Blog História do Ensino Superior Brasileiro, de autoria de Álaze
Gabriel. Disponível em http://historiadoensinosuperiorbrasileiro.blogspot.com.br/
Autoria:
Antônio
Joaquim Severino. Professor titular de Filosofia da Educação, Faculdade de
Educação da USP; é bacharel e mestre em Filosofia pela Universidade Católica de
Louvain, Bélgica; Dr. em Filosofia pela PUC de São Paulo. Livre-docente em
Filosofia da Educação pela USP. Seus estudos e pesquisas atuais situam-se no
âmbito da filosofia e da filosofia da educação. 2009.
RESUMO
Partindo de uma leitura do contexto
histórico-social que a Universidade brasileira está atravessando no momento, o
trabalho argumenta em favor de uma imprescindível articulação entre ensino, pesquisa
e extensão. Defende a idéia da indissociabilidade entre essas três funções,
concebendo-a como exigência intrínseca para a constituição de uma universidade
que possa ser realmente útil para a sociedade brasileira, neste momento
histórico novo, diferente e desafiador que está vivendo. Uma universidade que
se comprometida com a produção do conhecimento através da prática da pesquisa,
poderá desenvolver, com êxito, sua tarefa pedagógica de ensino e sua tarefa
social de extensão, tornando-se centro energético de transformação da
sociedade, contribuindo para a construção da democracia e da cidadania,
mediante a consolidação de uma nova consciência social.
Palavras-chave: Universidade.
Conhecimento. Pesquisa. Extensão. Cidadania.
INTRODUÇÃO
O Brasil está na iminência de ter mais
uma reforma universitária, desta feita com um perfil que se anuncia muito marcado
pelas configurações do neo-liberalismo econômico e cultural. Com a comunidade
nacional bastante desmobilizada, no contexto da atual conjuntura política e
social do país, corre-se o risco de se perder muitas das conquistas já obtidas
nos últimos tempos, agravando ainda mais a situação do ensino superior no país.
Por isso mesmo, impõe-se o debate sobre o sentido de uma universidade que,
funcionária do conhecimento, pudesse colocá-lo a serviço da sociedade.
Comprometida com o conhecimento, ela o será também, por decorrência, com a
extensão e a pesquisa, tanto quanto com o ensino. Muitas são as dificuldades
que a universidade brasileira encontra em sua inserção histórica na sociedade
brasileira, sob os diversos condicionamentos políticos, econômicos e sociais.
Mas enfrenta também problemas no interior de sua esfera específica, como lugar
de produção, sistematização e disseminação do conhecimento, problemas ainda não
devidamente superados. Continua desafio para a universidade brasileira rever com
criticidade, criatividade e competência, sua relação com o conhecimento, tratando-o
como processo e não como produto, equacionando-o como mediação da educação e
esta, como mediação da cidadania e da democracia.
A significação da Universidade se dilui
num emaranhado de idéias e proposições que vêm sendo formuladas, no momento
atual, como indicação de que a humanidade teria entrado numa nova era, que superaria
tudo que havia construído e acumulado. Com efeito, tornou-se discurso corrente
e recorrente a afirmação incisiva de que estaríamos vivendo hoje, no limiar do
terceiro milênio, um mundo totalmente diferente daquele projetado pela visão
iluminista da modernidade e destinado à realização de uma sociedade utópica.
Chega-se ao ponto de se afirmar que a história teria terminado, uma vez que a
civilização humana teria alcançado o patamar mais alto do progresso possível
para a humanidade. Já se encontrariam realizadas todas as possibilidades de
aperfeiçoamento, de aprimoramento de nossas condições de vida individual e
social.
O modelo de existência humana não é mais
um ponto no horizonte futuro, mas já está disponível no presente, faltando apenas
que cada pessoa ou cada grupo a ele se ajustasse. Estaríamos vivendo um momento
de plena revolução tecnológica, capaz de lidar com a produção e transmissão de
informações em extraordinária velocidade, num processo de planetarização não só
da cultura, mas também da economia e da política. Tratar-se-ia de um momento
marcado pelo privilegiamento da iniciativa privada, pela minimalização da
ingerência do Estado nos negócios humanos, pela maximalização das leis do
mercado, pela ruptura de todas as fronteiras e barreiras entre estados e
mercados.
No plano mais especificamente
filosófico, estaria em pauta uma crítica cerrada às formas de expressão da
razão teórica da modernidade, propondo-se a desconstrução de todos os discursos
por ela produzidos, todos colocados sob suspeita, inclusive aqueles da própria
ciência. Este mundo novo dispensa a Universidade tradicional, forjada à luz das
referências da modernidade, uma de suas expressões mais arrematadas.
Dada essa situação, o lugar e o papel da
educação precisam ser continua e expressamente retomados e redimensionados. Com
efeito, o compromisso ético e político da educação, por assim dizer, se acirra
nas coordenadas historico-sociais em que nos encontramos. Isto porque as forças
de dominação, de degradação, de opressão e de alienação, se consolidaram nas estruturas
sociais, econômicas e culturais. As condições de trabalho são ainda muito
degradantes, as relações de poder muito opressivas e a vivência cultural
precária e alienante. A distribuição dos bens naturais, dos bens políticos e
dos bens simbólicos, muito desigual.
Em outras palavras, as condições atuais
de existência da humanidade, traduzidas pela efetivação de suas mediações
objetivas, são extremamente injustas e desumanizadoras. Tais condições se mostram
muito agravadas no contexto histórico-social do terceiro mundo, assumindo características
particularmente críticas na América Latina.
É neste contexto estrutural e
conjuntural que se impõe olhar para a realidade da educação universitária
brasileira, seja para identificar seus desafios e buscar caminhos de superação.
UM
RETRATO SEM RETOQUES
Sem dúvida, o núcleo forte da vida
universitária, o seu pólo magnético, a sua razão de ser, é o ensino de
graduação. Segundo o Censo, o Brasil conta hoje com 2.281 IES, das quais 183
são universidades, 120 Centros Universitários e 1978 são faculdades isoladas.
Estes números representam uma expansão em relação a 2006 de apenas 0,5%, último
índice de uma série que vem apresentando uma tendência decrescente desde 2003.
Contrariando a tendência dos anos anteriores, desta feita o maior crescimento
se deu nas universidades [2,8%], categoria que nos anos anteriores sempre
apresentou a menor taxa de crescimento. Cabe observar, no entanto, que não
obstante esse decréscimo do número de Instituições, a oferta de vagas, o número
de ingressos e de matrículas tiveram um crescimento maior. É interessante observar
que o Censo se desdobra em três grandes segmentos: o do ensino presencial, o do
ensino técnico e o do ensino a distância. Estes dois últimos segmentos
constituem as novas meninas-dos-olhos da política educacional do momento.
O país conta com 4.880.381 matrículas
das quais 2.644.187 estão feitas nas universidades, 680.938 nos Centros
Universitários e 1.555.256 nas Faculdades Isoladas. Das 183 universidades, 96
são públicas [52,5%] e 87, privadas [47,5%]; já dos 120 Centros Universitários
116 são privados [96,7%] contra 4 públicos, e das 1978 faculdades, 1829 são
privadas [92,5%] e 149 públicas [7,5%].No cômputo geral, das 2281 IES, 89% são instituições
privadas e apenas 11% públicas, sendo 4,6% federais, 3,6% estaduais e 2,7%
municipais.
Funcionaram
em 2007, 23.488 cursos presenciais de graduação, o que representa um aumento de
6,8% em relação a 2006. O crescimento médio de IES públicas, federais e
municipais, bem como das privadas foi em média de 8,5%, mas as públicas estaduais tiveram um
decréscimo na oferta de cursos de 7,7%. É de se registrar ainda que, embora o
maior aumento de Instituições seja o das faculdades, são as Universidades que respondem
pela maior quantidade de cursos e de alunos.
Em 2007, foram oferecidas 2.823.942
vagas nos vestibulares, o que representou um aumento de 194.344 vagas em
relação a 2006, ou seja, 7,4%. Novamente constatou-se queda das vagas nas
universidades públicas estaduais, de 9,6%. Mas o aumento da oferta de vagas não
representou aumento proporcional do número de ingresso, o que resultou na
ocorrência de 1.341.987 vagas ociosas.
Concorreram às vagas 5.191.760 candidatos;
ingressaram 1.481.955 alunos para as 2823.942 vagas oferecidas; portanto,
apenas 52,5% das vagas foram ocupadas. Por outro lado o censo de 2007 demonstra
que continua elevada a taxa de evasão de alunos. Em 2007, esta taxa foi de
41,9%, sendo 27,4% no ensino público federal, 36,2% no ensino público estadual
, 37,6% no ensino público municipal,. 44,6% no ensino privado.
O que chama a atenção nos dados deste
Censo, com um perfil que se mantém bastante igual nos últimos anos? Em primeiro
lugar, a grandiosidade dos números envolvidos e a complexidade dos dados. Por
mais que possamos nos sentir ainda inseguros com a precisão desses dados,
dispomos, sem dúvida, de um bom retrato da realidade de nosso ensino superior.
Em segundo lugar, de um ponto de vista puramente quantitativo, vemos confirmada
a expansão do ensino superior no país, embora em ritmo mais lento. O que,
evidentemente, é, em tese, um aspecto muito positivo, pois o país precisaria
dobrar sua população universitária.
Mas, além disso, este crescimento revela
algumas distorções. A expansão do ensino superior, do ponto de vista
institucional, reforça sua opção preferencial pelo modelo da faculdade isolada.
Tanto que este modelo prevalece na configuração institucional do sistema. No entanto,
é bem verdade que a maioria das matrículas [54%] se encontra nas Universidades,
14% nos Centros Universitários e apenas 32% nas Faculdades. Por que será que
priorizamos essa forma de distribuição dos alunos, um número menor deles em um
número tão maior de pequenas instituições? Certamente, não é para garantir alta
especialização.
O alto índice de evasão é outra
distorção incompreensível e injustificável, pela irracionalidade e desperdício
que ele expressa. Se acrescentarmos a esse fenômeno o número de vagas não
preenchidas bem como o número de formados que não atuam no seu campo de
formação, temos então um quadro desolador e desafiante, ficando difícil
entender como convivemos com essa situação, dado seu ônus econômico, científico
e cultural para a nação. Porque o sistema se revela impotente para superar esse
problema e reverter esse quadro? Estaria aí, tornado crônico, mais um fracasso
de nossa política educacional?
É também outro fato preocupante a distribuição
desigual das IES pelas diversas regiões do país, o quadro apresentando um grande
desequilíbrio regional. Ocorre uma verdadeira sudestificação da educação
superior, na expressão de Ristoff (2008, p. 43), pois os quatro estados da
Região Sudeste acumulam cerca de 50% das IES, dos cursos e das matrículas do
Brasil.
Por outro lado, a ampliação do acesso
não tem significado necessariamente ampliação de oportunidades. A maioria das
matrículas se dá em alguns poucos cursos, (Administração, Direito, Pedagogia)
com hipertrofia da oferta de vagas sem maior impacto na inserção social,
“revelando uma despreocupação nacional crônica com um projeto nacional de desenvolvimento
e com uma imagem de futuro para o país.” (RISTOFF, 2008, p. 43)
São, pois, ainda muito numerosos os
desafios político-sociais que envolvem a realidade da educação universitária no
país. Mas, por maiores que sejam esses desafios em sua dimensão quantitativa,
não se pode aguardar sua solução para se cuidar igualmente daqueles desafios de
natureza qualitativa, relacionados aos aspectos da vida acadêmica no interior
das instituições e nos processos propriamente pedagógicos da formação
universitária
Este perfil, resumido assim em grandes
pinceladas, parece revelar um profundo comprometimento da consistência da
Universidade brasileira. Ele confirma e reforça minha constatação, ao longo
destas 4 décadas, de que a finalidade maior e central da Universidade está, a
cada dia que passa, cada vez mais abalada, desconsiderada, está perdendo
relevância, minada que está por vários movimentos e muitas contradições.
Caracterizam-se entendimentos teóricos e direcionamentos práticos divergentes por
parte dos responsáveis pela gestão macro e micro do ensino superior no país.
DESAFIOS
E PERSPECTIVAS
De um lado, buscando criticar o modelo
vigente e superar seus problemas, alguns tendem a transformar a Universidade
numa instituição que só privile-giaria a pesquisa, que priorizaria
excessivamente a pesquisa, desprestigiando seu papel educativo frente à
juventude considerando menor a tarefa do ensino de graduação, passando a
investir pesado no ensino de pós-graduação, identificado fundamentalmente com a
realização sistemática da pesquisa. Se é verdade que esta tendência, que se
manifesta mais nas universidades públicas, é uma força importante na história
do ensino superior no Brasil, representando assim uma intenção positiva, já que
a dimensão da pesquisa era quase que inexistente na nossa tradição
universitária, não se pode desconsiderar o risco de elitização que ela traz em
seu bojo, o risco de uma postura altaneira e arrogante que acabará impedindo a
Universidade de dar à sociedade o retorno que ela espera e merece, com toda
legitimidade. Processo que, independentemente de sua qualidade intrínseca,
desvirtua a própria razão de ser da Universidade.
De outro lado, outros vêem a superação
dos problemas entendendo como único papel da Universidade a preparação de
técnicos a serviço do mercado de trabalho, numa postura meramente
profissionalizante, desconhecendo a necessidade não só da formação científica
mas também de uma densa e consistente formação política. São forças centrípetas
que tendem a fazer com que o ensino superior se feche sobre si mesmo, como um
redemoinho. Nunca é demais insistir: cabe à universidade como instituição como
lugar específico do ensino superior dedicar-se à formação do cidadão autêntico,
pois seu papel mais substantivo vai muito além da formação do profissional, do
técnico e do especialista. Por mais que os resultados históricos não tenham
correspondido a essa expectativa, isso não compromete sua finalidade
intrínseca, formadora que precisa ser da consciência social que é a única
sustentação de um projeto político minimamente equitativo, justo e emancipador.
Mas a universidade brasileira está
acossada também por forças externas, forças do contexto que questionam sua
autonomia, pressionando-a a se desviar de seus compromissos mais substantivos.
Vive uma dura orfandade, sitiada por todos os lados.
É pressionada de fora pelas injunções de
uma dinâmica social escrava do mercado, onde só conta o valor de troca, onde
tudo se transforma em mercadoria para um consumo desvairado. Essa dinâmica
mercantil induz, por sua vez, uma política atrelada a interesses menores,
descompromissados com a construção do bem comum. A humanidade parece caminhar,
cada dia mais, para uma condição na qual o econômico prevalece sobre o político
e sobre o cultural. E um econômico que tende a reduzir-se ao financeiro. É que
o bem se desenha, ao vivo e a cores, a atual crise mundial. Na verdade, uma
crise anunciada, preparada e manipulada. Um terremoto análogo àquele provocado pelo
ajuste das placas tectônicas que constituem a crosta terrestre: trata-se de um ajustar-se
das partes. O que está em jogo aqui é um ajuste das próprias condições do mundo
humano para que se solidifique uma nova configuração do social, subalternizando-o,
de vez, ao mercado. Uma crise para acabar com resistências que ainda impediam
essa reconfiguração. Não deixa de ser sintomático que esta seja uma crise
provocada, alimentada e sustentada pelo mercado financeiro, fina flor do
capitalismo vigente na atualidade. O econômico prevalecendo sobre o político e
se delineando como mero jogo financeiro do capital. A partir desta crise, o
Estado, outrora representante legitimado do poder político, passa a ser mero
agente executivo do econômico financeirizado.
Esta nova configuração do mundo, que se
apresenta como se fosse uma ordem nova, vai impondo a lógica do mercado a todas
as dimensões da vida humana. A educação, em geral, e a educação universitária,
em particular, não passam incólumes sob os efeitos de sua intervenção. Mas as
conseqüências são drásticas. Vendendo seus encantos como as sereias vendiam
suas melodiosas músicas, promessas que não podem ser cumpridas, o novo poder
hipnotiza a juventude, constrange os educadores e chantageia os gestores. Seus
intelectuais orgânicos desmontam todas as críticas, desqualificam todos aqueles
que ousam se opor a suas propostas.
A lógica do mercado que impõe uma
funcionalidade econômica, utilitarista. Induz à competitividade desenfreada.
Propõe a aquisição de competências não para saber fazer, mas para competir,
conhecimento utilitarista, instrumental, performance competitiva. Acaba
ocorrendo uma colonização da política educacional pelos imperativos da
economia.
Centrada no desempenho dos indivíduos,
visto como um agregado de competidores pelos postos do mercado de trabalho e
não parceiros na condução de um projeto. Cada um deve construir seu portfolio
de competências individuais. Aqui o impacto não só aquele decorrente da
mercantilização dos serviços educacionais, mas pior ainda, a defesa, a
impregnação de uma ideologia individualista, consumista e idealista. Os jovens
não saem formados do ensino superior, mas deformados, com uma visão medíocre e
egoísta da vida social e de sua participação nela.
Mas, além disso, internamente, a vida acadêmica
é marcada por muitas contradições que, por assim dizer, comprometem a própria
razão de ser da universidade, a mesquinhez, a miopia, o corporativismo, o
mandonismo, o autoritarismo, o dogmatismo prevalecem e contaminam todo o
organismo universitário.
É neste contexto de um modelo societário
marcado pela lógica do mercado, com suas pesadas conseqüências para a educação
universitária que se pode fazer uma leitura do chamado Processo de Bolonha,
iniciativa política da União Européia para uma significativa reorganização de
seu sistema universitária. Trata-se a criação do Espaço Europeu de Ensino
Superior. Na verdade, é a adoção do modelo inglês para formar uma educação
européia. A Europa continuaria querendo construir um império integrado, hoje
usando o conhecimento como a nova arma.
Estaria ocorrendo uma transição do
paradigma do ensino para a aprendizagem. O indivíduo, como aprendiz, é que é responsável
pela sua formação, não é o processo em si do ensino. Também não mais se pensam
por políticas públicas, mas por estratégias governamentais. Está em processo a
desregulação da educação pública, o Estado passa a ser apenas um avaliador, um
supervisor, uma agência de controle e avaliação. Tudo passa por uma estratégia
econômica de gestão.
Trago à baila a referência ao processo
de Bolonha pela reconhecida importância que a experiência européia tem para
nós. Sem dúvida, exercerá uma grande influência, nem sempre recebida e
incorporada com o devido distanciamento crítico. Estamos aqui e agora diante de
um novo emblema. A universidade ocidental nasceu em Bolonha e corre o risco de
lá também perecer.
Por tudo isso, muitos desafios permanecem
e algumas possibilidades se apresentam. Sem dúvida, é equívoca a tendência de
privilegiar a pesquisa, a reduzir o papel da universidade àquele de fazer
pesquisa, como se fosse a única atividade a ser prestigiada. Desconsiderar a
necessidade da pesquisa como postura investigativa é condenar o ensino superior
à mediocridade, comprometendo sua competência e responsabilidade em lidar com o
conhecimento novo, obstruindo sua criatividade para inovar e sua criticidade
para avaliar a história. Transforma-se numa instituição puramente
certificadora. Quanto à prática da pesquisa nos processos de ensino e
aprendizagem na Universidade, defendo a posição de que, na Universidade, esses
processos só serão significativos se forem sustentados por uma permanente
atividade de construção do conhecimento. O professor universitário precisa da
prática da pesquisa para ensinar eficazmente; o aluno precisa dela para
aprender eficaz e significativa-mente; a comunidade precisa da pesquisa para
poder dispor de produtos do conhecimento; e a Universidade precisa da pesquisa
para ser mediadora da educação. O aluno só consegue aprender significativamente
se sua aprendizagem se der como construção do conhecimento. Mas estamos aqui
falando de mediações, a postura investigativa é um meio, uma mediação, em vista
de uma finalidade, no caso, um bom ensino, uma boa extensão. Por isso mesmo, ao
mesmo tempo que se trata de valorizar a perspectiva daquela formação que tradicionalmente
encarnamos no bacharelado, não se pode perder de vista que não estamos querendo
formar cientistas no sentido estrito e restrito da expressão.
Na Universidade, ensino, pesquisa e
extensão efetivamente se articulam, mas a partir da pesquisa, ou seja, só se
aprende, só se ensina, pesquisando, construindo conhecimento; só se presta
serviços à comunidade, se tais serviços nascerem e se nutrirem da pesquisa.
Impõe-se partir de uma equação de acordo com a qual educar (ensinar e aprender)
significa conhecer; e conhecer, por sua vez, significa construir o objeto; mas
construir o objeto significa pesquisar. Por isso mesmo, também na Universidade,
a aprendizagem, a docência, a ensinagem, só serão significativas se forem
sustentadas por uma permanente atividade de construção do conhecimento. Ambos,
professor e aluno, precisam da pesquisa para bem conduzir um ensino eficaz e
para ter um aprendizado significativo.
Por outro lado, e agora me referindo à
perspectiva da Licenciatura, não se pode desconsiderar quando está em pauta a
natureza e a finalidade do ensino superior a questão do ensino e da formação do
educador. Primeiramente em decorrência do envolvimento intrínseco do ensino
superior com a educação em geral.
O compromisso da Universidade com o
ensino básico não é só aquele decorrente de sua atribuição institucional, daquela
tarefa técnica de formar os professores, como profissionais do ensino. Ele é muito
mais profundo e radical. Trata-se de um compromisso ético-político com a
educação, mola propulsora do processo civilizatório. Não se trata de uma opção
da Universidade se vai se preocupar com isso ou não. Deixar de assumir
responsabilidades diretas e incisivas em relação a essa problemática é uma traição
a seu próprio destino. Ela precisa ser lugar prioritário de se pensar modelos e
caminhos da educação básica do país. Como não se abalar com os dados trazidos
pelo Censo de 2007 ao revelarem a grave crise pela qual está passando a
formação de professores?
Como conviver com a precariedade de
nossos cursos de Licenciatura e Pedagogia, como se nada tivessem a ver conosco?
Todos sabemos muito bem que o fator predominante dessa crise vem da ausência de
uma política pública mais consistente por parte do Estado mas quem vive dentro
dos muros da Universidades bem sabe o quanto a Licenciatura é desprestigiada,
conforme depoimento recente do próprio Ministro da Educação, ao justificar a
criação da Bolsa de Iniciação à Docência.(TAKAHASHI; PINHO, 2009, p. C8)
À universidade, cuja atribuição, ao
preparar os profissionais nos diversos campos da cultura, não é repassar uma
instrução técnica, mas assegurar a formação integral dos estudantes, cabe uma responsabilidade
social da qual decorrem exigências específicas:
Uma lida rigorosa com o conhecimento,
donde a necessidade do investimento na prática da pesquisa, no domínio de metodologias
especializadas de investigação, na consolidação da pós-graduação como escola de
construção do saber, no compromisso com a competência técnica. Um compromisso
ético-político: o profissional a ser formado é antes de tudo um ser humano, que
precisa tornar-se sensível à dignidade humana bem como um cidadão que precisa
se comprometer com a democratização das relações sociais, dotando-se de uma
nova consciência social. E pouco importa qual seja sua área de
profissionalização.
Reencontramos aqui a dimensão igualmente
imprescindível da extensão no processo integral da formação universitária. Com
efeito, é graças à ex-tensão que o pedagógico ganha sua dimensão política,
porque a formação do universitário pressupõe também uma inserção no social,
despertando-o para o entendimento do papel de todo saber na instauração do social.
E isso não se dá apenas pela mediação do conceito, em que pese a
imprescindibilidade do saber teórico sobre a dinâmica do processo e das
relações políticas. É que se espera do ensino superior não apenas o conhecimento
técnico-científico, mas também uma nova consciência social por parte dos
profissionais formados pela Universidade. A formação universitária, com efeito,
é o lócus mais apropriado, especificamente destinado para esta tomada de
consciência, só a pedagogia universitária, em razão de suas características
especiais, pode interpelar o jovem quanto ao necessário compromisso político.
Esta interpelação se dá pelo saber, eis que cabe agora ao saber equacionar o
poder
Deste modo, a extensão tem grande alcance
pedagógico, levando o jovem estudante a vivenciar sua realidade social. É por
meio dela que o sujeito/aprendiz irá formando sua nova consciência social. A extensão
cria então um espaço de formação pedagógica, numa dimensão própria e
insubstituível.
Quando a formação universitária se limita
ao ensino como mero repasse de informações ou conhecimentos está colocando o
saber a serviço apenas do fazer. Eis aí a idéia implícita quando se vê seu
objetivo apenas como profissionalização. Por melhor que seja o domínio que se
repassará ao universitário dos conhecimentos científicos e das habilidades
técnicas, qualificando-o para ser um competente profissional, isto não é
suficiente. Ele nunca sairá da Universidade apenas como um profissional, como
um puro agente técnico.
CONCLUSÃO
Essas exigências se desdobram em implicações
e demandam mudanças na postura acadêmica e no modo de conceber e de implementar
o currículo e a prática pedagógica da Universidade. Antes de mais nada,
impõem-se uma concepção e uma prática do planeja-mento curricular e pedagógico
do ensino superior que envolvam um complexo investimento. Primeiramente, é
preciso garantir uma justificativa político-educacional do processo. Trata-se
de mostrar aos estudantes que o conhecimento é a única ferramenta de que o
homem dispõe para cuidar da orientação de sua existência, sob qualquer ângulo
que ela seja encarada. A habilidade em lidar com o conhecimento como ferramenta
de intervenção no mundo natural e no mundo social é pré-requisito
imprescindível para qualquer profissão, em qualquer área de atuação dos
sujeitos humanos, mas também para a condução da existência humanizada. Por isso
mesmo, todos os currículos universitários precisam contar também com
componentes de natureza filosófica, capazes de assegurar o esclarecimento
crítico acerca das relações entre o epistêmico e o social.
Em seguida, é preciso assegurar
igualmente uma fundamentação epistemológica, ou seja, garantir ao aprendiz o domínio
do próprio processo de construção do conhecimento, consolidando-se a convicção
quanto ao caráter construtivo desse processo, superando-se todas as outras crenças
epistemológicas arraigadas em nossa tradição filosófica e cultural, de cunho
representacionista, intuicionista etc. É pré-requisito imprescindível para que
nos tornemos pesquisadores a explicitação dos processos básicos que emergem na
relação sujeito/objeto quando da atividade cognoscitiva. De nada valerá ensinar
métodos e técnicas se não se tem presente a significação epistêmica do processo
investigativo.
Mas sobre esse lastro epistemológico, é
preciso colocar à disposição dos estudantes uma metodologia técnico-científica para
o trabalho investigativo específico de cada área. Com efeito, essa etapa não
deve ser identificada ou confundida com a metodologia do trabalho científico,
pois ela trata dos meios de investigação aplicada em cada campo de
conhecimento.
E é sobre essa base ganha sentido a inclusão
de componente curricular mediador de estratégia didático-metodológica, que cabe
se designar como a metodologia do trabalho científico, onde se tratará da
iniciação às práticas do trabalho acadêmico, estratégia geral de interesse de
todos os estudantes, independentemente de sua área de formação.
O futuro da Universidade brasileira está
na dependência da sua transformação em centro de ensino e extensão fundados na
pesquisa. Só assim responderá aos desafios da alta modernidade. Construir essa
Universidade do futuro, a meu ver, implica investir na Universidade do presente.
Mas não basta a incorporação mecânica dos sofisticados instrumentos das novas
tecnologias informacionais para se garantir uma Universidade de qualidade, para
assegurar o acesso e o uso otimizado dos recursos. Se não há como ignorar e
deixar de lado toda a potencialidade que as novas tecnologias informacionais
representam para a educação em geral, e para a Universidade em particular, toda
essa tecnologia precisa ser vista como ferramenta corriqueira como o foram um
dia a régua e o compasso. Mas, não há como acreditar que essas tecnologias, por
mais sofisticadas que sejam, poderão substituir o lento processo de
ensino/aprendizagem que se dá via construção do conhecimento. Meios
potencializadores são necessários e bem-vindos, mas continuam sendo meios, à
espera de quem possa explorá-los como sujeitos competentes, criativos e
críticos. Não há também como confundir a capacidade de transmitir informações,
o que essa tecnologia permite fazer com grande eficiência, com compartilhar o
processo de produção de conhecimentos, o que demanda muito mais do que um
repasse eficaz de dados. Em se tratando de conhecimento, o que está em jogo é a
formação do sujeito e não sua mera instrução.
Uma sociedade como a sociedade
brasileira, ainda marcada por tantas carências, em todos os planos da existência
histórica de sua população, depende muito da contribuição do conhecimento, daquele
conhecimento que tenha a ver com sua realidade. Trata-se de ferramenta
imprescindível e extremamente valiosa na superação de todas essas limitações.
Mas tem que ser um conhecimento desvelador dessa realidade. A insuficiência da
contribuição do ensino superior no Brasil para a superação de todas as lacunas
que a sociedade tem enfrentado decorre, em muito, do fato de que não vem
efetivamente construindo um conhecimento pertinente e relevante, deixando-se
levar por uma prática muito retórica e meramente repetitiva. Como podemos ver,
trata-se de mudar a nossa maneira de lidar com o próprio conhecimento.
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