois a difusão de um
saber orientado para os interesses do maior número e para o homem universal.
Não há contradição entre nacionalidades e universalidades, entre as busca do
nacional popular e o encontro com o universal. Devemos estar sempre lembrados
de que o internacional não é o universal. O trabalho universitário não é
propriamente uma tarefa internacional, mas precipuamente nacional e universal,
dependendo, desde a concepção à realização efetiva, da crença no homem como
valor supremo e da existência de um projeto nacional livremente aceito e
claramente expresso. É a tarefa que nos aguarda.” (Milton Santos 2009).
1
INSTITUIÇÃO ESCOLAR E PÓS-MODERNIDADE
A escola seja qual for o seu grau de
ensino ou modalidade, se particular ou pública, relaciona com o sujeito humano
a quem deseja educar. Ao mesmo tempo ela é uma instituição social que tem uma
função a ser cumprida. A escola não é neutra e por isso participa inteiramente
do meio sócio-histórico-temporal onde está inserida interferindo e, ao mesmo
tempo sofrendo a interferência dessa realidade. Ou seja, a escola faz parte da
realidade e a ela se refere o tempo todo, seja nas atividades mais comuns, seja
nas suas realizações mais acontecimentais ou fenomênicas.
Assim as instabilidades, ou crise das
instituições presentes nesta contemporaneidade fazem parte da Instituição
escolar, que apresenta de forma fenomênica a sua crise e que pode ser percebida
por um ‘certo sentimento’ de insatisfação, tanto por parte do professor, como
por parte do aluno.
Existe uma forma de lamento, de queixa:
o salário é baixo; os alunos não estudam; o professor não ensina; o espaço da
sala de aula não é bom e muitas outras falas são recorrentes. Mas como no dizer
de Milton Santos “elas são nacional e universal” e como tal devem ser
compreendidas. Já se tornou recorrente dizer que existe uma crise devido à
pós-modernidade. Uma crise de paradigma que se explicita num estado de
insatisfação generalizada traduzida em uma crise do homem, dos valores, da
ética ou outras que poderiam ser infinitamente numeradas. Acontecimentos que
ocorrem no cotidiano cada vez com mais freqüência correndo o risco de está-se
assistindo a uma banalização do mal (ARENDT, 1992).
A crise existe e é real, porém é
necessário compreendê-la. E essa é a função precípua do ensino superior:
considerar como ponto de partida para a produção do conhecimento problemas
presente na realidade social vivida pelos sujeitos humanos. Desprezar a
casualidade e perceber os problemas como sendo históricos, e enquanto tal,
passíveis de alteração e mudança. Esses são construídos pela ação do homem e
como tal devem ser alterados pela mesma ação que os construiu. (ARENDT,
op.cit.)
Nesse sentido pode ser afirmado que
existe a inauguração de um novo tempo social que tem, consensualmente, sido
chamado de Pós-modernidade ou de Modernidade em crise. Expressão essa comumente
utilizada para qualificar as intempéries às quais o mundo está vivendo. Segundo
Boaventura Sousa SANTOS (1988) pós-modernidade pode ser assim referida:
“A época em que vivemos deve ser
considerada uma época de transição entre o paradigma da ciência moderna e um
novo paradigma, de cuja emergência se vão acumulando sinais, e a que a falta de
melhor designação, chamo de ciência pós-moderna.” (p. 11). A modernidade
enfrenta a transição de um paradigma que se esgota – racionalidade pura – para
outro, cuja emergência, apresenta os limites dessa extrema racionalidade. Pode
se considerar esses indícios de mudança como sendo uma crise de paradigma cujo
termo é assim definido por Alexandre MAIA (2008)
“O termo paradigma implica de maneira
geral, uma visão de mundo. Conseqüentemente, significa um conjunto de regras,
de percepções e impressões sobre alguma coisa. É ainda, a forma que vemos algo.
Essa forma, essa perspectiva, permite que eu tenha uma idéia sobre aquilo que
estudo... é também um acúmulo de conhecimentos, uma construção científica de um
aspecto do mundo (aspecto esse definido muitas vezes como objeto de estudo que
deve ser claramente definido...). Sempre que se falar em paradigma, então, está
se falando em um acúmulo de conhecimentos acerca de um objeto específico.” (p.
8 – 9)
Na forma comum do uso do termo, ou
dizendo de outra forma, o senso comum utiliza o conceito de paradigma para se
referir a qualquer coisa que se destaque e cause certo impacto na visão
costumeira de se identificar e perceber algum fenômeno. É comum falar em
paradigma da beleza, da política, do conhecimento, da religião, do aluno. O uso
do paradigma como sendo modelo a ser alcançado a priori, não tem nenhum impedimento.
O problema existe quando ao se referir a algum paradigma, o mesmo sirva para
excluir pessoas que não correspondem a um determinado ideal paradigmático
presente no imaginário social. Pode-se colocar como exemplo o ideal de aluno
presente no imaginário do professor, levando-o a classificar de forma aleatória
aqueles que são bons escolares e outros que não o são. Ademais essa afirmativa
não pode ser considerada é um paradigma, uma vez que paradigmas são fruto de
longas pesquisas e estudos para se fixar ou referendar algo como estando dentro
ou fora de um determinado princípio paradigmático. Mas pode-se afirmar sem
maiores problemas, que estamos vivendo uma crise paradigmática, percebida a
partir dos sinais de mudança que nos circunda a todo o momento, o que é também
chamado de pós-modernidade.
Assim pós-modernidade é uma crise da
ciência enquanto verdade absoluta e ato de fé individual. Perde lugar a ação
centrada no indivíduo, para surgir o sujeito social, solidário. Perde-se a
crença na razão absoluta, e aposta-se na provisoriedade e casualidade dos fatos
e dos acontecimentos. O conhecimento passa a ser os traços que restaram da travessia,
e não aqueles que foram arquitetados de forma milimétrica com exatidão
matemática. Isso talvez seja o que está se percebendo como de maior impacto na
relação do homem/sujeito contemporâneo e a realidade escolar. Compreender essa
contemporaneidade é uma das formas de desvelar a crise da escola.
A pós-modernidade “é resultado da
emergência e consolidação da sociedade industrial e do desenvolvimento
espetacular da ciência e da técnica.”(SANTOS p. 17). Aflora-se um conhecimento
que deixa o homem perplexo e assustado com seu próprio poder. O homem da modernidade
é o senhor da vida e da morte. Aquele que se julga ser capaz de controlar tudo.
A pós-modernidade se apresenta a partir da queda desses paradigmas nos quais
sempre se acreditou. Esses se rompem diante da bomba atômica, das pesquisas
espaciais, das pesquisas genéticas, da produção da vida em laboratório. Os
limites entre a ciência e a técnica são cada vez mais tênues.
A impotência diante das contradições do
mundo apavora o homem. Vive-se ao mesmo tempo, um progresso fantástico, ao lado
de assombrosas desigualdades humanas. As condições de vida e existência
escancaram a fragilidade humana. A miséria e a abundância convivem juntas. O
desafio de viver, ou que esta vida pode ‘desabar’ a qualquer instante passa a
ser o paradigma comum a todos os sujeitos, independente de categoria social,
econômica, cor, raça, cultura ou divisão geográfica. A vida do homem passa a
ser e depende necessariamente da preservação do planeta.
Esse é o grande paradigma do mundo
contemporâneo. Ele é a um só tempo local e universal. Procurando ainda
compreender essa pós-modernidade, e a partir daí compreender a questão da crise
na educação, é importante considerar o final do século XX e início do século
XXI como sendo um enorme desafio para todas as áreas de conhecimento que
circundam o mundo. Especificamente o ano
de 1968 (Zuenir Ventura)pode ser colocado como marco temporal que divide a
modernidade e a pós-modernidade. Os movimentos sociais,principalmente da
juventude assustam e impactam o mundo. É a primeira vez que se tem uma
população jovem e ativa em números tão intensos. Ao mesmo tempo tem-se também
uma população velha, numerosa e ativa.
Esses fenômenos aventam e suscitam novos
processos de conhecimento em todas as esferas: social, política, econômica, com
desafios para as atividades de saneamento, saúde, habitação, comunicação,
exigindo por sua vez a formação de profissionais competentes para atender com
eficiência às exigências advindas desse tempo sócio-cultural onde estamos
inseridos e do qual emergem novos saberes.
O mundo contemporâneo traz grandes
desafios e os jovens estudantes devem estar preparados para enfrentá-los.
Deverá os mesmos ter ciência, eficiência e competência na resolução de
problemas que suscitarão cada vez mais um conhecimento múltiplo, porque cada
vez mais os ‘objetos’ se apresentam como múltiplos na sua compreensão e
surpreendentes na capacidade de sua definição.
A Universidade é um lugar de produção
social do conhecimento. Ou seja, ela tem um compromisso social com o mundo e
uma responsabilidade ética e moral em relação aos sujeitos que aí circulam,
sejam como alunos ou como professores.
Assim é necessário que se aprenda a
lançar – e esta é a função precípua da Universidade – outras formas de olhar e
perceber o ensino e seus sujeitos sobre outra perspectiva, que não as formas
tradicionais de se pensar e ensinar e ainda permanecem carregadas de
‘preconceitos’ na maioria das vezes priorizando uma posição de mando e
dominação, herdeiras do extremismo da racionalidade moderna, excluindo formas
de conhecimento pautadas em outros princípios, calcados em outra racionalidade
e, que na sua maioria não têm uma justificativa plausível e de comprovada
necessidade social.
2
UNIVERSIDADE: LUGAR DE ENSINO COMO LEGADO DEMOCRÁTICO
A Democracia é uma construção histórica,
herança cultural que uma sociedade legitima e deixa como legado para outra
geração que, por sua vez, irão legitimá-la e construir nova herança. Democracia
é uma afirmativa que não necessita de maiores justificativas, por que ser livre
e ser feliz já são uma condição do humano.
Nessa travessia, de construir a
Democracia, o homem dignificou a vida e foi se dignificando. Tornou
inquestionável saciar a fome do outro, aquecer, proteger, abrigar e cuidar das
crianças e idosos, assistirem aos enfermos, velar os mortos, respeitar as
diferenças, ser diferente, fazer história, anunciar a possibilidade do novo.
A educação e a escolarização fazem parte
desse modo humano de ser. A escola emoldura essa condição na medida em que se
coloca como sendo o espaço de delimitação entre o indivíduo e o sujeito, entre
o particular e o público, entre o universal e o específico. A escola é um espaço
de intermediação entre o indivíduo e a construção do sujeito por que inaugura
institucionalmente o outro. Permite conhecer diferenças. Saber-se diferente,
portador de uma herança cultural legalizada e legitimada. (ARENDT, 2000).
A escolarização é um acolhimento desse
sujeito e da história de suas conquistas. A escola não é para humanizar, mas
cultivar o humano. Acolher o sujeito, seus desejos.Afagar suas utopias.
Considerar seus limites, inclusive os de conhecer e aprender, como sendo uma
forma humana de ser e estar no mundo.
Educar é aprender a decifrar essa
herança lançando sobre a mesma, um olhar sempre vigilante, por que a história é
sempre provisória e o ser humano é sempre uma possibilidade. A sua dinâmica é
estar sempre redefinindo o que é bom e o que é ser feliz. Isso por que a vida
que se está vivendo coloca o homem num constante estado de insatisfação, de um
sempre vir a ser, pois no mundo que o circunda ainda existe muito para ser
feito. O homem, sujeito social, responsável por essa história, tem ainda um
longo caminho em direção à sua finitude. Os momentos históricos que vivemos e
que passam a merecer um lugar destacado na história são apenas lampejos de uma
realidade que ainda tem muito para ser clarificada. E, é exatamente isso que
justifica o fato de se estar sempre produzindo conhecimento, pois conhecer é
compreender problemas. (PEREIRA, et alli 2009).
Os problemas existem, são visíveis. E,
eles se referem tanto à realidade social quanto a questões referentes à
qualidade do ensino. Os índices estatísticos viram notícia, passam a fazer
parte do cotidiano. Deixam de causar espanto. E, quando os problemas não são
compreendidos podem correr o risco de fazer o homem abandonar a utopia.
Instaurar a desesperança. Emperrar o curso da História.
Porém, essa mesma realidade quando
percebida e analisada pelo estudioso e pesquisador da educação escolarizada,
exige do mesmo mais que uma constatação. Mas, um repensar da organização e
estrutura das Instituições de Ensino, permitindo que professores e alunos sejam
livres para o aprender. Rever estratégias, redefinir práticas, elencar outros
objetivos. Outras prioridades.
Reafirmar a liberdade. Acreditar na
potencialidade do sujeito humano, na sua ciência e eficiência de construir o
mundo. A busca e construção de uma escola libertária mais comprometida com os
anseios dos sujeitos que a legitima como algo de importância na sua formação de
sujeitos humanos – novos cidadãos, futuros dirigentes, políticos, empregados,
ocupantes de cargos de chefia – o que implica estar subjacente a ela, na pessoa
de seus dirigentes, o desejo democrático e o compromisso na formação de uma
sociedade mais justa e livre que possa inaugurar também, novos poderes e outras
perspectivas, novas posturas éticas antes impensáveis.
A realidade educacional brasileira não é
uma força do acaso, mas um resultado de decisões e determinações historicamente
construídas, que insistem e persistem, principalmente quando reforçadas por
posturas de exclusão presentes nos atos repetitivos da ação cotidiana escolar.
A repetência escolar é um sintoma desse problema.Um resultado do continuísmo,
uma resistência ao percurso incessante da História, que trás no seu bojo o novo
e a renovação.
No que concerne ao ensino superior, onde
deve ser indissociável o ensino da pesquisa e das atividades de extensão, como
forma a garantir uma qualidade de vida e inserção social, tal como afirma
Boaventura de Sousa SANTOS: a procura pelo ensino superior deixou de ser apenas
a procura de excelência e passou a ser também a procura de democracia e
igualdade, representando para todo um novo contingente de sujeitos a chance de
inserção social e a melhoria de suas condições de vida. (SANTOS, 1999, p. 212) essa
realidade deve ser modificada com pena de se , perpetuar uma geração de
simulacros. (BAUDRILLARD, 1991).
A Universidade, como instituição e locus
formal da elaboração, organização, sistematização do processo de produção do
conhecimento surgido do enigma homem – mundo _ homem, pertence ao curso da
história. Desde a sua formalização no final do sec. XVIII, não se questiona
mais a validade ou não de sua existência. O que está em pauta é a qualidade do
exercício de sua inserção na análise e compreensão do enigma do caminhar do
homem na história, como um desafio contínuo.
Como movimento histórico, a Universidade
não está isenta de crises. E suas crises devem ser vistas e tidas como o pulsar
de sua própria vida. Nessa perspectiva, os questionamentos sobre a Universidade
não devem incidir sobre suas crises, em si, mas sobre a negação e não aceitação
da própria crise. Esta negação pode levar as elaborações teóricas inócuas, a
movimentos circulares em torno de um mesmo eixo, a um redemoinho que pode levar a um naufrágio sem volta,
principalmente àquele da culpabilização bipolar - relação de causa e efeito -
dos sujeitos envolvidos na construção de sua história.
Sobre isso vale lembrar o afirmado pelo
professor Milton Santos (1999): “Nos dias atuais, é praticamente comum, quaseem
toda parte, a perda progressiva, pelas
Universidades, da meta do conhecimento
genuíno, o que contribui para despojar a instituição universitária de sua
principal razão de ser. Será essa uma evolução inelutável? (...) Essas
tendências gerais, hoje comuns a quase todas as Universidades, em quase todos
os países, são um resultado do fato de que o saber se transformou numa força
produtiva direta. Como ao mesmo tempo a economia se internaciolizou. O saber –
mercadoria tinha que acompanhar a tendência, razão pelas quais as
universidades, por iniciativa própria ou por contaminação, aceitam seguir essa
mundialização unilateral.
Adotando um modelo externo às realidades
nacionais ao serviço da produção das coisas, elas se tornam medíocres, graças,
também ao desajustamento entre um saber cada vez mais transferido e as
realidades profundas das nações e graças à contradição entre os meios
universalizados pelas necessidades produtivas de caráter internacional, e os
fins próprios a cada coletividade nacional, minimizados estes por uma
globalização perversa, comandada pó uma economia mundial perversa e uma
informação internacional igualmente perversa. Sob esse ponto de vista, a
situação dos países do Terceiro Mundo é dramática. Porque o saber já chega de
fora incorporado nos objetos de tecnologia, no ‘management’ e inclusive nos
‘scholars’ importados, ainda que haja exceções.
Nessa situação, a produção de um saber
nacional autêntico torna-se assim dispensável (...)” No que se refere
especificamente ao enfrentamento da crise na Universidade, não no seu todo, mas
no seu espaço de produção acadêmica, é de fundamental importância especificar
fatores que possam direcionar uma possível intervenção. Para isso, faz-se
necessário um exercício teórico-metodológico de se construir uma pergunta, cuja
resposta seja o esforço ético-social da construção de um projeto que, mesmo
sendo provisório, seja portador de alguns elementos definidores e definitivos
da ação.
E um dos fatores que podem nortear a
análise e a compreensão do que deve ou não ser proposto é a clareza de que a
crise não é da Universidade em si, mas do mundo moderno e da sua lógica pautada
nos princípios da razão instrumental controladora da ação humana em todas as
instâncias em que a vida se manifesta. A Universidade é uma dessas instâncias.
Nela, a lógica da razão instrumental se manifesta na ação controladora da
construção do saber, transformando-o em conhecimentos petrificados, em dogmas
que acabam por gerar, na organização do processo de trabalho acadêmico, uma
relação dual: de um lado os que sabem e detêm o conhecimento, e, por isso
julgam-se portadores de poder; e, de outro, os que não sabem e se colocam
passivos e aparentemente submissos ao poder dos que sabem. E é exatamente nessa
relação bipolar que é necessário perguntar: quem sabe, sabe o quê e para quê? Quem
não sabe, não sabe o quê? E, se é necessário saber, é preciso perguntar: O quê?
Para quem? Para quê? Como?
Considerando ser esta a função da
escolarização em geral e, da Universidade em especial, é viável que se
substitua o aprendizado do conhecimento como dogma petrificado, mercadoria
apropriada, pelo modo de como o saber é produzido e de como ele é transformado
em conhecimento provisório sob a forma de uma teoria a respeito do enigma homem
- mundo - homem.
Ou seja, significar o conhecimento a
partir de sua função de desmistificar o objeto a ser conhecido. Compreender
esse enigma, nos diversos momentos da crise, tem sido a história da caminhada
humana. A busca da resposta, que persiste e insiste sob a forma da pergunta, é
o sentido real da emancipação dos sujeitos. Cada momento histórico tem seu
processo de emancipação. Aos sujeitos desse tempo compete mais do que julgar as
formas de emancipação que nos foram deixadas de herança, interrogar-se sobre
qual emancipação se quer deixar de herança aos herdeiros que, por se fazerem
acreditar numa ação humana no curso da história, possam ser construtores de uma
história outra, porque dessa apreenderam a dialética do provisório. (Olgária
Matos 1990)
Compreendendo a crise, faz-se necessário
projetar o objetivo da ação. Aqui, novamente se torna importante proceder a uma
nova inversão no eixo da organização da relação de trabalho na Universidade. A
importância do conhecimento não pode se limitar aos trâmites burocráticos dos
muros universitários. É necessário reelaborar o conceito de talento dos
sujeitos do processo de produção do conhecimento que, na maioria das vezes, são
idealizados e previamente classificados como os “altamente dotados... os
medianamente dotados... e os praticamente desprovidos de talentos” (T. Adorno, 1995, p. 170); e alocados em
cursos que seguem a mesma tipologia classificatória. Questão essa que vai se
tornando explícita em tempos de discussão de ações afirmativas, de cotas
universitárias, privatização entre outras tantas propostas de indefinição.
Numa sociedade em que o Estado
Democrático de Direito se torna uma meta, mais que uma utopia, esta questão
está em certa medida invertida. A discussão deveria se pautar no porque alguns
são incluídos e outros não o são. E, mesmo os que o são, permanerão no limbo da
indefinição inclusiva caso sua trajetória de vida, seu jeito de ser e estar na
história, não serem pertencentes a uma cultura historicamente legitimada.
(Boaventura Souza SANTOS 1995).
O objetivo da ação universitária deve,
pois, projetar-se para fora dos seus muros, mas sem deixar de enraizar-se nos
sujeitos que transitam no seu interior que são também sujeitos plurais,
diferentes, diversificados, mas todos sujeitos de ação social e construtores de
um ordenamento da sociedade que se deseja democrático, calcado nos princípios
éticos da liberdade e da justiça. Para isso é necessário competência e
qualificação.
Hoje é preciso acreditar novamente na
utopia de uma sociedade emancipada porque construída pela ação de sujeitos
autônomos. Para isso a prática universitária deve ter uma meta para os sujeitos
que estão transitando no seu interior: proporcionar a todos possibilidades de
se qualificarem para o exercício de sua autonomia. Entendendo-se qualificação,
não apenas como preparação de mão de obra produtiva, mas, sobretudo preparação
do sujeito capaz de compreender e enfrentar as contradições de seu tempo
existencial. Ou seja, entendendo-se qualificação como a preparação de um
sujeito capaz de construir sua própria identidade social, cultural e
profissional.
Nesse processo, a universidade tem uma
função. Exercê-la é recuperar sua legitimidade. Isto quer dizer que a
universidade tem uma função social e simbólica e dentre elas pode-se eleger:
“Possibilitar aos sujeitos adquirir e/ou desenvolver valores positivos perante
o trabalho e perante a organização social e econômica da produção; possibilitar
aos sujeitos construir regras de comportamento que facilitem o desenvolvimento
de interações sociais mais humanizadoras e democráticas; estimular a construção
prazerosa de trajetórias pessoais de vida; estimular formas interativas de
acessar informações e processar conhecimentos; estimular o desenvolvimento de
habilidades cognitivas que permitam compreender e viver a realidade nas suas
diversas performances; alertar para a existência e a necessidade de convivência
com o diferente e o diferenciado; enfim, possibilitar que se aprenda a viver e
a processar o exercício da liberdade de ser e se tornar sujeito humano, de um
determinado tempo, para além de seus muros.” (SANTOS,1995,p.189)
No caso brasileiro, promover um trabalho
acadêmico comprometido com as questões sociais do mundo contemporâneo é formar
profissionais mais eficientes para áreas de atuação que há longo tempo se
mostram estranguladas: educação, justiça, fome, planejamento urbano e meio
ambiente, habitação, saúde, dentre outros. Ou, ainda, voltar-se para problemas
da comunidade imediata como assistência jurídica, sanitária, educacional,
cultural, técnica, etc. É realizar um trabalho que se efetive numa via de mão
dupla, em que os problemas sejam tratados como objetos de estudo e pesquisa
acadêmica, e ao mesmo tempo visar à formação de profissionais que atuem com
mais competência na sua área de qualificação. (SANTOS, 1995)
Nessa perspectiva, é necessário
substituir o discurso teórico, absoluto e absolutizante do saber enclausurado
na sala de aula por projetos de pesquisa, ensino e extensão em que os futuros
profissionais, ou aqueles que já os são, tenham o próprio trabalho como ação de
conhecer - fazendo.
E, isso é uma questão de escolha:
escolher trabalhar com o atual contingente populacional que reivindica o seu
legítimo direito de cursar o ensino superior. Ou seja, alunos na sua maioria
jovens, que chegam à universidade com um objetivo claro e concreto de inserção
no mercado de trabalho. A partir do momento que esse outro contingente
populacional, sujeito de trabalho e para o trabalho, diferente daquele
historicamente considerado sujeito aprendente: o aluno portador de
conhecimentos prévios legitimamente considerados pelo mundo acadêmico; aluno
leitor de clássicos, conhecedor de culturas eruditas, dominador de uma escrita
própria do mundo da academia, freqüentador de cinema, teatro, viajante adentra
no espaço do ensino superior e, se torna sua maioria a mesma universidade,
obriga a mesma alterar sua função tradicional de produzir um conhecimento
restrito a interesses personalizados, para possibilitá-lo a um grupo social
mais heterogêneo.
Dessa forma a universidade se vê na
premente necessidade de construir novas competências articulando a democracia
do acesso com a democracia da permanência sem perder a qualidade e a eficiência
da construção do conhecimento.
Nesse processo de redefinição da função
social da universidade é preciso pensar e planejar ações que sejam projetadas a
médio e longo prazo, pois não se trata apenas de alterar sua estrutura
organizacional, mas de construir outra cultura acadêmica. Isso significa
reconhecer a existência de outros saberes e promover a interação entre eles, o
que implica na criação de um modelo alternativo de aplicação da ciência e da
sua forma de produção do conhecimento escolar.
Considerando-se que um dos pontos de
estrangulamento do paradigma de ensino-aprendizagem vigente seja um ensino
baseado no modelo de transmissão/assimilação de conhecimentos, faz-se necessária
a alteração desse paradigma. Nesse sentido a tendência que vem se firmando nos
meios acadêmicos é a de um modelo centrado na produção do conhecimento que tem
no mundo do trabalho e das necessidades a construção das perguntas norteadoras
do conhecer e do saber. Conhecer e saber não para si, mas, para significar o
mundo.
3
ENSINO SUPERIOR: META E PERSPECTIVA
Pensar um modelo de organização
acadêmica cujo foco seja o processo de produção do conhecimento implica em
começar por buscar respostas para perguntas do tipo: O que é conhecer? Quem
conhece e o que se conhece? Qual o papel do conhecimento ou para que serve
conhecer? O que é sujeito/objeto no processo de produção do conhecimento? Quais
as condições mínimas necessárias à efetivação de um processo de produção de
conhecimento?
Buscando respostas a perguntas desse
tipo, é possível ir delineando uma modalidade de produção de conhecimento em
que o objeto seja o eixo das interações entre os sujeitos e o processo de
desvelamento, do conhecimento e compreensão da realidade. Busca de uma
racionalidade para além das verdades absolutas.
Outra questão a ser levada em conta no
processo de produção do conhecimento são as reais condições de produção dos
sujeitos. Ou seja, a materialidade da pergunta e da resposta. O que determina
também a provisoriedade do conhecer e do conhecido. O que implica em deixar
aflorar outro paradigma pautado nos princípios de uma racionalidade histórica
capaz de acolher os sujeitos e sua heterogeneidade.
Nessa perspectiva, a construção do
sujeito e do objeto só se objetiva subsidiada por uma perspectiva teórica mais
dinâmica, condição necessária para a efetivação do processo de produção do
conhecimento. Pode se afirmar, portanto, que sujeito e objeto, realidade e
perspectiva teórica são fatores essenciais na efetivação do conhecimento.
Nesse sentido, torna-se necessário
redimensionar a compreensão de sujeito e de objeto. No lugar do sujeito lógico
e neutro, o sujeito histórico, portador de razão, desejos, sentimentos; no
lugar do objeto estático, a realidade múltipla, constituída de múltiplas
temporalidades. Fenômeno social total, com suas evidências, enigmas e acasos.
Esse proposto coloca outro desafio, no
sentido de concretizar a função social da universidade: a construção de um
currículo que dê conta ao mesmo tempo da razão lógica e da razão histórica. E,
ainda, operacionalizar esse processo em forma de tempo pedagógico. Isso
significa discutir aquilo que é o cerne fundamental do trabalho universitário -
o currículo e sua tradução em disciplinas e conteúdos de ensino.
As pesquisas e estudos existentes na
área discutem que há muito o currículo deixou de ser apenas uma área meramente
técnica, voltada simplesmente para procedimentos didáticos - metodológicos, em
função de elencar e distribuir disciplinas ou conteúdos de ensino. Hoje, uma
concepção curricular passa necessariamente por uma tessitura sociológica,
política, epistemológica e cultural do ato de ensinar e aprender. O que implica
conceber o currículo a partir de uma moldura social e cultural, na perspectiva
de determinações históricas e contextuais condizentes com uma escolha do que se
quer e para que se quer conhecer.
Não é, pois, a definição, a priori, da
grade curricular que deve determinar a organização de um determinado curso,
mas, antes, a definição do seu objeto de estudo é que deve apontar o que se
estudar, bem como decidir o como e o quando, no sentido da organização
pedagógica do plano de ensino. O currículo não deve ser fixo e permanente, mas
contextualizado nas determinações históricas do objeto de estudo a ser
priorizado. Assim, não é o currículo que deve decidir o plano de estudo, mas
projetos de pesquisa em torno de determinado objeto é que devem direcionar o
processo de aprender e produzir conhecimento. Da mesma forma, não é a teoria na
qual estão enclausuradas as disciplinas que deve dizer o que se deve aprender,
mas é a interrogação nascida no enigma do objeto que deve determinar a escolha
de uma teoria que melhor dê conta do desvelamento desse enigma.
Um dos desafios da tarefa de trazer de
volta a legitimidade do papel social da universidade é encontrar estratégias
que possam romper com o modelo vigente e a ousadia de ir de encontro a temas ou
objetos de estudo diretamente ligados aos interesses dos alunos. Isso exige
investir na criação de condições e ambientes nos quais esses se vejam motivados
a investigar e a indagar, habilidades essas necessárias à produção de um conhecimento
pautado nos princípios da razão histórica.
A alternativa que se tem mostrado
eficiente para organizar o conhecimento nessa dimensão teórica é a de construir
um processo de ensino a partir de linhas de pesquisa, cujo centro de interesse
sirva de eixo integrador entre os interesses sociais dos sujeitos e a
perspectiva acadêmica de construção do conhecimento. Daí decorre uma
perspectiva e decisão política de se voltar a atenção para os problemas da atualidade,
e da realidade local, como ponto de partida para promover o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia necessários à compreensão desses problemas. É nessa
dimensão que a teoria subsidia os conteúdos selecionados para serem trabalhados
em sala de aula e dão aos mesmos, maior significado. Por outro lado, o processo
de aprendizagem passa a ser também direcionado para além da sala de aula, pois
o importante passa a ser a pesquisa em torno de um objeto de estudo e não o
discurso do professor sobre um saber já posto, produzido e reproduzido.
Pensar nessa concepção curricular supõe
planejar propostas de trabalho nas quais os estudantes e professores proponham
perguntas em torno de um determinado objeto/problema, que levem à construção de
um pensamento multicultural e que possibilitem a elaboração de respostas que
articulem conhecimentos de diversas áreas. Segundo Bernardo Sorj:
É consensual que para entender a
complexidade da vida social seja necessário mobilizar os diferentes recursos
das várias disciplinas, pois cada uma delas só é capaz só é capaz de refletir
sobre uma dimensão, parcial, da sociedade... o problema central da
interdisciplinaridade não é que cada disciplina das ciências sociais possui uma
vocação imperial _ e, portanto, uma natural tendência invasiva, que desrespeita
ou, no mais da vezes, é insensível à especificidade das diferentes lógicas
teóricas e práticas de cada disciplina _, mas o fato de que, em uma sociedade
democrática, a autonomia dos subsistemas sociais é a condição do pluralismo
intelectual, da liberdade individual e coletiva e o fundamento de um sistema de
justiça não submetido à tirania do poder econômico, político, cognitivo ou
religioso.... Se decidirmos enfrentar o esforço de uma análise interdisciplinar
partindo do reconhecimento de tais dificuldades é porque acreditamos que a
dinâmica social hoje impõe o diálogo entre disciplinas. (SORJ,2004,p.116.).
4
ENSINO SUPERIOR: DENÚNCIA E ANUNCIO
A baixa qualidade do ensino tem sido
tema de pesquisas, debates, seminários e estudos, que vão desde uma crítica à
escola básica, sua estrutura e seu funcionamento, atinge o ensino superior -
passando pelo seu processo de ensino e sua relação pedagógica - até um
questionamento que, extrapolando o seu espaço restrito, analisa as suas
relações com os segmentos mais amplos da sociedade. Esta questão vem gerando um
problema social que preocupa os órgãos oficiais e passa a fazer parte dos
projetos sociais de governo e das propostas oficiais de reforma educacional.
Considerando ser importante que os
órgãos oficiais tenham explicitamente essa preocupação, e que maiores recursos
sejam destinados à educação, devem ser ressaltados também os limites dessa ação
oficial. Seria ingenuidade acreditar que tal problemática possa ser resolvida
através de decretos ou de reformas governamentais. Isso denunciaria de certa
forma, uma visão messiânica do processo de transformação da sociedade e de suas
instituições. Antes, é preciso ter em mente, que essa transformação se dá por
um processo de ação coletiva, onde os diversos atores sociais, alunos e
professores tentam organizar os espaços institucionais que lhes pertencem, em
função de seus próprios objetivos para com a sociedade que almejam no futuro.
As formas como a Universidade, e suas
atividades acadêmicas se encontram organizada e estruturada para exercer o seu
trabalho pedagógico – aulas expositivas com hora marcada de começar e terminar,
sistema de avaliação baseado em provas para assinalar verdadeiro ou falso.
Conteúdos segmentados e centrados na figura do professor, conhecimento
extremamente baseado em livros, quando não em manuais- não está adequada para
receber e atender com eficiência esse contingente populacional inserido num
mundo contemporâneo, extremamente marcado por tecnologias incorporadas ao fazer
cotidiano dos alunos e professores. A pós- modernidade encontra-se também, na
sala de aula.
As metodologias que têm direcionado a
organização e a estruturação dos processos de aprendizagem parecem desconhecer
esses instrumentos dando preferência aos métodos que valorizam o saber do
professor e reforçam sua autoridade. Anula ou desconhece o saber e a
experiência dos alunos e as suas novas formas de produzir conhecimento o que
muitas vezes acontece de forma natural e prazerosa nas situações mais
cotidianas e corriqueiras de suas vidas.
Esse tradicionalismo ainda pode ser
observado no uso daquele ‘caderninho’ com infinidade de números para serem
decorados; a caneta esferográfica, hoje tão comum e recomendada, no lugar da
caneta tinteiro a espalhar tinta na prova que não podia ser rasurada. Em anos
mais recentes, surge calculadora que pode garantir sem margem de erro os
infinitos cálculos a que eram e, ainda, são submetidos os alunos (grifos
nossos). Mediante esta constatação o que dizer hoje dos códigos de barra
presentes tanto nos grandes magazines pelo mundo afora, quanto na venda da
esquina do bairro onde se mora; dos caixas automáticos que calculam o valor e o
troco; dos cartões eletrônicos para operar as mais simples transações bancárias
e as informações que circulam pela rede WEB via celulares ou micro
computadores; TVS em 3D; equipamentos esses cada vez mais populares.
E é essa contradição, entre o mundo
ideal e real onde a vida acontece, que o quê, para quê, e como se aprende, tem
exigido um repensar dos processos pedagógicos - sua estruturação e organização,
suas metodologias, seus objetivos e seus fins - para que os grupos sociais que
ingressam na Universidade encontrem um sentido e uma significação no quê, como
e para quê aprendem.
5
UNIVERSIDADE, FATOR DE MEDIAÇÃONO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
A Universidade, enquanto instituição
social se organiza se estrutura e se transforma de acordo com as necessidades
advindas das relações que os diversos sujeitos sociais estabelecem com seu
tempo e espaço que por sua vez são historicamente construídos. Essas relações,
que são sempre antagônicas, representam a força que movimenta uma determinada
sociedade, bem como a implementação de suas instituições. O redimensionamento
desse espaço implica a elaboração de um projeto pedagógico político-social,
visando sua participação mais ativa na organização da sociedade, o que exigirá
por sua vez uma mudança nos papéis sociais exercidos por outras instituições
também encarregadas do ordenamento social.
Nesse momento, a que tem se chamado de
pós-modernidade, onde se encontra um contingente de uma população jovem ávida
por ser inserida no mundo, existe uma demanda real pelo ensino superior, e no Brasil,
isso não é diferente. Assim, pode-se eleger a Universidade como sendo um dos
canais necessários para facilitar o processo de maior inserção dos sujeitos na
construção de uma nova ordem social e, por conseqüência, a efetivação dessa transformação.
Não é a Universidade em si, pois, que produz a transformação social. Antes, ela
se interpõe entre a necessidade de transformação sentida pelos atores sociais e
os projetos políticos pedagógicos que daí surge.
Dessa forma, necessário se faz compreender
a organização e a estruturação da Universidade, bem como sua finalidade, a
partir das necessidades de uma determinada ordem social vigente ou em
construção. Essas necessidades, por sua vez, estão ligadas à base material que
produz e constrói essa mesma ordem social. Base material esta que é formada e
constituída por sujeitos reais, pela sua atuação no processo de produção e
reprodução da vida, pelas suas condições existenciais, pelas relações sociais,
políticas e culturais que direcionam a construção de seu próprio mundo, de seu
próprio processo histórico. A articulação desses diversos níveis revela o
projeto político que direciona a construção e a organização da sociedade, bem
como a direção que se quer seja dada às diversas instituições que a compõem.
Sendo a Universidade uma dessas
instituições, a sua função e finalidade não se configuram fora dessa base
material de construção da sociedade. Ao contrário é aí que se encontra a sua
primeira instância de definição.Historicamente, os surgimentos da escola, e da
Universidade, bem como, as propostas de publicização do ensino estão ligados
aos projetos de democratização da sociedade a partir dos projetos sociais que
implementa em consonância com as aspirações dos sujeitos que demandam seus
serviços.
Não são, pois, as concepções teóricas a
respeito da escola que primeiro definem o seu papel. Cada fase, ou processo de
reformulação por que passou ou tem passado, corresponde a um resultado
historicamente determinado de acordo com as
necessidades decorrentes do processo de transformação da sociedade. As
diversas correntes e propostas pedagógicas que ao longo da história passam pela
escola devem ser estudadas e compreendidas tendo como lente o processo social e
histórico que naquele momento a elegeu como espaço de importância e princípio
valorativo.
Uma análise da universalização do ensino
que não leve em consideração as suas determinações históricas corre o risco de
circularem torno de si mesma, reduzindo-se a uma crítica pela crítica, sem, na
essência, colocar nenhum avanço significativo nas propostas pedagógicas que daí
surgirem. A percepção histórica do processo de organização do sistema
educacional, levando em consideração a sua base real de estruturação, deve ser
o ponto de partida para a elaboração de propostas de organização das
instituições de ensino e de novos procedimentos no exercício pedagógico.
A democratização da sociedade,
insistindo na universalização do ensino, a partir de instituições que tornem o
ensino acessível para todos, não tem conseguido, na prática, se efetivar.
Apesar das propostas aparentemente democráticas, o que tem acontecido é que
nessa ‘instituição educacional universal, pública, gratuita, democrática e
acessível para todos’ os alunos que mais fracassam são oriundos de grupos sociais
menos favorecidos.
O discurso de democratização do ensino
através do aumento de vagas nas escolas públicas tem acentuado uma contradição:
a classe trabalhadora, tornando-se maioria dentro da escola, começa por
reivindicar um ensino coerente com seu projeto social de vida, o que se
contrapõe a um ensino processado de forma dogmática e catequética, distribuindo
o conhecimento em ‘doses homeopáticas’ e muitas vezes concebidas de forma
absoluta. É na raiz dessa contradição que podemos tentar compreender o que
estamos chamando de deficiência do processo de aprendizagem.
O comportamento dos alunos, salvo
algumas exceções, demonstra essa organização que se reflete, muitas vezes no
sentimento de desânimo dos professores no empenho de um projeto político pedagógico
mais eficaz. Nessa forma de organização, o ato de planejar se encontra
substancialmente desvinculado do ato de produzir o objeto; o trabalho manual se
separa radicalmente do trabalho intelectual. O ato pedagógico, numa coerência
com esse processo de produção, tem feito por contemplar muito mais a teoria,
separando-a da prática, enquanto ação social humana e coletiva, portanto,
geradora de conhecimento. Assim, o homem, enquanto sujeito social é o elemento
ativo e em constante interação no processo de produção do seu próprio
conhecimento.
Numa outra gradação metodológica, que
sabemos deve estar presente na prática pedagógica, esta deve estar atenta ao
processo global de produção, construção e elaboração do conhecimento,
considerando o aluno, desde o início de suas atividades- aqui entendidas como
prática social histórica - como sujeito ativo de seu próprio processo de
conhecimento e compreensão da realidade.
A partir desse conhecimento inicial é
que se procurará levá-los de uma menor para uma maior compreensão e
sistematização do conhecimento. Assim, a transformação da escola, hoje, implica
mudanças, às vezes radicais. Há necessidade de se conceber de forma diferente a
produção e a elaboração do conhecimento, de se modificar de forma concreta o
processo de ensino-aprendizagem que acompanha o ato pedagógico.
Há necessidade, ainda, de que sejam
repensados e redefinidos os fins e os objetivos da escola, o papel que ela
exerce e o que deve exercer enquanto instituição criada e demandada em função
das necessidades que permeiam o mundo contemporâneo. É essa exigência social
que primeiro provoca os questionamentos sobre o que tem sido considerado
eficiente no modelo de escola cultivado, como, também, lança dúvidas quanto aos
projetos de reforma educacional até hoje implementados.
Levando em consideração que a
Universidade é tida como de importância para todos os seguimentos sociais,
torna-se também importante a busca de uma prática pedagógica que venha
subsidiar os projetos de reconstrução e renovação dessa instituição. Essa nova
prática deve organizar-se em torno de novos fins e novos objetivos, de novos
conteúdos de ensino, e de uma nova relação pedagógica bem como do uso de novos
instrumentos metodológicos disponíveis.
Podemos, assim, eleger três eixos centrais
em torno dos quais consideramos importante a Universidade realizar uma nova
prática pedagógica que se revele mais coerente com as expectativas sociais dos
que hoje constituem a maioria de seus alunos.
1. Os objetivos e fins devem ser
decorrentes de um projeto político-social que defina o seu papel;
2. Estabelecer diretrizes para a seleção
de conteúdos de ensino e sua metodologia, e para a relação pedagógica que envolve
esse processo;
3. Definição de um projeto de
transformação da escola que tenha como ponto de partida uma nova prática, antes
de se criar uma nova teoria.
Esses três eixos podem ser estruturados
ao se pensar uma nova prática pedagógica para se efetivar o processo de
produção do conhecimento na Universidade.
6
UMA NOVA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA UNIVERSIDADE
O conhecimento que se processa na
Universidade não se esgota no processo de receber informações, mesmo que elas
sejam atualizadas. É importante que estas informações sirvam de ponto de
partida para a produção de novos conhecimentos, que, por sua vez, devem ser
comunicados, expressos publicamente, avaliados e enriquecidos. Nesse sentido, a
forma mais eficaz que, no momento, tem se apresentado para desencadear esse
processo é a implementação da pesquisa como princípio educativo.
Normalmente, quando se discute a forma
como se constrói o conhecimento, as pessoas imaginam que ele está ancorado em
algum lugar fora da relação do sujeito com seu mundo. Pensa-se, por exemplo,
que o conhecimento se restringe ao acúmulo de teorias previamente
estabelecidas, ao deslocamento dessas teorias do seu contexto de produção e à
instituição das mesmas como verdades absolutas. Assim, elas passam a constituir
a única matriz explicativa para problemas/ enigmas que circundam o homem e a
sua existência.
Essa forma de perceber o conhecimento
gera um comportamento muito comum que é a utilização de clichês, slogans,
chavões e frases feitas para explicar, de maneira bastante simplista, qualquer
situação que se apresente. Como por exemplo: os alunos não acompanham a aula;
eles não se envolvem com o mundo acadêmico; os professores não estão motivados,
entre outras.
Ao contrário, o conhecimento produzido
pelo processo da pesquisa parte de um ponto de vista, de uma problematização
sobre um determinado objeto de estudo recortado da realidade, utiliza
informações teóricas já produzidas, mas sempre desdogmatizando-as, para
construir outros conhecimentos necessários à compreensão da realidade, pode
alterar essa relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
Estar atento às perguntas, aos pontos de
vista é, portanto, promover a construção de um conhecimento comprometido com os
problemas sociais, culturais, econômicos e políticos do contexto vivido,
traduzindo-os em produtos e processos úteis para a sociedade em geral. Isso
significa romper com a representação segundo a qual o lugar de produção,
circulação do conhecimento é, essencialmente, a comunidade acadêmica.
A pesquisa é, portanto, a atividade
básica da ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que
alimenta a construção do conhecimento e o atualiza frente à realidade do mundo.
O conhecimento assim produzido passa a ter significado e ser significante para
os sujeitos que o produzem.
Construir uma Universidade como centro
produtor de conhecimento implica que todos os seus espaços bem como os seus
sujeitos estejam envolvidos nesse processo. Todos os momentos, todas as
atividades devem ser pensados e estruturados tendo como eixo o processo de
produção do conhecimento. A pesquisa será, em conseqüência, a atividade
fundamental desse processo.
Essa talvez seja a utopia que está sendo
gestada nesse momento de crise da pós-modernidade, pensando a incidência da
mesma na realidade do cotidiano do Ensino Superior. Alimentar essa utopia é uma
das formas de olhar de frente para o mundo e acreditar na esperança de vê-lo
melhor.
É dever do Estado garantir aos seus
cidadãos, mediados pelas Instituições formais, no caso aqui especificamente, a
Universidade (pública ou privada), garantir a seus alunos as condições mínimas
de produção de conhecimento, e isto supõe e pressupõe, identificação, registro
e processamento de informações. Para tal é necessário desenvolver nos alunos
habilidades específicas e domínio de estratégias adequadas necessárias à recepção
e produção de textos orais e escritos. Ou, no dizer de Hannah Arendt: “A
Educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para
assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que
seria inevitável não fosse a renovação e vinda dos novos e dos jovens. A
educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para
não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e
tampouco, arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova
e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a
tarefa de renovar um mundo comum (ARENDT, 2000).”
Ou ainda o que afirmado por João Thomaz
Pereira: “Formar cidadãos preparados para o mundo contemporâneo é um grande
desafio para quem dimensiona e promove a educação. Em plena Era do
Conhecimento, na qual inclusão digital e sociedade da informação são termos
cada vez mais freqüentes o ensino não poderia se esquivar dos avanços
tecnológicos que se impõe ao nosso cotidiano. [...] No contexto atual, o grande
desafio das escolas, dos educadores e da sociedade civil é a exclusão digital
ou o analfabetismo digital. Se as pessoas que estão à frente desse processo não
compreendem o que é necessário e o que não é necessário fazer, podem inibir o
desenvolvimento de nossas Instituições de Ensino ou mergulhá-las no
envelhecimento prematuro. Não precisamos ir muito para saber o que acontece,
basta refletirmos sobre a situação atual de nossas escolas públicas (PEREIRA,
2005).”
Assim, a Universidade, tem o dever de
construir nos seus alunos habilidades, estratégias específicas necessárias ao
processamento e ao domínio do conhecimento socialmente produzido, para que
possa obter sua independência e autonomia na construção e reconstrução contínua
de sua história como sujeito social participante de uma sociedade mais
democrática, por que apaixonado por Justiça.
O objetivo da ação universitária deve,
pois, projetar-se para fora dos muros da Universidade, mas sem deixar de
enraizar-se nos sujeitos que transitam no seu interior que são também sujeitos
plurais, diferentes, diversificados, mas todos são sujeitos de ação social e
construtores de um ordenamento da sociedade que se deseja democrático,calcado
nos princípios éticos da liberdade e justiça. Para isso é necessário
competência e qualificação.
Hoje é preciso acreditar novamente na
utopia de uma sociedade emancipada porque construída pela ação de sujeitos
autônomos. Para isso a prática universitária deve ter uma meta para os sujeitos
que estão transitando no seu interior: proporcionar a todas as possibilidades
de se qualificarem para o exercício de sua autonomia. Entendendo-se
qualificação, não apenas como preparação de mão de obra produtiva, mas como
preparação do sujeito capaz de compreender e enfrentar as contradições de seu
tempo existencial.Ou seja, qualificação como preparação de um sujeito capaz de
construir sua própria identidade social, cultural e profissional. Nesse
processo, a universidade tem uma função. Exercê-la é recuperar sua
legitimidade.
Isto quer dizer que a universidade tem
uma função social e simbólica e dentre elas pode-se eleger: “Possibilitar aos
sujeitos adquirir e/ou desenvolver valores positivos perante o trabalho e
perante a organização social e econômica da produção; possibilitar aos sujeitos
construir regras de comportamento que facilitem o desenvolvimento de interações
sociais mais humanizadoras e democráticas; estimular a construção prazerosa de
trajetórias pessoais de vida; estimular formas interativas de acessar
informações e processar conhecimentos; estimular o desenvolvimento de
habilidades cognitivas que permitam compreender e viver a realidade nas suas
diversas performances; alertar para a existência e a necessidade de convivência
com o diferente e o diferenciado; enfim, possibilitar que se aprenda a viver e
a processar o exercício da liberdade de ser e se tornar sujeito humano, de um
determinado tempo, para além de seus muros. ( SANTOS,1995,p.199)
A Universidade é um momento provisório,
o mundo do trabalho é o lugar da permanência do sujeito. É para esse lugar que,
ao cumprir sua função, a universidade deve apontar. Promover um trabalho
acadêmico comprometido com as questões sociais do mundo contemporâneo é
construir a responsabilidade social da universidade, num processo de
recuperação de sua legitimidade institucional. É fazer com que se cumpra
realmente, a sua vocação de ‘universitas’, na qual os problemas mundiais,
nacionais, regionais, locais sejam tratados do ponto de vista da compreensão
científica,visando-se a que os sujeitos promovam ações efetivas no
encaminhamento de soluções mais eficazes e permanentes.
No caso brasileiro, promover um trabalho
acadêmico comprometido com as questões sociais do mundo contemporâneo é formar
profissionais mais eficientes para áreas de atuação que há longo tempo se
mostram estranguladas: educação, justiça, fome, planejamento urbano e meio
ambiente, habitação, saúde, dentre outros. Ou, ainda, voltar-se para problemas
da comunidade imediata como assistência jurídica, sanitária, educacional,
cultural, técnica, etc. É realizar um trabalho que se efetive numa via de mão
dupla, onde os problemas sejam tratados como objetos de estudo e pesquisa
acadêmica, visando à formação de profissionais que atuem com mais competência na
sua área de qualificação. O objetivo da ação universitária deve, pois,
projetar-se para fora de seus muros.
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