Blog História do Ensino Superior
Brasileiro, de autoria de Álaze Gabriel. Disponível em http://historiadoensinosuperiorbrasileiro.blogspot.com.br/
Autoria:
1 - Alexandre Felipe Fiuza. Pós-Doutorado em História Contemporânea pela Universidad Autónoma
de Madrid. Professor do Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná - UNIOESTE/ Cascavel/ Paraná-Brasil.
2 - Claudio Afonso Peres. Mestre em Educação pela UNIOESTE.
Cascavel/PR-Brasil, 20 de maio de 2009.
INTRODUÇÃO
Buscamos
neste trabalho, a partir de uma investigação de doutorado e principalmente de
uma outra de mestrado intitulada O
Público e o Privado no Ensino Superior Brasileiro: do Regime Militar
(1964-1984) ao Governo FHC (1995-2002)(2009), demonstrar como se deu o
processo do crescimento do ensino superior privado no Brasil, considerando os
momentos de crise pelo qual atravessa o capitalismo a partir da segunda metade
do século XX, desvelando uma relação intrínseca entre economia, política e
educação, considerando que a última é sempre subordinada às anteriores.
A estratégia buscada
é o recurso metodológico da comparação, procedimento que, após uma análise do
processo vivido vislumbramos ser o mais apropriado ao objeto de investigação. Ao
compararmos os aspectos relacionados ao público e ao privado na educação
superior brasileira dos governos militares e com os dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso (FHC), julgamos necessária uma compreensão da totalidade que
caracteriza o caráter privatista desse processo, bem como dos aspectos
específicos que tipificam cada época estudada. Entendemos que a comparação entre
os períodos citados pode nos conduzir a análise que vai do geral ao particular
e do particular ao geral, com possibilidade de compreender a relação entre teoria
e prática. A comparação nos possibilita captar as contradições e fazer delas uma
análise qualitativa capaz de produzir um conhecimento autêntico, que não resulta
contraditório com a validade do método marxista, ou do materialismo histórico
dialético.
No processo
de compreensão da relação público x privado, identificamos eixos temáticos que
envolvem tanto a privatização no Regime Militar, quanto a do governo FHC, que,
embora não sejam conclusivos, indicam a possibilidade de um estudo conectado
aos fatos intrínsecos aos momentos vividos, sem desligá-los de seus aspectos
gerais, exógenos ao processo de privatização, mas que são freqüentemente
determinantes, como, por exemplo, as crises do capitalismo e o caráter
hegemônico das economias desenvolvidas que coordenam o processo de
globalização. Por essas razões, nesta investigação priorizamos por comparar os
aspectos políticos, econômicos, a correlação de forças estabelecida nos dois
momentos pelos diversos movimentos sociais e a questão da influência internacional,
que permeia, igualmente, ambos os períodos.
Neste artigo,
após expormos argumentos que valorizam e justificam o valor da comparação para
nosso projeto de investigação, apresentaremos breves características e dados
relativos aos dois momentos, destacando alguns aspectos comparativos. Em
virtude da natureza do trabalho, não há espaço para problematizarmos esses
aspectos com o rigor necessário, o que acreditamos não prejudicar o
entendimento, pois o método comparativo não é escravo da formalidade.
Destacamos a
necessidade e a validade do estudo das questões metodológicas, bem como sua
importância para a pesquisa, a despeito das práticas pedagógicas que são
conduzidas por instituições privadas consideradas como verdadeiras empresas
fornecedoras de diplomas e certificados, que relegam o método e a teoria a
segundo plano, causando uma profunda crise na educação, conforme explicita
Maria Célia Marcondes de Moraes, na obra Iluminismo
às Avessas (2003), ao tratar do “Recuo da Teoria”.
PESQUISANDO COMPARANDO, UMA ESTRATÉGIA DE
COMPREENSÃO
A partir do
momento em que pensamos na história, tendemos a comparar. Comparamos números,
fatos, idéias, épocas, políticas, leis, etc. Esse procedimento, inicialmente
instintivo, pode ser levado à aplicação metodológica para que produza
conhecimento, podendo assim ser enquadrado como um procedimento científico.
Ao iniciarmos
um estudo, é necessário que apontemos uma direção metodológica, pois, conforme
Álvaro Vieira Pinto, em Ciência e
Existência: Problemas Filosóficos da Pesquisa Científica (1979), “[...] os
diversos tipos de método se originam sempre em função dos objetos e das
situações que o homem tem interesse em investigar, e de acordo com o
desenvolvimento das forças produtivas que permitem levar a cabo essa
investigação” (PINTO, 1979, p. 39).
Em algum
momento da pesquisa comparativa, busca-se o recurso à formalidade da
comparação. Sabemos que a lógica formal é “estática, que não aceita a
contradição e o conflito” (PIRES, 1997, p. 84). No entanto, se em determinado
momento isolamos microconfigurações para compararmos, procuramos não confundir
“analogias superficiais com as similitudes profundas” (CARDOSO, BRIGNOLI, 2002,
p. 413) e para comparar o realmente comparável (DETIENNE, 2000, p.42),
captando, “detalhadamente, as articulações dos problemas em estudo, analisar as
evoluções, rastrear as conexões sobre os fenômenos que os envolvem” (PIRES,
1997, p. 85), pois a natureza dialética da sociedade pressupõe que ela se
movimenta e é contraditória e por isto, temos que “apreender o que dela é
essencial” (idem, p. 87).
No intuito de
desvendarmos com maior precisão a prática liberal em que o Estado transfere
para a iniciativa privada o papel de implementador das políticas sociais, para
além da formalidade e do idealismo, não podemos também nos tornar escravos da
comparação e nos esquecer de que “todo trabalho real de pesquisa utiliza vários
métodos distintos ao mesmo tempo, freqüentemente em intrínseca conexão uns com
os outros” (PINTO, 1979, p. 40). Tornar-se escravo do método limita a área de
atuação e a possibilidade da resolução do problema por parte do pesquisador. Ao
invés de tão-somente interpretar a história estudada, de forma tautológica,
nosso propósito é contribuir, ainda que
minimamente, para a transformação da ordem, conforme Marx propôs na tese onze
sobre Paul Johann Anselm von Feuerbach, ao acusar os filósofos do passado de
não serem capazes de transformar o mundo (MARX, 1988, p. 29).
Reiteramos
que a validade do pensamento formal não é excluída pela dialética. A comparação,
por exemplo, não é tida como ineficaz, é apenas subordinada, ela é dialetizada a ponto de ser admitida como
“momento necessário, embora restrito, do processo do conhecimento” (PINTO,
1979, p. 44).
A pesquisa
comparativa é citada por vários autores como algo que se evidencia no século
XX, ou seja, é algo novo, principalmente no Brasil, onde às vezes ela causa
ainda estranhamento e é alvo de críticas. No entanto, autores como Demétrio
Castro Alfin, na obra Compreender
comparando, Jalones de uma búsqueda en história y ciências sociales (1992-1993)
remonta a comparação ao esquema historiográfico de Heródoto, na contraposição
“entre bárbaros e helenos, persas e gregos, autocracia e liberdade” (ALFIN,
1992-1993, p. 77). O autor elenca diversos aspectos históricos até chegar a
Émile Durkheim, o qual considera ter feito da sociologia uma ciência da
comparação e desta uma possibilidade de uma história científica.
O autor
Charles S. Maier, em
La História Comparada (1992-1993), trata do método
comparativo em Tocqueville e Marx. Ele exemplifica que, quando Marx e Engels
analisam o fracasso da revolução de 1848, em relação à de 1789, isso já
implicava, ao menos, “implicitamente, um contraste histórico” (MAIER,
1992-1993, p. 13). Daí estaria também a razão para se comparar. O autor cita
também Montesquieu, Hume, Saint-Simon, Comte, Spencer, Max Weber, autores que,
embora não tratassem do método comparativo, não podemos desconsiderar a
hipótese de que eles interpretavam as fases do desenvolvimento, e assim,
acabavam comparando.
A
historiadora Anita Leocádia Prestes, em O método
comparativo no estudo da história do Partido Comunista do Brasil (2003)
destaca que qualquer que seja a opção do historiador, no que se refere ao
entendimento da história comparada, considera importante ter como pressuposto
que “o método comparativo conduz, pela sua própria natureza, à ruptura da
singularidade dos casos e dos processos. Permite também, eventualmente, uma
volta ao caso singular ou específico, muito enriquecida pela ampliação teórica
resultante da comparação” (PRESTES, 1982, p. 157). Destarte, embora aparente
ser uma estratégia formal, quando associada às técnicas de comparação
adequadas, contribui para a compreensão dialética e pode produzir, a partir da
materialidade dos fatos e da problematização dos mesmos, o conhecimento concretamente
pensado.
Ainda no
sentido de comprovar a validade do método da comparação, Marcel Detienne
(2000), na obra Comparar lo Incomparable
(2000), esclarece qual deve ser o trabalho do comparatista:
[...] o
comparatista realiza uma desmontagem lógica que lhe permite descobrir as
articulações existentes entre dois ou três elementos, isolar microconfigurações
que permitem ver diferenças cada vez mais afinadas e contíguas (DETIENNE, 2000,
p. 52). [tradução nossa].
Na
apresentação da revista Estudos
Ibero-Americanos (2003), René E. Gertz comenta apropriadamente que “a
compreensão do que seja e a prática da comparação são bastante diferentes de
autor para autor” (GERTZ, 2003, p. 6). No nosso caso, conduzimos nossa
investigação do ponto de vista comparativo crítico, negando as interpretações
positivistas e meramente quantitativas. Por
isto, não se trata de comparar no sentido de contrapor simplesmente, buscando
apontar semelhanças e diferenças, mas trata-se de identificar assuntos
relacionados ao momento em que o processo de produção e acumulação do
capitalismo torna-se mais flexível a partir das orientações globais,
decorrentes da crise de 1973, para assim, chegamos ao processo de privatização
brasileiro e possivelmente compreender seu contexto.
Não podemos
desconsiderar o fato de que o modo de produção capitalista e a ideologia
liberal permeiam nossos momentos estudados e que isso implica em relativizar
diferenças e considerar possíveis semelhanças nas configurações políticas e
econômicas.
Como percebemos, a proximidade dos dois períodos
históricos, a permanência de alguns ideólogos e políticos nos dois contextos, a
delimitação do tema e o contexto global que envolve os aspectos estudados, nos
permite relativa tranqüilidade em relação ao debate que envolve os
historiadores da história comparada sobre o problema da “comparação do
incomparável” (DETIENNE, 2000, p. 42). Nosso objeto - acreditamos - é
plenamente comparável.
Reconhecemos, no entanto,
que a “[...] riqueza da comparação
está mais no processo de pesquisa do que na forma de redação, está nas
perguntas que nos permite colocar e nas relações que nos permite enxergar,
antes que na enumeração tediosa de semelhanças e diferenças” (PRONKO, 2003, p.
3). Por isto, um estudo acurado sobre os pontos propostos que sejam
comparáveis, aponta para uma necessidade de compará-los e isso acontece na
abstração do leitor, mesmo que o autor não o faça de modo formal.
Na comparação
é preciso cuidado em comparar aspectos que se dão de forma imediata, pois
conforme Maier, “existe o perigo de que o estudioso se feche a perceber
contrastes que saltam a vista de maneira imediata” (MAIER, 1992-1993, p. 29)
[tradução nossa]. Do mesmo modo, conforme Theml e Bustamante, é preciso estabelecer
o “estranhamento, a diversificação, a pluralização e a singularidade daquilo
que parecia empiricamente diferente ou semelhante, posto pelo habitus e reproduzido pelo senso comum”
(THEML, BUSTAMANTE, 2003, p. 21). Portanto, a comparação demanda um compromisso
com a historicidade dos objetos comparados.
Nosso objetivo aqui é adotar a estratégia da
pesquisa comparativa crítica, conforme já advertimos, posto que as perspectivas
clássicas e tradicionais, citadas por Régis Malet, na obra Do Estado-Nação ao Espaço-Mundo: as condições históricas da renovação
da educação comparada (2004), não permitem compreender o capitalismo em sua
forma real, mesmo porque o clássico e o tradicional, por estarem geralmente
vinculados ao conservadorismo, conduzem à interpretações liberais, no limite
reformistas. A perspectiva crítica “desenvolve uma leitura descontinuísta da
História. Abalando a vontade hegemônica ideológica que vigorava, encoberta de
cientificidade” (MALET, 2000, p. 8).
Sobre o Regime Militar e o governo FHC,
podemos considerar que a crítica atinge no fundo o Estado capitalista, no
sentido de que as reformas de cunho liberal influenciaram a educação superior, e
que, ao se tornar privada, causou prejuízos à classe trabalhadora que
possivelmente seriam menos comuns em uma educação estatal, gratuita e de
qualidade.
Essa assertiva precisa ser relativizada, pois mesmo no interior da educação
estatal, existem diferenças que se relacionam às classes sociais, havendo
cursos de elite para a classe dominante e cursos, geralmente na área de
humanas, sem garantia de emancipação financeira futura, para a classe
subordinada.
A necessidade
que se impõe ao estudarmos a privatização do ensino superior no Brasil é que a
compreendamos à luz do que é a história do capitalismo global, bem como de sua
manifestação ideológica, que é o liberalismo. Para tal, nossa compreensão deve remontar ao século XVIII, para que, embora de
maneira breve, verifiquemos que as práticas liberais implementadas na segunda
metade do século XX no Brasil, tem suas raízes na gênese do Estado liberal
surgido a partir do processo de industrialização, desde aquela época. Adam
Smith, em A Riqueza das Nações, já defendia políticas que
levassem os alunos a pagar pelo ensino (SMITH, 1983, p. 199).
Igualmente é importante
recorrermos à compreensão do que foi o capitalismo brasileiro, os embates
políticos e econômicos, o aspecto tardio (CHASIN, 2000, p. 54) e periférico,
assim como as influências de outros países para as políticas educacionais,
conforme comentamos neste trabalho.
Ao
realizarmos um estudo comparativo das leis brasileiras nos momentos em que as
mesmas se relacionam à educação e à história do país, perceberemos um eixo que
as vinculam aos princípios do liberalismo. No período em estudo, a Lei 5.540/1968,
que reformou o ensino superior no Regime Militar foi construída a partir de
estudos realizados por comissões e grupos, com a presença de estrangeiros, que
davam especial direcionamento às políticas de cunho liberal, como a
privatização e o atendimento aos interesses do mercado. Igualmente a Lei 5.692/1996,
que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional em vigor, no contexto da
reforma gerencial do Estado implementada por FHC, representou os interesses
liberais na implementação das políticas educacionais, incentivando a
privatização, a flexibilização, a terceirização e a publicização da educação,
propiciando a transferência das ações que deveriam ser conduzidas pelo Governo
ao chamado terceiro setor.
Dentro do contexto do fenômeno da globalização e
da mundialização do capital financeiro,
diversas são as mudanças que ocorrem no âmbito do aparelho do Estado, colocando
em evidência o valor da comparação. Os períodos estudados nesta investigação
fazem parte de contextos internacionais distintos. No Regime Militar, o
Estado-Nação relativamente presencial e desenvolvimentista tendia ainda a
coexistir com o início da transnacionalização das economias e dos mercados. No
Governo FHC, com o processo de globalização em pleno andamento, o Estado
redefinido é ultraliberal
e atuante, sem a referência do nacionalismo e do desenvolvimentismo. Nesse
momento, na acepção de Luiz Carlos Bresser Pereira, o Estado é “social-liberal” e
não neoliberal como aponta a grande maioria dos autores brasileiros. Há nesse
governo um perfeito alinhamento com a reestruturação econômica do capitalismo a
nível mundial, com todas as características e problemas da flexibilização e da
precarização do trabalho e da educação. Em qualquer desses momentos, a
globalização pode ser caracterizada como uma ameaça à autonomia dos Estados
menos desenvolvidos na formulação e na implementação de políticas, posto que a
orientação passa a ser dos organismos internacionais.
No período de transição
entre os militares e o Governo FHC, e desde o início do Governo Fernando Collor
de Mello (1990), há uma preocupação com a diminuição do Estado para servir
apenas como regulador das relações de mercado, favorecendo as políticas
internacionais de “inserção definitiva” do país no processo de globalização –
inserção essa criticada com propriedade por Fiori (2001), pois o autor revela a
posição subordinada que o Brasil passou a ocupar no contexto do processo de
globalização, com a “desintegração definitiva de qualquer idéia de nação”
(FIORI, 2001, p. 26). Esta seria uma distinção a ser destacada entre os
militares e os civis, não fossem os militares também terem sido subservientes e
postulantes de políticas orientadas por interesses internacionais,
especialmente norte-americanos.
Diante desta
compreensão inicial acerca do método, a seguir nos propomos a apresentar
características específicas de cada momento histórico abordado, tecendo
críticas à privatização da educação, no intuito de, a partir desta crítica,
demonstrar a intenção da burguesia no sucateamento da parcela do ensino
superior ainda freqüentado pela classe trabalhadora.
Mesmo em se tratando de um estudo
comparativo, em face da natureza deste texto, os casos particulares serão
estudados separadamente, pois,
[...] a idéia
geral não pode deixar de conter a essência dos casos particulares, assim como
estes não seriam reconhecidos como tais, apesar de sua variedade, se não
encontrassem a significação que os define num conceito universal que os
envolve, os unifica e se realiza concretamente na especificidade distintiva de
cada qual (PINTO, 1979, p. 41).
Por isto, a necessidade de expormos cada caso, para que a partir deste
conhecimento, pensemos comparativamente e, como considerações finais, façamos
algumas análises, embora desde já apontemos para a necessidade de estudos mais
aprofundados acerca da comparação.
O REGIME MILITAR NO BRASIL E SUAS RELAÇÕES COM A
PRIVATIZAÇÃO DO ENSINO
O período governado pelos
militares no Brasil (1964-1984) é motivo de calorosos debates entre pessoas que
o vivenciaram ou que o estudam, geralmente no sentido de uma crítica à
“ditadura” e aos métodos de repressão utilizados, ou seja, uma crítica aos
aspectos políticos e que, algumas vezes, não estabelece vínculos com os
aspectos econômicos. Assim, sem pretendermos omitir a necessária crítica ao
caráter autoritário e conservador do Regime, pensamos que esse período exige um
estudo mais cuidadoso sobre outros aspectos relevantes, como, por exemplo, a
real participação do Estado no âmbito das políticas econômicas e educacionais e
os reflexos na privatização de instituições escolares.
Durante o período do Regime
Militar do Brasil houve considerável crescimento da rede de ensino superior
estatal, principalmente em número de universidades federais. Concomitantemente,
houve ainda o destacável crescimento do número de Instituições de Ensino
Superior (IES) privadas isoladas.
Com relação ao contexto global a “cooperação”
técnica e financeira do Banco Mundial para com a educação brasileira remonta à
década de 1970, por meio de cinco projetos, que foram desenvolvidos nas duas
décadas seguintes. Marília Fonseca chama de projetos de co-financiamento, pois
o Banco não emprestava diretamente o dinheiro, ele ressarcia “o país pelos
gastos antecipados (contrapartida) por conta do futuro crédito. Em tese, a
participação do capital nacional deveria corresponder a 50% do custo total do
projeto” (FONSECA, 1996, p. 229). A autora denuncia que essa contrapartida por
parte do país, às vezes, saia mais cara que o próprio crédito do Banco, pois o
país precisava arcar com despesas de “diagnósticos, utilização de consultorias,
viagens de reconhecimento aos Estados, recepção às missões do Banco, entre
outros” (idem, p. 244). Acrescenta-se ainda que o pagamento da dívida com o
Banco envolvia encargos diversos, juros altos e ajustes cambiais.
Embora destaquemos a década de 1970 pelo aspecto
financeiro do apoio, desde a primeira metade do século passado havia um
processo de assistência técnica entre o Brasil e os Estados Unidos, momento em
que foram disseminados por meio da educação os ideais “democráticos” daquele
país. A partir da década de 1950, surgiram os acordos econômicos para projetos
agrícolas, que destinavam 15% dos recursos para a cooperação técnica. Na
década seguinte, os Estados Unidos passam a “substituir as atividades de
cooperação técnica bilateral por outras formas de cooperação, por meio de
instituições multilaterais, como o BIRD e o BID”
(TOMMASI; WARDE; HADDAD, 1996, p. 230).
Embora a influência
internacional esteja presente no sentido de orientar para a administração do
Estado aos moldes do liberalismo, o período do governo militar não é
considerado pela maioria dos historiadores da educação campo privilegiado para
a pesquisa quanto ao crescimento do número das IES privadas, em comparação com
o governo FHC, por exemplo. Considera-se o fato de terem sido, neste período,
criadas várias IES públicas federais. Contudo, ao ser comparado com os governos
anteriores, no tocante a privatização desse nível de ensino, o governo militar
revela-se praticamente o pioneiro em realizar essa transferência de
responsabilidades. Teodoro Rogério Vahl, na obra A privatização do Ensino Superior no Brasil, causas e conseqüências
(1980) comenta que a prática do governo, na verdade, consistiu em aumentar
a oferta, visando atender a demanda, sem preocupação com os critérios para que
as IES privadas fossem criadas (VAHL, 1980, p. 94).
No ano de 1977 havia 877 IES
no país, sendo que destas, apenas 63, ou 7,2%, eram universidades, as demais,
ou seja, 93,8% constituíam-se de estabelecimentos isolados, em sua maioria
privados (idem, p. 24). Esses dados demonstram as condições em que o ensino superior foi ampliado,
baseado em instituições sem pesquisa e com ensino de baixa qualidade, salvo raras
exceções.
O “boom” das instituições privadas isoladas
justificava-se pela saturação da capacidade de absorção pela rede oficial,
porém, a maioria eram meras “fornecedoras” de diplomas (idem, p. 34), pois os
critérios de regulamentação e de controle pelo governo eram demasiadamente
deficitários. Na verdade, essa diminuição de critérios foi proposital, pois
visava atender a forte pressão dos empresários da educação e dos estudantes
para o aumento de vagas no ensino superior. Com isto, de acordo com a lei
5.540/1968, a criação de IES não universitárias que era para ser uma formação
em caráter excepcional, virou regra. Em que pese o crescimento do ensino
privado, cabe considerar que neste período do Governo Militar foram criadas 15
universidades federais, enquanto que em toda a década de 1990 foi criada apenas
a Universidade Federal do Amapá, em 1990 (INEP, 2006, site) e
durante o Governo FHC, não foi criada qualquer IES estatal.
Com relação ao número de matrículas, Vahl demonstra
que as matrículas nas IES privadas aumentaram de 42.460, em 1962, para 492.825,
em 1973, resultando em um percentual de crescimento superior a 1.000%. Enquanto
que nas IES públicas, Universidades federais, estaduais e municipais, o aumento
foi de 62.721 em 1962, para 255.691, em 1973, o que representa um aumento
inferior a 310% (1980, p. 24).
O crescimento do ensino superior, por intermédio de IES
privadas isoladas, foi tão intenso, que no ano de 1977, foi requerida na Câmara
Federal a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com a
finalidade de estudar a transferência da responsabilidade da educação do Estado
para a iniciativa privada, a qual, segundo o parlamentar que a requereu,
estaria “provocando a institucionalização da indústria do ensino” (idem, p.
43). No ano de 1977, o Ministério da Educação e Cultura determinou ao Conselho
Federal de Educação (CFE) a proibição da autorização para criação de cursos
superiores, inclusive dos 152 novos cursos que já estavam sendo estudados pelo
conselho.
O que ocorre é que
a educação no período, a despeito do que poderiam projetar os militares, passa
a ser valorizada em seu aspecto técnico, em detrimento do humanístico. O país
que se “desenvolvia” precisava de mão de obra qualificada. O próprio
ex-ministro da Educação do Regime, Jarbas Passarinho, relata a “infeliz”
influência da bancada paulista no Congresso, no sentido de trazer a
obrigatoriedade do ensino técnico profissionalizante para o ensino médio
(MATHIAS, 2003, p.167).
A lei 5.692/71 garantiu essa ampliação do ensino profissionalizante no ensino
médio, tornando-o obrigatório, o que não se efetivou de fato, em virtude da
falta de recursos e de meios que possibilitassem às escolas estaduais
proporcionarem uma educação de qualidade. Este projeto foi abandonado em 1982,
ficando as Escolas Técnicas Federais com essa atribuição, na qual elas sempre
se destacaram.
Diante do quadro exposto, está evidenciado que o
Governo Militar não foi capaz de pôr em prática uma política educacional que
viesse a proporcionar o ensino público gratuito e de qualidade em qualquer de
seus níveis, pelo contrário, através de suas políticas e práticas, em que pese
o aumento do número de vagas, soube tornar o ensino superior público elitizado,
incentivando e financiando a iniciativa privada, contribuindo para aumentar a
distância entre classe trabalhadora e classe dominante.
Os dados estatísticos sobre o Regime Militar, embora
seu complemento ou confirmação sejam de difícil acesso, são bastante
elucidativos, revelam um quadro em que o regime pode ser considerado como um
regime enquadrado às orientações das hegemonias globalizantes que dominavam o
início do processo de globalização, qual seja, os Estados Unidos da América e a
Inglaterra. No que se refere ao ensino superior, embora o Estado estivesse
presente na manutenção da ordem política, nesta área, que reflete a área
econômica, em vista da necessidade de investimentos, ele se limitou a
equilibrar o aumento do ensino estatal com o ensino privado, priorizando o
segundo.
Por ser um país que entra no processo de
industrialização de maneira já tardia em relação aos países da Europa e aos EUA,
o Brasil possui características distintas. A cultura da importação de
tecnologias sempre esteve impregnada nas instâncias do poder brasileiro, que
parece não conseguir pressupor que é preciso investir em educação no sentido de
formar pesquisadores nacionais, como garantia da soberania nacional e
independência efetiva.
Substituem-se os governos - civis, militares,
liberais, democratas, pseudo-socialistas – alteram-se as ideologias no poder e
a elite brasileira parece estar cada vez mais preocupada com seus próprios
interesses, deixando o país de cócoras diante do cosmopolitismo, parafraseando
José Luis Fiori, na obra O Cosmopolitismo
de Cócoras (2001).
O GOVERNO FHC E A EXPLICITAÇÃO DA GESTÃO LIBERAL
Ao tratarmos
das práticas liberais privatizantes da educação no período do governo FHC, assim
como no Regime Militar, é preciso considerar os aspectos externos que
influenciaram nas práticas implementadas pelo grupo que estava no poder nesse
período. Nessa época, foi realizada uma reforma do aparelho do Estado
brasileiro baseada em uma gestão moderna e orientadora para práticas mais
flexíveis, conforme orientação dos organismos internacionais, com uma severa
crítica à administração do Estado, tanto de meios de produção, quanto de
serviços sociais, aqueles que poderiam ser lucrativos para a iniciativa
privada.
Percebemos
que essa estratégia não foi opção interna do país, isolada de um contexto mundial.
Nesse sentido, destacamos a importância do estudo do aspecto global da economia
que se reflete nas políticas educacionais. É importante reconhecer que o Banco
Mundial continuou sendo o maior financiador de sistemas educativos e no
contexto dos recebedores de empréstimos, o Brasil ocupou posição de destaque.
A autora Marília Fonseca revela em suas pesquisas que
as decisões sobre os projetos propostos por organismos internacionais para o
Brasil tinham a participação de dirigentes e pessoas com alto poder decisório
do Governo brasileiro, e que, às vezes, agiam à revelia das orientações de
dirigentes e técnicos hierarquicamente subordinados (1996, p. 232).
Durante a
década de 1990 no Brasil, o tema da privatização em geral foi amplamente
discutido, tendo sido alvo de protestos e manifestações diversas,
principalmente quando se tratava da privatização de empresas e indústrias.
No caso da educação, o processo se deu sem espaço para contestações, pois
pareceu dotado de maior legitimidade, em face da propaganda ideológica que
fortaleceu as práticas, que no máximo eram acusadas de “neoliberais”. Para a educação superior, aliada à
euforia pelo aumento de vagas, vieram os incentivos financeiros para que as
instituições privadas se instalassem, em meio à falta de investimentos, o que
causou a ausência de qualquer crescimento da esfera estatal. Desta forma,
chegamos ao ano de 2004, com 2013 IES, das quais 1789 eram privadas, sendo em
sua maioria, assim como no Regime Militar, instituições isoladas (INEP, 2006).
No período de
1998 a
2003, como reflexo das políticas liberais de FHC, orientadas pelas diretrizes
dos mecanismos internacionais - conforme ainda veremos neste trabalho - o
ensino superior privado teve um crescimento de 116%, fazendo com que o País
fosse destaque mundial quanto ao crescimento dessa modalidade de ensino.
Quanto ao
ensino superior estatal, os dados demonstram a redução do número de
instituições, de 209 em 1998, para 207 em 2004, o que caracteriza o propósito
do governo em enfraquecer o ensino público. A partir de 2004, já no governo de
Luiz Ignácio Lula da Silva (Lula), percebemos a volta do crescimento do número
de instituições estatais, concomitante com as instituições privadas, que
continuam a se instalar, embora uma crise esteja em curso.
Todo esse
processo de transferência de responsabilidades, característico do Governo FHC,
trouxe conseqüências altamente desastrosas para a população brasileira,
particularmente para as classes mais subordinadas, assim como para a soberania
da Nação. A transferência das pesquisas científicas para a iniciativa privada
subordinou os interesses nacionais aos interesses do mercado e ao imediatismo
dos grupos empresariais, que se relacionam tão somente ao lucro, e que, graças
ao mergulho nas políticas globais estão, em grande parte, dominados por capital
estrangeiro.
Segundo dados
divulgados pelo IBGE, no ano de 2004, na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), 50,1% da população brasileira possuía renda mensal abaixo de
3 salários mínimos. No entanto, as pessoas que estavam nessa faixa de renda
representavam apenas 26,5% dos alunos matriculados nas IES públicas e 12% dos
matriculados nas privadas. Por outro lado, as pessoas com renda familiar acima
de 10 salários mínimos, que representavam 11,8% da população brasileira,
representavam 29% das matrículas nas IES públicas e 41,6% nas privadas (IBGE,
2006). Estes dados demonstram que o acesso ao ensino superior brasileiro, seja
no âmbito público ou privado, segue sendo um privilégio. O fato é que o ensino
estatal não atende de modo igual às classes sociais, é tão ou mais elitista que
o privado, por isto, a exclusão das classes subordinadas da possibilidade do
acesso.
Partindo de uma perspectiva democrática, “a educação é
um direito apenas quando existe um conjunto de instituições públicas que
garantam a concretização e a materialização de tal direito”. No momento em que
“um [direito] é apenas um atributo do qual goza uma minoria (tal é o caso dos
países latino-americanos, da educação, da saúde, da seguridade, da vida, etc.),
a palavra mais correta para designá-lo é [privilégio]” (GENTILI, 2001: p.
247-248).
Estas políticas de
privatização no Brasil se reforçaram com alguns argumentos econômicos liberais
de que “são as empresas estatais as responsáveis pela criação do problema da
dívida externa latino-americana e – mais importante – sua privatização pode
ajudar a resolver o problema” (idem, p. 126).
O Governo FHC
reduziu a participação nos gastos e garantiu o acesso ao ensino superior,
resolvendo o problema da demanda, para isto, omitiu-se com relação às
conseqüências. O que importava eram as orientações daquele que emprestava o
dinheiro, o Banco Mundial:
A introdução de uma
maior diferenciação no ensino superior, ou seja, a criação de instituições não
universitárias e o aumento de instituições privadas podem contribuir para
satisfazer a demanda cada vez maior de educação superior e fazer com que os
sistemas de ensino melhor se adeqüem às necessidades do mercado de trabalho.
(...) Os incentivos financeiros para estimular o desenvolvimento das
instituições privadas só se justificam em razão de que eles constituem uma
forma de aumentar a matrícula a um custo menor para o governo, que o de ampliar
as instituições públicas (Tradução Nossa) (BIRD, 1995, p. 31-41).
Assim se explica o
atual quadro do ensino superior brasileiro e que tipo de orientações as
políticas educacionais dos governos Collor e FHC seguiram. Aliado a influência
internacional, o processo de privatização na década de 1990 se deu através da
reforma do aparelho do Estado, sendo que as idéias liberais se materializaram
em reformas expressivas como o Plano de Gestão para os Órgãos Públicos, do
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), sob a
coordenação do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que, em 1995, torna
público o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado, que orientou os atos administrativos do poder
executivo, sem qualquer discussão com o Congresso Nacional. As discussões foram
realizadas na criada Câmara da Reforma do Estado. Esta Câmara, por sua
vez, produziu um manual que apontou na perspectiva das práticas liberais na
busca do Estado Mínimo, conforme se percebe no que foi escrito pelo
próprio presidente da República na apresentação da obra: “mediante a
flexibilização da estabilidade e da permissão de regimes jurídicos diferenciados,
o que se busca é viabilizar a implementação de uma administração pública de
caráter gerencial” (BRASIL, 1995, p.11).
O que se propunha,
de fato, era a submissão do país aos interesses globalizantes e as orientações
do Consenso de Washington. A orientação liberal quanto ao papel do
Estado é que ele deixasse de ser o agente executor da educação superior. As
instituições teriam autonomia e o Estado faria o credenciamento,
recredenciamento, avaliação e fiscalização e outras ações do gênero. A ausência
do Estado estaria dentro do pressuposto do “Estado mínimo”, necessário para
manter a produção, a concorrência e o equilíbrio do mercado. O Plano Diretor da
Reforma do Estado caracterizava que a crise pela qual passava o país era a
crise fiscal, agravada pela estratégia estatizante de intervenção do Estado,
ainda pela burocracia da administração Pública (BRASIL, 1995, p. 15), em uma
crítica direta ao período do Regime Militar.
Além do setor
educacional, estas políticas acabaram por transferir o setor produtivo
brasileiro (inclusive setores estratégicos) para a iniciativa privada, a preços
questionáveis e, na maioria dos casos, para investidores estrangeiros. Neste
contexto, a educação aparece como “semi-mercadoria” no “quase-mercado“
educacional, passando por uma espécie de privatização dissimulada, sendo
transferida em grandes proporções para a responsabilidade do mercado.
Ainda neste período,
foram instalados modelos de parcerias entre governo e sociedade, formando uma
espécie de serviço público “não-estatal”, através da criação de organizações
sociais ou “pessoas jurídicas de direito privado, constituídas sob a forma de
fundações ou de sociedade civil sem fins lucrativos” (AMARAL, 2003, p. 118). Para
esta implementação foi necessária uma convergência de interesses entre o
governo e o grupo da sociedade que pretendia prestar o serviço específico. Esta forma de parceria previa a possibilidade
da intervenção do poder público “na hipótese de comprovado risco à regularidade
dos serviços transferidos ou ao fiel cumprimento das obrigações assumidas no
Contrato de Gestão” (idem, p. 119). Ocorre que os mecanismos reguladores ou de
controle não foram especificados com clareza. Além da corrupção que infecta os
órgãos públicos, o próprio sistema é demasiado flexível, o que acaba
proporcionando oportunidades de prevalecer os interesses privados, geralmente
relacionados à obtenção de lucros.
Interpretando os
mecanismos que o governo liberal utiliza para organizar a economia, e
conseqüentemente a educação para o interesse das propostas liberais,
percebemos, paradoxalmente, que o “[...] Estado neoliberal pós-fordista é um
Estado forte, assim como são fortes seus governos mínimos” (Gentili, 2001, p.
237). Na ótica liberal, o Estado atua como fator decisivo para garantir a
acumulação de capital sob uma modalidade de regulação política já
dominantemente mercantil. Ou seja, o Estado atua como um fator a mais no
processo de despolitização. Daí que o neoliberalismo precisa de qualquer outra
coisa, menos de um Estado débil.(...)
Na perspectiva e na pragmática da Nova Direita, o Estado só serve para
conservar e defender a propriedade e seu direito (idem, p. 239-242).
O que percebemos
então, acerca do período em que o País foi governado por FHC, é que os
interesses do mercado continuaram sendo mantidos, assim como durante o Regime
Militar, tendo sido aperfeiçoadas as maneiras pelas quais a classe trabalhadora
sempre foi excluída da possibilidade de aquisição de uma educação superior de
qualidade, com a virtualidade de proporcionar, ainda que minimamente, sua
emancipação econômica, ou a aquisição de um conhecimento que pudesse contribuir
para sua emancipação política.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, percebemos que comparar o período
do Regime Militar brasileiro, com o período do governo FHC é uma opção que
demanda de diversas considerações, por se tratar de uma relação dialética, na
qual aos interesses privados são atribuídos um certo caráter público e o que é
público estatal, de fato, acaba cedendo espaço para a ocupação do privado. Esse
processo é característica histórica do estado liberal e está ligado à lógica do
capitalismo.
Os dados apresentados neste trabalho revelam um quadro
em que, tanto o Regime militar quanto o Governo FHC podem ser caracterizados
pela prática de gestões enquadradas às orientações hegemônicas mundiais que
dominaram o processo de globalização e de recrudescimento do liberalismo. Em
ambos os períodos havia segmentos da elite nacional que tinham interesses
particulares que passaram a ser atendidos com essa abertura ao capital e à
influência estrangeira praticadas pelo Estado.
Quanto ao ensino superior, no que tange à questão dos
investimentos, o Estado Militar se limitou a equilibrar o aumento do ensino
estatal concomitante com o ensino privado, com prioridade ao segundo, o que
revela, no mínimo, um paradoxo, ao passo que à primeira vista, o regime é tido
como nacionalista e centralizador. Na verdade, a condição era criar vagas para
atender a demanda, formando trabalhadores graduados sem perspectivas de
ascensão à pesquisa por intermédio de pós-graduações, uma vez que essas não
existiam nas IES isoladas. As Universidades Federais foram criadas e se
mantiveram como centros de excelência, porém, os vestibulares permaneceram extremamente
concorridos e distantes das possibilidades de acesso da classe trabalhadora,
que se formava no ensino médio público profissionalizante, que a rigor não
profissionalizava, em virtude da falta de recursos humanos e materiais, nem
preparava para o vestibular, pois as disciplinas básicas eram abreviadas.
Este quadro permaneceu no Governo FHC, e até os dias
atuais grande parte da classe trabalhadora nem sequer se inscreve nos
vestibulares públicos dos cursos mais concorridos, pois, a inscrição é paga,
enquanto que na maioria das IES privadas, foram inventados os mais diversos
tipos de processos seletivos, que na verdade tratam-se de mera formalidade. O
que importa, de fato, é a condição para pagar as mensalidades.
Tanto no Regime Militar, quanto no Governo FHC, ou em
qualquer regime capitalista, cabe a explicação de Manacorda de que tanto
“filantropos, utopistas, e até os próprios industriais são obrigados, pela
realidade, a se colocarem o problema da instrução das massas operárias para
atender às novas necessidades da moderna produção da fábrica...” (MANACORDA,
1997, p. 72). Por isto a preocupação da burguesia com a ampliação do ensino
superior nos dois momentos e seu inerente caráter mercadológico.
Neste sentido, o Governo FHC também se assemelha ao
Regime Militar, no aspecto do atendimento à demanda e na formação para o
mercado. Em FHC destaca-se a influência marcante das orientações globais
liberalizantes pós-crise de 1973 e consolidadas no Consenso de Washington (1989), no sentido da flexibilização
da economia e dos meios de produção em geral. A reboque veio a privatização dos serviços
sociais, aqueles que o empresariado percebeu como possibilidade de lucros,
sendo um deles, o ensino superior.
Identificamos então a presença de vários elementos de
continuidade entre os períodos estudados. O presente artigo nos oferece a
oportunidade de apontarmos esses eixos temáticos, conforme assinalamos durante
o estudo. No entanto, em detrimento de sua natureza, não podemos nos aprofundar
em cada um deles Porém, a própria apresentação dos mesmos e suas relações com o
que foi exposto, nos permite uma gama de possibilidades para análises
complementares.
O fato comum é o caráter
liberal e elitista das políticas educacionais. Tanto no Regime Militar quanto
no governo FHC prevaleceu essa lógica, em que o ensino superior público, em
geral, a despeito de todos os problemas, permaneceu de boa qualidade, acessível
a uma pequena parcela da população e o ensino privado foi vulgarizado a uma
grande massa de trabalhadores. Essas políticas garantem um mercado de mão de
obra qualificada de modo flexível, que já começa a compor também uma reserva de
desempregados no mercado de trabalho, pois ao tentar se valorizar, pode ser
substituída por técnicos ou tecnólogos que possuem uma formação semelhante.
Ao
compararmos então, chegamos ao ponto em que encontramos sempre o mesmo Estado:
liberal capitalista, e, sempre, a serviço da manutenção da propriedade e do
poder de seus detentores, pois para isso ele foi criado já quando se instituiu
a propriedade.
A
educação superior é um artifício utilizado para reprodução desse processo,
embora possa também ser espaço de contradição, conforme apontam vários autores
brasileiros, que reconhecem que o conhecimento apropriado historicamente nos
bancos escolares é fator que contribui decisivamente para a real transformação
da sociedade.
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